A formalização de negócios jurídicos imobiliários no Brasil frequentemente suscita dúvidas quanto à forma adequada e aos encargos tributários correlatos. Uma das questões mais recorrentes diz respeito à promessa de compra e venda de imóveis, especialmente quando o valor da transação supera o limite estabelecido pelo artigo 108 do Código Civil. Este artigo visa aprofundar a compreensão sobre a possibilidade de registro de promessas de compra e venda por instrumento particular, a despeito do valor do bem, e as implicações quanto à exigibilidade do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
O Código Civil, em seu artigo 108, estabelece a regra geral de que a ESCRITURA PÚBLICA é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Esta disposição, que visa a conferir maior segurança e publicidade a transações imobiliárias de vulto, é amplamente conhecida e aplicada pelos operadores do direito e pelos Oficiais de Registro de Imóveis. Contudo, a própria redação do dispositivo ressalva a existência de situações em que a lei disponha em contrário.
É precisamente nesse ponto que o artigo 1.417 do Código Civil se revela como a exceção fundamental para a promessa de compra e venda. Este dispositivo legal preceitua que, mediante promessa de compra e venda irretratável, celebrada por instrumento público OU PARTICULAR, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, o promitente comprador adquire direito real à aquisição do imóvel. A clareza da norma autoriza expressamente a utilização do instrumento particular, independentemente do valor do imóvel, para a constituição desse direito real de aquisição. Tal interpretação é reforçada pelo artigo 462 do Código Civil, que dispensa o contrato preliminar da observância da FORMA DO CONTRATO DEFINITIVO, salvo quanto aos requisitos essenciais. Nesse diapasão:
“Art. 462. O contrato preliminar, EXCETO QUANTO À FORMA, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.
A jurisprudência, a exemplo do entendimento manifestado pelo Conselho da Magistratura do TJRJ no acórdão talhado nos autos do Processo de Dúvida nº. 0802313-85.2024.8.19.0055, tem consolidado a compreensão de que o artigo 1.417 do Código Civil constitui uma regra especial que derroga a regra geral do artigo 108 do mesmo diploma legal no que tange à forma da promessa de compra e venda. Assim, para fins de REGISTRO do direito real de aquisição, é plenamente válido o instrumento particular de promessa de compra e venda, mesmo que o valor do imóvel exceda o limite de trinta salários mínimos, afastando a exigência de escritura pública para este ato específico. A importância do registro reside na oponibilidade “erga omnes” do direito real de aquisição, conferindo segurança jurídica ao promitente comprador.
O referido acórdão foi assim ementado:
“TJRJ. 0802313-85.2024.8.19.0055. J. em: 30/10/2025. APELAÇÃO. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA SUSCITADA EM REQUERIMENTO DE REGISTRO DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. OFICIAL DEIXOU DE EFETUAR O REGISTRO PLEITEADO PORQUE O VALOR DA TRANSAÇÃO É SUPERIOR A 30 VEZES O MAIOR SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE NO PAÍS, DE MODO QUE SERIA NECESSÁRIO QUE O NEGÓCIO JURÍDICO EM QUESTÃO FOSSE FORMALIZADO MEDIANTE ESCRITURA PÚBLICA. SENTENÇA JULGOU PROCEDENTE A DÚVIDA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PELA PARTE INTERESSADA. PROCURADORIA DE JUSTIÇA OPINOU PELO CONHECIMENTO E PROVIMENTO DA APELAÇÃO, COM A REFORMA DA SENTENÇA PARA JULGAR A DÚVIDA IMPROCEDENTE. DESNECESSÁRIA A ESCRITURA PÚBLICA, TRATANDO-SE DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. O ART. 1417 DO CÓDIGO CIVIL TRAZ REGRA ESPECIAL EM RELAÇÃO À REGRA GERAL DO ARTIGO 108 DO CÓDIGO CIVIL E, PORTANTO, PERMITE QUE SEJA LEVADO A REGISTRO QUALQUER CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA, QUE TENHA SIDO CELEBRADO POR INSTRUMENTO PARTICULAR, INDEPENDENTE DE QUAL SEJA SEU VA
No que concerne ao Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), a formalização da promessa de compra e venda por instrumento particular, e seu consequente registro, não implica na imediata exigibilidade deste tributo. O ITBI tem como fato gerador a transmissão da propriedade ou de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos à sua aquisição, conforme previsto no artigo 156, II, da Constituição Federal e na legislação municipal. É importante observar com atenção que a promessa de compra e venda, ainda que gere um direito real de aquisição, NÃO CONFIGURA A TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE em si, que somente ocorrerá com o REGISTRO da Escritura Definitiva na matrícula do imóvel. Portanto, o recolhimento do ITBI não pode ser exigido e deve ser postergado para o momento da efetiva transferência do domínio.
A possibilidade de utilizar o instrumento particular para a promessa de compra e venda e seu registro no Cartório de Registro de Imóveis oferece vantagens significativas, como a redução de custos iniciais com emolumentos de Escritura Pública, proporcionando maior flexibilidade às partes. Contudo, é imperativo que o instrumento particular seja redigido com a máxima precisão e contenha todos os requisitos essenciais para a validade do negócio jurídico, além de atender às exigências registrais para sua qualificação e inscrição. A ausência de cláusula de arrependimento é um requisito fundamental para a constituição do direito real de aquisição.
Diante da complexidade e das nuances que envolvem a interpretação e aplicação das normas de direito imobiliário e registral, a consulta e o acompanhamento por um Advogado Especialista em Direito Imobiliário são indispensáveis. Somente um profissional qualificado poderá analisar as particularidades de cada caso, garantir a correta elaboração dos instrumentos jurídicos, orientar sobre os procedimentos registrais e tributários, e assegurar a plena validade e eficácia do negócio, prevenindo litígios e conferindo a segurança jurídica almejada pelas partes. A expertise jurídica é a chave para transações imobiliárias bem-sucedidas e em conformidade com a legislação vigente.
Fonte: Julio Martins


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