A violência de gênero tem atingido as mulheres ao longo da história. Trata-se daquela violência que faz da mulher vítima exatamente porque é mulher e pode ser de vários tipos. A mais óbvia é a física, como lesões corporais e feminicídio. A sexual também pode deixar vestígios, sendo o estupro o exemplo mais grave. Há também as violências psicológica, moral e patrimonial, sendo esta última a menos falada.
 
Vejamos como a modalidade patrimonial é definida na Lei Maria da Penha: “Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” (artigo 7º, IV).
 
Essa transgressão ocorre quando se nega à mulher acesso a bens e direitos que são dela, sejam exclusivos ou em comunhão. É uma forma de dominação em que o abusador subjuga a vítima, empurrando-a para dificuldades, reforçando a dependência dela em relação a ele.
 
A violência patrimonial, também chamada de financeira, se materializa através de várias ações. Por exemplo: apoderar-se do cartão bancário dela, vender bens comuns sem dar a parte que cabe a ela, contrair dívidas em nome dela, apropriar-se do imóvel que seria do casal e destruir celular, roupas ou outros objetos.
 
Pesquisa realizada no estado do Rio de Janeiro, tendo como base o ano de 2018, publicada no “Dossiê Mulher 2019”, apresenta os números apurados com relação a algumas dessas ocorrências. Na verdade, das que são reportadas, pois muitas vítimas acabam não procurando a polícia. Foram 2.743 mulheres vítimas de crime de dano, 2.223 tiveram seu domicílio violado e 364 tiveram algum documento suprimido, destruído ou ocultado. Quanto aos autores dessas infrações penais, o principal grupo, respondendo por 41,9%, era o dos companheiros (atuais e ex).
 
A violência patrimonial é uma tormenta na vida de muitas mulheres. A jornalista Clara Velasco, em matéria publicada no portal G1, entrevistou uma dessas vítimas, que disse: “Eu via meus filhos passando necessidade, então tomei a atitude de arranjar um emprego em São Paulo, no Itaim. Quando consegui uma entrevista pra fazer faxina, ele quebrou meu celular e trocou o cadeado de casa pra não me deixar entrar”. Aqui temos duas violências patrimoniais: celular destruído e proibição de entrar no lar.
 
Artigo sobre o tema, de título “O fenômeno da violência patrimonial contra a mulher: percepções das vítimas”, traz o seguinte depoimento: “Ele quis que eu saísse da minha casa pra colocar a 'outra' pra morar na minha casa. Eu não aceitei aí deu confusão ele me tirou à força da minha casa que eu ajudei a construir”. Nesse relato, a mulher foi retirada do lar conjugal contra a sua vontade, o que configura crime de constrangimento ilegal. Afinal, o afastamento de um dos cônjuges do lar só pode se dar de forma voluntária ou por ordem judicial. A hipótese caracteriza violência patrimonial, pois ficou alijada de usufruir de um bem que também era seu. 
 
Outro tipo de violência financeira e que costuma se repetir com frequência é a negativa de alimentos para a ex-mulher ou para os filhos sob sua guarda.
 
Quando era juiz da 1ª Vara de Família de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, em 2001, conduzi uma audiência para tentar conciliação em uma situação em que o alimentante não estava prestando os alimentos aos filhos. A ex-mulher e representante legal dos menores reclamava que o ex-marido tinha condições de pagar e não o fazia com o propósito deliberado de deixar aquele núcleo familiar em dificuldade. O alimentante, de início, negou aquela acusação, mas, na medida em que a conversa avançou, admitiu que não estava pagando os alimentos porque a ex-mulher “estava de namorado” e que ele não iria ficar dando dinheiro para bancar o “Ricardão”. A mulher ficou furiosa, tendo replicado que ele já tinha outro relacionamento, além do que os alimentos não seriam para ela, mas para os filhos, e que o objetivo dele era se manter no controle.
 
De fato, aquele homem queria controlar a vida emocional da ex-mulher e também manter aquele núcleo sob seu jugo, asfixiando-o financeiramente, pois, embora os alimentos fossem para os filhos, a inadimplência atingia indiretamente a ex-mulher. Foi feito acordo na execução de alimentos e os atrasados foram pagos.
 
Impedir que a mulher estude ou trabalhe é outra forma de subjugação patrimonial, pois é um obstáculo para que ela alcance autonomia financeira.
 
A violência patrimonial costuma ocorrer nas sombras, é praticamente invisível. É como um garrote que vai sendo gradativamente apertado no pescoço da vítima. Portanto, é essencial que a mulher exposta a essa situação consiga se dar conta do que está acontecendo e aja o quanto antes. 
 
A independência financeira é caminho importante para a redução das violências às quais está exposta. Quanto mais independente for a mulher, menor o controle dele sobre ela. Logo, maior o controle dela sobre sua própria vida.
 
Entretanto, não há garantia nem mesmo para a mulher financeiramente autossuficiente de que não será vítima, seja de violência patrimonial ou qualquer outro tipo. Por isso, diante dos primeiros sinais de abuso, deve procurar assistência jurídica de advogado ou defensor público, ou então se dirigir a instituições como Ministério Público e Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ONGs dedicadas ao assunto, além da Central de Atendimento à Mulher (Disque 180).
 
Estejamos sempre atentos à violência, inclusive para suas formas mais sutis, como tantas vezes é o caso da opressão financeira. Ao percebê-la, a vítima deve buscar ajuda imediatamente, pondo fim ao abuso e evitando sua repetição.