Até se converterem em pensão e renda em favor do beneficiário, valores aportados em planos de previdência privada aberta possuem natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha. A comunicabilidade desses bens não depende do desvirtuamento do plano previdenciário pelo titular.
 
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou a própria jurisprudência recente e rechaçou a adoção de uma nova linha interpretativa que poderia mitigar a tese de aplicação geral, deixando a definição do tema a partir da existência de má-fé em cada caso concreto.
 
O recurso trata de um casal que morreu em acidente de avião em 2016, cujos dois filhos também foram vítimas do desastre. O pai tinha em seu nome três contas de Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL), no valor aproximado de R$ 21 milhões.
 
O PGBL é uma das modalidades de planos previdenciários privados nos quais o segurado deposita verba e, no futuro, recebe pagamento para complementação de seu sustento. No caso dos autos, o plano estava na fase de acumulação. Ou seja, não havia, ainda, sido convertido em pensão.
 
Com o falecimento da família, os bens do casal foram herdados pelos seus ascedentes: a genitora do homem e os dois genitores da mulher. A 3ª Turma precisou definir se os R$ 21 milhões entrariam na partilha ou se, então, ficariam apenas para a genitora do titular das contas de PGBL.
 
É investimento
 
Desde setembro de 2020, a 3ª Turma entende que os valores aportados em planos de previdência privada aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possuem natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha. A posição foi firmada no REsp 1.698.774 e reafirmada recentemente no REsp 1.880.056.
 
Planos de previdência privada aberta, como o PGBL, têm a característica de serem uma espécie de regime de capitalização, operado por seguradoras autorizadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).
 
Por serem contratáveis por qualquer pessoa, eles diferem dos planos de previdência fechada que só podem ser usados por trabalhadores vinculados a determinada organização — nesses casos, a jurisprudência do STJ indica que os valores depositados não entram na partilha.
 
Em planos como o PGBL, o investidor escolhe com ampla liberdade e flexibilidade contribuição, depósitos, resgates e parcelas recebidas até o fim da vida. Como é passível, inclusive, de livre resgate, a 3ª Turma entende que têm natureza de investimento ou de aplicação financeira.
 
Assim, esses valores só deixam de integrar a partilha de bens quando se tornam pensão. É quando passa a incidir o inciso VII do artigo 1.659 do Código Civil, segundo o qual não devem ser incluídos na comunhão de bens “as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes”.
 
Segundas intenções
 
Em voto divergente, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva propôs uma nova abordagem. Para ele, não se pode reputar como simples investimento financeiro todo e qualquer plano de previdência privada aberta que se encontre em fase de acumulação de recursos.
 
Assim, os R$ 21 milhões nas contas de PGBL não perdem a natureza previdenciária só porque há o potencial resgate das contribuições a curto prazo. A ideia é que o desvirtuamento da finalidade social do contrato seja auferido caso a caso.
 
Ou seja, somente se o PGBL for usado para fins como investimentos, blindagem contra credores, diminuição da legítima de herdeiros ou ocultação de bens do cônjuge é que deveria ser incluído na partilha. “É certo que o desvirtuamento do PGBL ou do VGBL deve ser evitado, mas também é cediço que a má-fé deve ser comprovada”, disse.
 
Ao analisar o caso dos autos, concluiu que os valores das contas de PGBL eram acumulados pelo homem de longa data e visavam complementar sua eventual aposentadoria. Como ele possuía diversos outros investimentos, não é possível concluir que o objetivo era sonegar bens à esposa ou meramente multiplicar recursos.
 
“Em outras palavras, os valores vertidos eram de caráter pessoal e não integraram o patrimônio comum do casal, permanecendo na esfera dos bens particulares de cada cônjuge, não devendo, pois, ser colacionados nos autos do inventário”, resumiu.
 
Prova diabólica
 
A divergência do ministro Cueva foi acompanhada pelo ministro Moura Ribeiro. A maioria foi formada em torno do voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. Ela reafirmou a jurisprudência da 3ª Turma, acompanhada pelos ministros Marco Aurélio Bellizze e Paulo de Tarso Sanseverino.
 
Em aditamento ao voto, a relatora exigir do ex-cônjuge não-titular da previdência privada a obrigação de comprovar a má-fé na aplicação de recursos no PGBL constituiria quase uma “prova diabólica”, medida vedada no Direito Civil brasileiro.
 
“Não é um assunto que transcenda a estrita intimidade do casal e que, quando muito, é confidenciado a pessoas que, no processo, não poderão testemunhar por impedimento ou suspeição”, afirmou.
 
No caso dos autos, caberia aos pais da mulher comprovar que as ações do falecido genro tiveram o intuito de dilapidar o patrimônio do casal em seu próprio favor antes de serem vitimados pelo acidente aéreo. “Seria praticamente impossível”, opinou.
 
Para a advogada Luanna Perdiz de Jesuz, do Perdiz de Jesus Advogados, a decisão buscou preservar o regime de bens do casamento, em que se presume que os esforços para constituição daquele patrimônio na fase de alocação dos recursos a título de previdência privada complementar aberta foram comuns ao casal.
 
“Assim, deve-se evitar que ocorram distorções na meação dos cônjuges ou na legítima dos herdeiros, não se aplicando a regra do artigo 1.659, inciso VII do Código Civil”, comentou.
 
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REsp 1.726.577