As plataformas digitais têm um papel importante no desenvolvimento de crianças e adolescentes, oferecendo um espaço para interação social, educação, lazer e envolvimento político e cultural.

 

De acordo com estudos da Ofcom1, cerca de 96% das crianças e adolescentes entre 3 a 17 anos estavam conectadas à internet em 2023. Ainda conforme o relatório, 51% das crianças entre 3 a 12 anos fizeram uso de alguma rede social, apesar das restrições de idade para menores de 13 anos.

 

Nos dias atuais, o ambiente digital adquiriu muita importância para as crianças. Considerando isso, algumas plataformas digitais se adaptam ou desenvolvem métodos para mitigar os riscos aos quais as crianças podem ser expostas, como a questão envolvendo a verificação etária.

 

Diante disso, surge a preocupação em garantir que o ambiente online seja seguro e apropriado para a sua faixa etária. Nesse contexto, a verificação etária revela-se como um dos recursos existentes para a promoção da segurança digital.

 

A verificação etária, ou verificação de idade, é um dos vários métodos que fazem parte do conceito amplo da garantia de idade ou “age assurance” em inglês. A garantia de idade (age assurance) é o gênero que abrange várias técnicas usadas para determinar ou confirmar a idade dos usuários.3

 

De acordo com a Comissão Europeia, as técnicas de garantia de idade são divididas em:

 

  • Estimativa de idade;
  • Verificação etária;
  • Autodeclaração.

 

A estimativa de idade usa técnicas para determinar com extrema precisão a idade de alguém.

 

Por outro lado, a verificação etária usa técnicas para verificar se o usuário está acima ou abaixo de uma determinada idade, mas não tem a pretensão de descobrir sua idade exata. Já a autodeclaração demanda que o próprio usuário declare sua idade.

 

A Fundação 5Rights reconhece que “a garantia de idade não é uma solução milagrosa para manter as crianças seguras online”4, mas pode ser muito eficiente quando combinada com uma estratégia mais ampla de proteção.

 

A maioria dos países não conta com legislações ou documentos que detalhem aspectos sobre a verificação de idade. Na ausência de padrões, proliferam-se variados métodos de verificação, que podem ser usados de maneira isolada ou combinados entre si.5

 

O método mais utilizado de garantia de idade é a autodeclaração. Ele consiste na declaração voluntária do usuário, que irá declarar sua idade ou confirmar que possui idade superior à pré-determinada pela plataforma digital.

 

Apesar da popularidade, esta técnica possui segurança e precisão limitadas, pois depende da sinceridade do usuário.

 

Para além da autodeclaração, o método da verificação de idade pode adotar técnicas mais precisas, como por meio de identificadores físicos.

 

Nesse caso, os usuários fornecem documentos de identidade oficiais, como passaporte, RG, CPF e outros emitidos pelo governo. Em alguns casos o identificador físico também pode ser um cartão de crédito para confirmar a maioridade.

 

O fornecimento dos documentos pode ser feito por meio de: a) digitalização dos documentos pelo próprio usuário ou, b) parcerias entre as plataformas digitais e o governo, que as permitam acessar a base de dados eletrônica.

 

De acordo com a UNICEF7, o método de verificação de idade baseado em dados oficiais é altamente preciso, mas tem suas limitações. Depender exclusivamente de documentos oficiais excluiria “cerca de 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo que não tem nenhuma forma de identificação oficial”.

 

No Brasil, o número de crianças com até 5 anos de idade prejudicadas pela ausência do registro civil ultrapassa 87 mil. O problema afeta desproporcionalmente os povos indígenas: Nesse segmento populacional, mais de 10 mil crianças não contam com identificação oficial.

 

Além disso, o acesso aos bancos de dados oficiais por empresas privadas traz preocupações de impactos pela coleta massiva de dados, em especial com a questão da privacidade. Isso porque os documentos oficiais contêm outros dados pessoais além da idade do usuário, incluindo dados sensíveis como raça e sexo.

 

Devido a tais riscos, a Fundação 5Rights afirma que essa verificação de idade deve ser usada apenas em “serviços restritos a usuários com mais de 18 anos, o que coloca ênfase em provar que são adultos”.4

 

Outro método de verificação de idade trata-se da análise facial. De acordo com a União Europeia8, o usuário compartilha uma imagem estática ou um vídeo ao vivo para que a IA faça uma estimativa de idade.

 

Contudo, é popularmente sabido que a IA pode causar discriminações, havendo um longo histórico de falhas no reconhecimento de características de pessoas com pele muito clara ou escura.9

 

Além disso, pesquisas do NIST10 descobriram que a IA encontra desafios para analisar as crianças, pois elas podem aparentar ser mais novas ou mais velhas do que realmente são, devido à puberdade.

 

A análise facial para verificação de idade também traz perigos para a privacidade das crianças. De acordo com a UNICEF7, os dados faciais contêm características únicas que podem ser usadas para rastreamento e criação de perfis de crianças.

 

Outra técnica de verificação de idade é a criação e análise do perfil comportamental. De acordo com o roteiro para verificação de idade da eSafety11, a criação do perfil é feita por meio da coleta de dados ou por deduções das interações do usuário.

 

A criação do perfil por inferência coleta uma variedade de dados deixados pela pegada digital ou trilha digital do usuário. Isso pode incluir dados como localização, histórico de navegação, tempo diário de utilização, horários de acesso e até por onde o cursor do mouse passa.

 

Apesar da precisão desse método, a criação de perfis precisa de uma grande quantidade de dados. Por isso, há riscos de coleta massiva de dados e de desvio de finalidade, principalmente para fins publicitários.

 

Por isso, as políticas de privacidade e os termos de uso das plataformas têm um papel importante. O ICO, em seu Código de Design Apropriado para a Idade12, reconhece que “é particularmente importante ser claro sobre os propósitos para os quais seu serviço usa dados pessoais para criar perfis”.

 

A maioria das técnicas de verificação de idade que estão surgindo carregam consigo benefícios e incertezas. Logo, é preciso encontrar um equilíbrio entre as vantagens e os riscos dos métodos de garantia de idade. De acordo com a Fundação 5Rights, muitas das técnicas de garantia de idade “têm um grande potencial, mas todas são prejudicadas pela falta de definições comuns”.

 

Logo, as ferramentas de verificação de idade devem ser adaptáveis e contextualizadas conforme os riscos de cada serviço e os estágios de desenvolvimento das crianças e adolescentes.

 

Ora, os riscos para uma criança que acesse aplicativos de relacionamento não são os mesmos de acessar sites de comércio eletrônico. Cada serviço oferece um risco que demanda uma técnica contextualizada de verificação de idade.

 

Essas técnicas devem ser flexíveis e reconhecer o que a UNCRC – Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança chama de “capacidades em evolução da criança”.13

 

Nesse sentido, é essencial adaptar as ferramentas de verificação de idade aos graus de desenvolvimento da criança e do adolescente. Logo, enquanto a infância demanda medidas de acompanhamento parental mais robustas, a adolescência exige uma maior liberdade.

 

Ou seja, reconhecer que “à medida que as crianças crescem e se desenvolvem, suas capacidades evoluem, e os pais devem ajustar sua direção e orientação para permitir que seus filhos exerçam cada vez mais agência sobre suas vidas”.14

 

Em suma, mostra-se necessária a adoção de padrões para o desenvolvimento de técnicas de verificação de idade, orientados para o melhor interesse da criança, mas é preciso que haja maior estudo e desenvolvimento de técnicas e mecanismos para a sua efetivação. É salutar que a verificação de idade seja feita de forma contextualizada e adaptável a cada modalidade de tecnologia e iteração.

 

Cada vez mais o tema é discutido e vem gerando soluções e indicações de modo de tratamento de verificação de idade. Um exemplo são os os princípios e diretrizes adotados pela Cúpula Global de Padrões de Garantia de Idade em 2024. A Cúpula estabelece que os sistemas de garantia de idade devem observar os princípios da minimização de dados, da cooperação e da participação, entre outros.15

 

É do melhor interesse das crianças aproveitar os benefícios do mundo online com segurança. Portanto, as técnicas de verificação de idade podem ser grandes aliadas, desde que desenvolvidas e aplicadas de acordo com padrões de privacidade e segurança.

 

A garantia de um ambiente digital seguro e apropriado para crianças e adolescentes exige a implementação de diretrizes padronizadas e claras para a verificação de idade. A parametrização deve ser fundamentada em princípios basilares, como o direito fundamental à proteção e à privacidade definidos na Convenção sobre os Direitos da Criança.

 

A implementação de padrões permitirá que o cenário evolua para métodos de verificação de idade confiáveis e eficazes, alinhados com as melhores práticas internacionais. A colaboração contínua rumo a este cenário mostra um futuro promissor. A padronização garantirá a segurança jurídica necessária para que os agentes reguladores promovam um ambiente digital seguro sem abdicar da competitividade e inovação inerentes ao setor da tecnologia.

 

Os esforços rumo à construção de técnicas de verificação de idade estão avançando rapidamente. Os debates e pesquisas sobre o tema são um passo fundamental para garantir que as crianças tenham uma experiência digital efetiva e segura. No entanto, a implementação desses mecanismos demanda tempo e esforços contínuos da sociedade. É essencial a colaboração e a participação das partes interessadas, incluindo desenvolvedores de tecnologia, legisladores, pais ou responsáveis, academia, sociedade civil e outros, para que seja possível criar soluções conjuntas robustas que equilibrem o acesso com a segurança no ambiente digital.

 

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1 OFCOM. Children and Parents: Media Use and Attitudes Report. 2024. Disponível aqui. Acesso em: 08 ago. 2024.

 

2

 

3 RAIZ SHAFFIQUE, Mohammed et al. Mapping age assurance typologies and requirements: Research report: executive summary. 2024.

 

4 5RIGHTS FOUNDATION. But how do they know it is a child? Age Assurance in the Digital World. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 08 ago. 2024.

 

5 DIGITAL TRUST & SAFETY PARTNERSHIP. Age Assurance: Guiding Principles and Best Practices. 2023. Disponível aqui. Acesso em: 08 ago. 2024.

 

6

 

7 UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND (UNICEF). Digital Age Assurance Tools and Children’s Rights Online across the Globe: A Discussion Paper. 2021.

 

8 euCONSENT. Electronic Identification and Trust Services for Children in Europe: D2.2 EU Methods for AVMSD and GDPR Compliance Report. 2022. Disponível aqui. Acesso em: 09 ago. 2024.

 

9 BBC. Passport facial recognition checks fail to work with dark skin. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 09 ago. 2024.

 

10 HARWELL, Drew. A booming industry of AI age scanners, aimed at children’s faces. THE WASHINGTON POST. 2024. Disponível aqui. Acesso em: 09 ago. 2024.

 

11 ESAFETY COMMISSIONER. Roadmap for age verification and complementary measures to prevent and mitigate harms to children from online pornography. 2023. Disponível aqui. Acesso em: 10 ago. 2024.

 

12 INFORMATION COMMISSIONER’S OFFICE (ICO). Age appropriate design: a code of practice for online services. Disponível aqui. Acesso em: 10 ago. 2024.

 

13 UNICEF. UN Convention on the Rights of the Child (UNCRC). 1989. Disponível aqui. Acesso em: 12 ago. 2024.

 

14 VARADAN, Sheila. The Principle of Evolving Capacities under the UN Convention on the Rights of the Child. The International Journal of Children’s Rights, v. 27, n. 2, p. 306-338, 2019.

 

15 AGE CHECK CERTIFICATION SCHEME. Global Age Assurance Standards Summit 2024. Manchester/UK, 2024. SafeOnline. Disponível aqui. Acesso em: 12 ago. 2024.

 

Fonte: Migalhas

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