Introdução
Na Coluna Migalhas Notariais e Registrais de hoje, temos a primeira parte deste artigo. A sua continuação dar-se-á na próxima semana.
O objetivo do artigo é que tanto um jejuno em matéria de Direito Notarial e Registral quanto um veterano alcance uma visão panorâmica dos serviços notariais e registrais e, por fim, conheça algumas (só algumas) propostas de aprimoramentos.
Tratamos de conceitos básicos (como as especialidades) e práticos (como a dinâmica quotidiana) para desaguar na apresentação de algumas reflexões de aprimoramentos.
Cuidamos de questões polêmicos, como a estatização, o regime de emolumentos e a unificação da base de dados.
Apontamos também como os serviços notariais e registrais postam-se em outros países, especialmente o notariado e o Registro de Imóveis.
Tipos de Cartórios Existentes
Os serviços notariais e de registros, também batizados como serventias extrajudiciais, ofícios extrajudiciais, cartórios extrajudiciais ou simplesmente “cartórios”, estão disciplinados no art. 236 da Constituição Federal e na lei 8.935, de 18 de novembro de 1994 – Lei de Notários e Registradores (LNR).
Além dessas normas gerais, há outras mais específicas para determinadas especialidades desses serviços extrajudiciais, como por exemplo: (1) a lei 9.492, de 10 de setembro de 1997 – Lei de Protestos -, a qual se aplica aos Tabelionatos de Protestos; (2) a lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 – Lei de Registros Públicos (LRP) -, que recai sobre as especialidades incumbidas de atividades de registros públicos; (3) a lei 7.333, de 18 de dezembro de 1985, que se dirige aos Tabelionatos de Notas com recomendações formais para a lavratura de escrituras públicas relativas a imóveis.
Conforme o art. 5º da LNR e o art. 1º, § 1º, da LRP, os serviços notariais e de registro podem ser divididos nestas 8 (oito) especialidades:
b) Registro Civil de Pessoas Jurídicas (RCPJ): incumbe-se de registrar atos relativos à existência de pessoas jurídicas não empresárias (Junta Comercial registra sociedades empresárias) e não advocatícias (OAB registra sociedades de advogados), além de também registrar meios de comunicação a fim de atribuir uma matrícula a veículos que lidam com radiodifusão, agência de notícias e jornais, impressão de materiais de comunicação (arts. 114 e seguintes da LRP);
c) Registro de Títulos e Documentos (RTD): cuida de registrar documentos para efeito de conservação e para a constituição de direitos com oponibilidade perante terceiros, como o contrato de penhor e de parceria agrícola ou pecuária, além de promover notificações extrajudiciais a propósito de qualquer documento registrado (arts. 127 e seguintes da LRP);
d) Registro de Imóveis (RI): promove os registros de imóveis e de todos os direitos relativos a eles, como os direitos reais de garantia (hipoteca, por exemplo);
e) Tabelionato de Protestos: operacionaliza os protestos de títulos de dívidas para prova de inadimplemento, para comprovação da mora e como forma de cobrança extrajudicial de dívidas;
f) Tabelionato de Notas: além de reconhecer firmas e autenticar cópias, lavra escrituras públicas para formalizar juridicamente atos jurídicos e para coletar declarações de interessados;
g) Tabelionatos e Registros de Contratos Marítimos: cuida de atos notariais e de registros concernentes aos contratos marítimos;
h) Registro de Distribuição: nos locais em que houver necessidade, promove a distribuição de títulos entre as serventias para a realização de registros.
Estrutura sob a ótica do direito administrativo
Do ponto de vista administrativo, como a atividade extrajudicial envolve o exercício do poder administrativo de polícia, ela é um serviço público sob a ótica do Direito Administrativo. Por opção constitucional, esse serviço público é exercido mediante uma delegação sui generis outorgada pelo Poder Público a particulares mediante concurso de provas e títulos.
Enfatize-se: o titular da delegação – o oficial extrajudicial – é uma pessoa natural aprovada em um concurso público, e não uma pessoa jurídica.
Ainda sob a ótica de Direito Administrativo, as serventias extrajudiciais são consideradas “órgãos auxiliares” do Poder Judiciário, razão por que:
b) o Tribunal de Justiça local exerce, de forma periódica ou de modo extraordinário, correições para averiguar se o oficial está prestando o serviço de forma adequada, além de deter a competência para infligir punições contra ele no caso de infrações disciplinares e para editar atos infralegais regulamentando a atividade extrajudicial (art. 96, I, “b”, da CF; e art. 37 da LNR);
c) o CNJ possui competências normativas e disciplinares sobre as atividades extrajudiciais em sobreposição à competência dos Tribunais locais (art. 103-A, § 4º, III, e § 7º, da CF).
São os juízes, desembargadores e membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que fiscalizam e regulamentam as atividades notariais e de registro em cada Estado.
Regime de funcionamento e de remuneração
O funcionamento dos serviços notariais e de registro ocorre de modo particular e se formaliza por meio de outorga, pelo Poder Público, desse serviço a quem for aprovado em concurso público de provas e títulos, tudo conforme o art. 236 da Constituição Federal. Esses particulares – que podem ser chamados genericamente de oficiais extrajudiciais ou, a depender do tipo de especialidade, de tabeliães ou de registradores – ficam expostos a uma fiscalização periódica e contínua do Tribunal de Justiça de cada Estado, porque suas atividades são consideradas auxiliares ao Poder Judiciário.
Os tabeliães e os registradores exercem a atividade por seu próprio risco.
Eles devem custear as próprias despesas, como as com materiais de expediente, com imóveis (locação, IPTU/TLP, etc.), com a contratação de pessoal (o que ocorre segundo as regras trabalhistas em geral), com contratação de serviços acessórios (licenças de uso de softwares, especialistas em informática, contadores, arquivistas, advogados etc.) e com eventuais indenizações devidas a terceiros que possam ter sido prejudicados por falhas na prestação do serviço.
Ademais, cabe ao oficial pagar todas as despesas com o Imposto de Renda de Pessoa Física, que geralmente alcança a faixa de 27,5% da renda.
Some-se a isso a obrigação do oficial de pagar ISSQN (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza), mais conhecido como ISS (Imposto Sobre Serviços), que é de competência municipal e que pode recair sobre emolumentos dos cartórios extrajudiciais à luz da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF). Em Anápolis, por exemplo, a alíquota do ISSQN é de 5% do valor dos emolumentos (Código Tributário do Município de Anápolis, Lei de Anápolis nº 432, de 20 de dezembro de 1973).
Eles estão também sujeitos a rigoroso regime administrativo-disciplinar sob a incumbência do Tribunal de Justiça do respectivo Estado e ficam expostos à perda da delegação por erros perpetrados por seus prepostos.
Quanto aos riscos, o oficial exerce suas atividades com a ajuda de prepostos e lida com negócios jurídicos de elevada expressão econômica. Erros por culpa sua ou de seus propostos acarretam a responsabilidade civil e pessoal do oficial para indenizar os danos causados, além de sujeitar o oficial a punições disciplinares que poderão chegar à perda da delegação. Recorde-se que o tabelião ou registrador responde com o patrimônio pessoal pelos danos que ele próprio ou qualquer dos seus prepostos possam ter cometido durante o exercício da atividade extrajudicial.
Na prática, considerada a grande quantidade de atos que são praticados e diante dos elevados riscos envolvidos (é comum, por exemplo, haver criminosos apresentando documentos falsos), não é raro haver oficiais que já tiveram de pagar indenizações expressivas, que chegaram a ultrapassar a casa de um milhão de reais.
Temos ciência, por exemplo, de oficiais que, por conta de escrituras de venda de imóvel lavradas após o preposto ter sido enganado por um documento de identidade falso, estão prestes a ter de pagar indenização de mais de um milhão de reais.
Temos, ainda, ciência de caso de oficial que teve de pagar mais de um milhão de reais em razão de fraudes praticadas por preposto na gestão do caixa do cartório.
Informações como essas não costumam ser formalizadas em processos judiciais, razão por que a trazemos aqui com base na experiência.
Os riscos da atividade notarial e de registro são altos. E isso se dá em todos os países em que se desempenha a atividade notarial e de registro, o que justifica esta advertência feita pelo notário argentino Francisco Ratto a um novato:
“Elegestes uma profissão muito nobre, mas cuidado que isto de estar dando fé continuamente, em um mundo onde há tanta má-fé, é como dormir com um pé em tua casa e outro no cárcere.”
Como remuneração, o oficial é titular de parcela dos emolumentos que são pagos pelos serviços notariais e de registro.
Diz-se “parcela”, porque, a depender da legislação local, somente parcela dos emolumentos pertence ao oficial, vista que a outra porção tem de ser repassada a fundos e órgãos e entes públicos. Por exemplo, em Goiás, 40% dos emolumentos devem ser repassado a fundos e entes públicos. Em São Paulo, similar percentual também é objeto de repasses para fundos e entes públicos. Portanto, nesses Estados, somente cerca de 60% dos emolumentos pertencem, efetivamente, ao oficial, que deverá utilizar essa verba para arcar com todos os custos e riscos de sua atividade.
Essa destinação de parte dos emolumentos só pode ser feita em favor de fundos ou órgãos e entes públicos com vínculo com a atividade notarial e de registro, pois essa destinação consiste em uma taxa proveniente do exercício do poder de polícia sobre as atividades notariais e de registro. Nesse sentido, conforme jurisprudência do STF, baseada nos arts. 5º, caput, 145, II, e 98, § 2º, da CF, é constitucional que esse destaque ocorra em favor do Poder Judiciário, do Ministério Público ou da Defensoria, mas jamais seria admissível que esse repasse ocorresse em favor de entidades privadas – ainda que se trata de conselhos profissionais – pelo fato de esta não exercer poder de polícia algum sobre os serviços notariais e de registro.
Na prática, o lucro líquido percebido pelos oficiais extrajudiciais está entre 20% e 25% do valor total percebido com emolumentos, sem levar em conta o que o oficial ainda terá de pagar a título de Imposto de Renda (que geralmente representa 27,5% da renda) e sem considerar as eventuais indenizações que o oficial tem de pagar no caso de danos causados a terceiros por culpa sua ou de seus prepostos.
O CNJ, por exemplo, divulga o faturamento semestral dos cartórios brasileiros, sem, porém, explicitar as despesas totais. Em uma aproximação, pode-se estimar o lucro líquido em cerca de 20% desse faturamento.
Seja como for, conforme os dados do CNJ, cerca de dois terços das serventias brasileiras têm faturamento inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), o que significa que os seus titulares percebem lucro líquido de cerca de R$ 2.000,00 por mês. É fácil imaginar que essas serventias deficitárias dificilmente conseguem ser providas. Basta recordar que o salário líquido de profissionais do topo das carreiras jurídicas ultrapassa os R$ 20.000,00 (vinte mil reais). E, nesse ponto, vale lembrar que o nível do concurso para seleção dos cartorários possui nível similar a outros concursos de carreiras jurídicas finais, como os certames para juiz de direito, juiz federal, juiz trabalhista, promotor de justiça, procurador da República, delegado de polícia, defensor público e advogados públicos etc.
Como, entre as diversas serventias, há diferença de volume de serviços (uma serventia de capital costuma praticar mais atos do que uma do interior), cada Estado costuma estabelecer formas de garantia de viabilidade financeira de todas as serventias. O modo mais comum é a criação de fundos abastecidos com retenções de parcela dos emolumentos com o objetivo de garantir uma receita mínima para cada serventia e de reembolsar os atos que, por força de lei, devam ser praticados gratuitamente.
Por fim, destaque-se que os emolumentos possuem a natureza jurídica de taxas (espécie de tributo) e, por isso, só podem ser previstas em lei em sentido formal, editada pelo Parlamento estadual, e sujeitam-se a todas as regras próprias do Direito Tributário (como o princípio da anterioridade), de modo que nem mesmo por lei é possível delegar ao Poder Judiciário local a competência para arbitrar os valores dos emolumentos. Nesse sentido, confira-se este julgado do STF:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR: EMOLUMENTOS RELATIVOS AOS ATOS PRATICADOS PELOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. PROVIMENTO Nº 09/97 DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO. 1. Somente mediante lei podem ser fixados emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. 2. Ofende o princípio da reserva legal e invade a competência suplementar conferida à Assembléia Legislativa, o Provimento do Poder Judiciário Estadual que dispõe sobre fixação e cobrança de emolumentos relativos a serviços cartorários. 3. Medida liminar deferida.
(STF, ADI 1709 MC, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1997, DJ 20-02-1998 PP-00013 EMENT VOL-01899-01 PP-00069)
Em suma, “a contratação dos oficiais extrajudiciais” ocorre por meio de concurso público de provas e títulos promovida pelos Tribunais de Justiça de cada Estado e a remuneração deles varia de acordo com cada Estado, visto que as leis estaduais se diversificam quanto ao percentual a ser subtraído dos emolumentos devidos aos oficiais extrajudiciais em proveito de outros órgãos públicos.
Existência de instituições similares no exterior
De um modo geral, os serviços notariais e de registro estão presentes em grande parte dos países do mundo. Não se trata de uma criação brasileira. A propósito disso, citamos estas obras:
(1) sobre o notariado alemão, francês, italiano, português, japonês, chinês, anglo-saxão e de outros países, reportamo-nos à obra “Responsabilidade por Atos Notariais de Registro”, do jurista Hércules Alexandre da Costa Benício;
(2) sobre os sistemas de registro de imóveis francês, alemão, italiano, português e anglo-saxão, aludimos às obras: (2.1.) “Tratado dos Registros Públicos”, de doutrinador Miguel Maria de Serpa Lopes; e (2.2.) “Registro de Imóveis I, Parte Geral”, dos juristas Márcio Guerra Serra e Monete Hipólito Serra.
Nível de complexidade da atividade extrajudicial e de capacidade técnica dos oficiais
A atividade notarial e de registro exige elevadíssima sofisticação profissional e intelectual do oficial. Enquanto alguns atos aparentam simplicidade – como a do reconhecimento de firma ou a da autenticação de cópias -, há inúmeros outros atos de notável complexidade técnica.
Por exemplo, no Cartório de Notas, para lavrar uma escritura pública de compra e venda bipartida com doação de numerário e com cláusula restritiva da propriedade, o tabelião de notas depende de domínio aprofundado de Direito Civil para saber se a vontade das partes realmente está sendo atendida, e de Direito Tributário para saber quais os fatos geradores de tributos envolvidos nesse arranjo contratual.
No Cartório de Imóveis, para praticar atos de registro ou de averbação, o oficial depende de aprofundado conhecimento de Direito Ambiental, de Direito Civil, de Direito Tributário etc. Há inúmeras questões extremamente complexas do ponto de vista jurídico que somente profissionais com elevadíssima capacidade técnica conseguiriam enfrentar adequadamente. Os exemplos são inúmeros, como os casos que envolvem securitização de recebíveis imobiliários, os de tributações em permutas de frações ideais etc.
No Registro Civil de Pessoas Naturais, vários atos existenciais demandam domínio jurídico pleno, como os relativos a parentalidade socioafetiva.
Em poucas palavras, é fundamental que os oficiais extrajudiciais integrem o rol dos mais capacitados juristas, pois sua atividade “não se resume a bater carimbos”. Eles são “profissionais do Direito”, como destaca o art. 3º da lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, e precisam ser dotados de alta capacidade técnica para bem desempenhar as suas funções.
Não é à toa que, no Brasil, entre os oficiais extrajudiciais, há inúmeros doutrinadores, professores e doutores em Direito, como Leonardo Brandelli, Sérgio Jacomino, Frederico Viegas, o saudoso Zeno Veloso etc. Igualmente, vários oficiais extrajudiciais já ocuparam cargos públicos do topo das carreiras jurídicas, como os de magistrados, promotores, membros da Advocacia Pública etc.
A exigência de concurso público de provas e títulos é fundamental nesse contexto, pois, diante da notória dificuldade desses certames, garante-se que, no mínimo, o oficial extrajudicial tenha demonstrado aptidão técnico-intelectual no Direito acima da média.
Cabe um alerta. Os prejuízos para o mercado e para o quotidiano dos indivíduos pela falta de capacidade técnico-intelectual do oficial seriam catastróficos. Os exemplos de problemas são inúmeros. Várias operações financeiras milionárias (como as de emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários na Bolsa de Valores) e inúmeros atos do quotidiano dos indivíduos (como o inventário e partilha extrajudiciais) estão lastreadas em atos praticados pelos oficiais extrajudiciais e implicam ingente complexidade jurídica.
É evidente que nem todos os cartórios lidam rotineiramente com questões jurídicas de alta complexidade. Isso depende do próprio vigor comercial de cada cidade. Dificilmente um cartório de imóveis numa pacata cidade interiorana com dez mil habitantes irá lidar com um registro envolvendo securitização de recebíveis imobiliários, embora possa lidar com questões complexas envolvendo imóveis rurais.
Portanto, a atividade extrajudicial envolve elevadíssima complexidade técnico-jurídica, de maneira que é essencial que os oficiais extrajudiciais tenham capacitação profissional e intelectual própria das carreiras jurídicas finais, como a de magistratura, Ministério Público, procuradorias etc.
Inviabilidade do modelo estatizado no brasil
O modelo estatizado dos serviços notariais e de registro não foi bem-sucedido no Brasil. Além das várias reclamações pela baixa qualidade dos serviços e das morosidades e entraves burocráticos próprios da Administração Pública, o sistema estatizado testemunhava até mesmo práticas de “propinas” para “conseguir” acelerar a prática de atos legais10. Além dos transtornos para a população, a própria conservação dos livros nas serventias estatizadas era precária. Na Bahia, por exemplo, que só recentemente privatizou os cartórios extrajudiciais, há relatos (extraoficiais) de vários novos oficiais acerca da precariedade dos livros e até mesmo do extravio de vários deles. Ouviram-se também relatos de novos oficiais que encontraram vários atos praticados com manifestos erros jurídicos, como a existência de matrículas de escada de uma casa (o que é um erro grosseiro por ofender o princípio da unitariedade matricial).
A propósito da falta de qualidade dos serviços no modelo estatizado de serventias extrajudiciais, Naurican Ludovico Lacerda dá certeira explicação:
No modelo oficializado o tabelião responsável não responde por eventuais danos que o cartório possa causar aos usuários dos serviços. A remuneração do tabelião oficializado não será alterada se ele prestar bom ou mau serviço. Em tese ele pode ser responsabilizado em caso de culpa, mas provar sua culpa pessoal é muito difícil, uma vez que sua função é mais voltada para a coordenação. E se algum outro funcionário agiu com culpa ou dolo, o tabelião que responde pelo cartório não poderá ser responsabilizado. Já na serventia privada, se qualquer funcionário cometer um erro, o tabelião ou oficial é responsabilizado pessoalmente.
O modelo estatizado no Brasil também foi marcado por causar prejuízos orçamentários ao Poder Público, conforme relatou Naurican Ludovico Lacerda:
Atualmente, em cumprimento ao art. 236 da Constituição Federal, não há mais nenhum Estado brasileiro com o regime estatizado para os serviços notariais e de registros. Bahia e Acre foram os últimos Estados brasileiros que mantinham o regime estatizado, mas já se adequaram ao regime privatizado previsto na Constituição.
O modelo privatizado, no entanto, tem demonstrado bons frutos, apesar de haver aspectos a serem objetos de reflexão. Em pesquisa da Datafolha, os correios e os cartórios estão entre as instituições com maior grau de confiança e credibilidade na população, além de cerca de 79% dos cidadãos alegarem ter percebido melhora na qualidade dos serviços cartorários nos últimos anos.
Algumas unidades da Federação, como São Paulo e Distrito Federal, por exemplo, já conseguiram alcançar estágio avançado de virtualização para oferecer serviços on-line aos usuários. Há, porém, muito a avançar dentro do modelo privatizado.
Inconstitucionalidade de repasses de valor dos emolumentos para a união
Seria possível, por norma federal, determinar que parcela dos emolumentos percebidos pelos serviços notariais e de registro sejam revertidos em favor da União?
Entendemos que não, sob pena de inconstitucionalidade formal.
É que a competência legislativa para dispor sobre o valor dos emolumentos é estadual e é de iniciativa exclusiva do Tribunal de Justiça local, de modo que lei federal somente pode estabelecer regras gerais nessa matéria. Os emolumentos cobrados pelos cartórios extrajudiciais seguem o mesmo regime das custas cobradas pelo Judiciário local. Trata-se de uma decorrência dos arts. 96, II, “b”, e 236, § 2º, da Constituição Federal.
Permitir que lei federal subtraia parcela dos emolumentos devidos aos oficiais extrajudiciais seria permitir que a lei federal ocasionasse aumento do valor dos emolumentos ou desequilibrasse a saúde financeira das serventias, pois é o legislador estadual que, atendendo às particularidades financeiras da sua região, emite o juízo acerca do valor justo e viável para os emolumentos.
Continuaremos na próxima semana na Coluna Migalhas Notariais e Registrais. Não perca.