Alguns detalhes devem ser ajustados para que o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), que será implementado e operado pelo ONR, esteja em consonância com a LGPD
 
A partir da lei 13.465, de 7 de junho de 2017, pretende-se oferecer uma resposta ao clamor pela eficiência e maior segurança dos serviços de registros e notas, notadamente quanto aos procedimentos da Reurb. Assim, o art. 76 da lei 13.465 cria o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), que será implementado e operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR). 
 
É certo que os serviços extrajudiciais de notas e de registros devem observar os princípios elencados na legislação específica, com destaque para os princípios da segurança e eficácia, mencionados tanto no art. 1º da Lei de Registros Públicos, quanto no art. 1º da lei 8.935, de 18 de novembro de 1994.
 
No entanto, a LGPD menciona expressamente nos §4º e §5º do art. 23 sua incidência nos serviços notariais e de registro. A LGPD, por sua vez, traz como princípios para a proteção de dados pessoais, além da boa-fé objetiva: a finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas (art. 6º).
 
A nosso ver, os três primeiros princípios (finalidade, adequação e necessidade) são já respeitados pelos serviços extrajudiciais de notas e de registros, na medida em que a prudência do Registrador e do Notário impõe a estrita observância dos preceitos legais (princípio da legalidade). Quanto ao princípio do livre acesso, discussão para uma outra oportunidade, não pode ser confundido com a certidão prevista no art. 17 da Lei de Registros Públicos, pois esta é revestida de fé pública e é realizada mediante o pagamento dos emolumentos (como previsto inclusive no item 143 do Cap. XIII das Normas de Serviços Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça do TJ/SP). Todavia, o titular de dados tem direito de obter informações sobre o fluxo de suas informações pessoais de maneira facilitada e gratuita (itens 141 e 142 do Cap. XIII das Normas de Serviços Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça do TJ/SP). Quanto à qualidade dos dados, não se pode utilizar tal princípio a fim de burlar o sistema de retificação do registro que foi estruturado para manter a higidez do sistema registral, destacado no item 146 do Cap. XIII das Normas de Serviços Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça do TJ/SP. Os princípios da transparência, da segurança, da prevenção e da não discriminação são inerentes à atividade notarial e registral por sua própria natureza. Por fim, o princípio da responsabilização e prestação de contas impõe ao Registrador e ao Notário demonstrarem a adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar o cumprimento da LGPD.
 
Neste sentido, deve-se conciliar os princípios previstos na LGPD com os princípios assegurados na Lei de Registros Públicos e os previstos na Lei dos Notários e Registradores, bem como outros em legislação específica e nas normas de serviços extrajudiciais das Corregedorias de Justiça dos Tribunais de Justiça. O que nos parece não haver nenhum óbice, observadas as peculiaridades dos serviços extrajudiciais. 
 
Um aspecto importante é que os serviços extrajudiciais de notas e de registros foram equiparados ao Poder Público, consoante o capítulo IV da LGPD que disciplina algumas regras específicas sobre o tratamento de dados realizados pelas pessoas jurídicas de direito público. 
 
É cediço que os cartórios não têm personalidade jurídica, pois o titular da delegação exerce pessoalmente as atribuições legais, constituindo uma delegação sui generis. Contudo, os serviços de notas e de registros foram equiparados ao Poder Público para fins de aplicação da LGPD. Portanto, qualquer tratamento de dados realizado deve atender “sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público” (caput do art. 23 da LGPD). 
 
Assim, inquestionável a finalidade pública e o interesse público do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI). No entanto, tais atividades envolvem um intenso compartilhamento de dados pessoais entre as serventias extrajudiciais e o Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), que será organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos nos termos do § 2º do art. 76 da lei 13.465/17. Note-se, porém, que o § 1º do art. 26 da LGPD proíbe o compartilhamento de dados pessoais pelo Poder Público com entidades privadas a menos que seja respaldado em contratos, convênios ou instrumentos congêneres que deverão ser comunicados à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) conforme disposto no §2º do art. 26 da LGPD. 
 
Em suma, alguns detalhes devem ser ajustados para que o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), que será implementado e operado pelo ONR, esteja em consonância com a LGPD. 
 
Estes e outros temas serão debatidos no Curso sobre Indisponibilidade de Bens, que será realizado nos dias 4, 5, 6, 7, 13, 14,18, 19, 20, 21, 25 e 26 de outubro de 2021, das 19 horas às 21 horas, coordenado pelo Prof. Dr. Celso Fernandes Campilongo (USP), Prof. Dr. Sérgio Jacomino (NEAR-lab) e Profa. Dra. Rachel Letícia Curcio Ximenes de Lima Almeida (OAB/SP).
 
As inscrições poderão ser feitas no site da Fundação Arcadas.