Historicamente, a responsabilidade civil esteve ligada à noção de culpa, exigindo que a vítima provasse a falha do causador do dano. Essa prova era difícil, especialmente em casos cuja apuração (prova técnica) dependesse de dados ou registros que geralmente não estavam em poder da vítima ou cujo acesso era difícil ou impossível (“prova diabólica”).

 

Em muitos casos, o nexo entre o fato e o dano dependia de prova a respeito da conduta do responsável ou do ofensor, que não cooperava na produção da prova porque nenhuma consequência lhe era imposta ao deixar de carrear prova aos autos ou de colaborar para a sua realização e durante a sua produção, escudado pela regra geral de que cabe ao autor comprovar as suas alegações e ao réu incumbe a demonstração dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do alegado direito do autor.

 

Com o tempo, a noção de ilícito na responsabilidade civil subjetiva foi tomando corpo, evoluindo para uma perspectiva objetiva que hoje é presente em grande parcela dos casos de ações indenizatórias sub judice.

 

A constatação do declínio da culpa na responsabilidade civil lança maior protagonismo à causa do evento lesivo, espaço no qual o nexo entre conduta e dano é crucial para atribuir responsabilidade (subjetiva ou objetiva), para definir os contornos da obrigação de indenizar e para estabelecer a imputabilidade.

 

Ao Direito compete traçar os critérios de seleção da causa juridicamente qualificada para determinar a responsabilidade, que também serve para fixar as consequências danosas que devem ser indenizadas (compensadas ou reparadas) e quem deve ser responsabilizado. A tarefa é complexa, especialmente em casos de concurso de causas, causalidade indireta, presunção ou probabilidade, dano por ricochete e perda da chance.

 

Sabe-se que o nexo causal é um vínculo entre um evento e um resultado, a ligar conduta e dano, ambos juridicamente qualificados. Ele responde às perguntas Por quê? e Quem?, estabelecendo a causa e o responsável.

 

A certeza ou suficiência da causa para ser juridicamente qualificada constitui um desafio à responsabilidade civil, e diferentes teorias foram doutrinariamente construídas para tentar solucionar o desafio.

 

A teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non) considera todas as condições antecedentes ao dano como possíveis causas, mas é criticada por sua amplitude excessiva1.

 

A teoria da causalidade próxima considera o último evento determinante como suficiente para estabelecer o nexo causal (art. 403 do CC). Contudo, nem sempre a última ocorrência é determinante e nem sempre danos indiretos podem ser excluídos do âmbito da responsabilidade civil2.

 

A teoria da causalidade eficiente identifica condições aptas à produção do dano, estabelecendo a mais determinante como causa3.

 

A teoria da causalidade adequada, por fim, requer apreciação abstrata das circunstâncias, verificando se há relação de causa e efeito em casos semelhantes ou se decorre de  situações especiais4.

 

A resposta ao questionamento da causa envolve prognose ulterior e diz respeito ao curso previsível dos acontecimentos “com veste jurídica”, podendo-se perguntar qual será a consequência esperada do ato ou acontecimento x, em seu curso normal e se o resultado teria ocorrido mesmo sem que adviesse o ato ou o acontecimento x5.

 

Na jurisprudência, não há consenso sobre a teoria do nexo causal que deva incidir. Diversos julgados mencionam as teorias do dano direto e imediato e da causalidade adequada, sem critérios objetivos definidos ou suficiente uniformidade de requisitos aptos à determinação da causa jurídica de um dano.

 

A tendência do STJ é determinar o nexo causal segundo critérios de causalidade adequada, buscando verificar se o evento indicado como vinculado ao dano efetivamente é direto, imediato e eficiente6, não instituindo responsabilidades quando houver causas excludentes do nexo causal, tais como a conduta exclusiva da vítima ou de terceiro, o caso fortuito ou a força maior7.

 

A causalidade jurídica depende da seleção das consequências indenizáveis, podendo ser utilizado um critério trifásico de aferição. Inicialmente, apura-se de modo abstrato o curso dos acontecimentos até o dano, conforme um padrão médio admissível de conduta, sob a perspectiva de um “observador experiente”8, atentando-se ao desencadear ordinário (razoavelmente esperado) dos fatos, mantendo-se as condições juridicamente qualificadas e extraindo-se aquelas desprovidas de veste jurídica, pois “a repetição, previsibilidade e probabilidade conferem credibilidade ao processo causal”9.

 

O “observador experiente” permite um raciocínio distanciado e sensato, evitando distorções de premissas equivocadas. Conforme a regra do art. 375 do CPC, para esse fim, o julgador deve adotar regras de experiência comum e técnicas na coleta e na análise das provas.

 

Na segunda fase, recapitula-se o evento ou eventos que causaram o dano. Na terceira fase, transpõem-se os elementos das fases anteriores para identificar tanto os componentes causais comuns quanto os distintivos, determinando os que são decisivos e os que podem excluir a responsabilidade.

 

Verificar-se-á igualmente se a responsabilidade é atribuída ao causador direto do dano ou a um terceiro responsável (como o empregador pelo ato do empregado), total ou parcialmente, se o critério de imputação é objetivo ou subjetivo10, se incide sobre alguém por determinação legal ou negocial (como a responsabilidade do financiador por danos ambientais causados durante a execução ou em razão de uma obra financiada11).

 

Ao determinar um fato como causa adequada de um dano, o responsável terá o ônus de provar que o dano está fora do “âmbito de proteção da norma” ou que resultou de um evento “novo e independente”, excluindo a relação de causalidade anterior12. Exemplos incluem a conduta de terceiros, da própria vítima ou casos fortuitos (na responsabilidade objetiva, apenas fortuitos externos).

 

Após definir a causa e a imputação, a última etapa é delimitar o dano juridicamente qualificado a ser indenizado.

 

No entanto, essa “equação” não resolve todos os desafios da causalidade, pois nenhuma fórmula pode fornecer uma solução universal para questões complexas, como concausas ou hipóteses nas quais o nexo causal não seja irrefutável, apesar da probabilidade de que um dano decorra de uma conduta ou evento específico.

 

A conhecida “flexibilização do nexo causal” é um prolongamento da causalidade jurídica, aplicável a danos por ricochete, perda de uma chance, responsabilidade de terceiros ou danos com causa imprecisa, devido à impossibilidade de confirmação absoluta dos elementos envolvidos na verificação precisa da causa.

 

Outro entrave é que nenhum resultado é satisfatório sem considerar a prova do nexo causal, com as suas referidas e conhecidas vicissitudes. Desafios incluem eventos que rompem a cadeia causal, concorrência de causas ou causas difíceis de identificar, como desastres ambientais, agravamento de danos por exposição prolongada de trabalhador a agentes danosos em diferentes vínculos empregatícios, e dificuldade de identificar fornecedores de produtos de consumo prolongado, como no caso de fumantes diagnosticados com câncer após consumirem cigarros de diferentes fabricantes13.

 

Para romper o nexo causal, a causa prevalente deve suprimir a causa anterior e sustentar o novo liame entre fato e dano. Na concausa concomitante ou posterior, sem modificar o dano, há solidariedade entre os concausadores (art. 942, parágrafo único do CC)14. Se elevar o dano, o concausador responde solidariamente pelo dano, assim como o seu acréscimo. Com conduta concorrente da vítima, a responsabilidade considera a gravidade da conduta comparada à do autor do dano (art. 945 do CC).

 

Se várias causas forem determinantes para o dano (produzido em razão do concurso), cada uma pode ser considerada causa do dano, atraindo solidariedade entre os concausadores. Se cada causa isolada não produziria o mesmo dano, aplica-se a regra do art. 942, parágrafo único do CC, com responsabilidade integral dos concausadores e possibilidade de ação regressiva para dividir o resultado econômico da obrigação, conforme a participação de cada um15.

 

Em situações de causalidade incerta, na qual múltiplos fatores podem ter contribuído para um dano, é adequado que o agente responda proporcionalmente à probabilidade de sua atuação ter sido a causa ou que esteja sob a sua responsabilidade por determinação legal. A doutrina sugere aplicar o critério probabilístico para estabelecer o nexo causal em casos em que não há certeza científica absoluta acerca da causa jurídica do dano.

 

Assim, um evento pode ser atribuído ao agente apenas quando a existência do nexo de condicionamento atinge um elevado grau de confirmação ou de credibilidade. Este requisito é satisfeito se o julgador, com base em evidências e dados estatísticos, considerar improvável que o evento tenha ocorrido devido a outros processos causais16.

 

Não há uma definição percentual para a probabilidade de um resultado específico. A teoria do “mais provável que não” 17 sugere que, em casos de difícil verificação da causa, deve prevalecer o que for mais provável, desde que normalmente decorra de um ato ou evento específico, exceto se houver um fato relevante que o secundarize (teoria do novus actus interveniens).

 

Essas linhas preliminares têm como objetivo oferecer uma proposta de aferição de nexo causal, que é um tema que segue atual, intrincado e absolutamente relevante, bem como tenciona servir como um convite aos que desejam explorar os seus contornos em suas complexas nuances, implicações e aplicações. A análise detalhada dos casos concretos e a proposta de modelo de aferição exposta podem servir para iniciar um debate necessário e sobre o qual persiste um amplo espaço de contribuição à responsabilidade civil, que demanda premente aperfeiçoamento.

 

___________

 

1 Há interessante caso julgado pelo STJ, no qual expressamente a teoria da equivalência das causas antecedentes foi rejeitada, conforme demonstra a sua ementa: “Civil e processual. Acórdão estadual. Nulidade não configurada. Ação ordinária de responsabilidade civil. Quebra de sigilo bancário. Informação dada a terceiro sobre saldo de correntista por preposto do banco. Dívida cobrada pelo credor, que culminou em assassinato do devedor. Atribuição de nexo causal, pela instância ordinária, ao banco. Pedido de suspensão do feito cível, para aguardar desfecho da ação penal corretamente indeferido. Inexistência de responsabilidade do réu pelo crime. Reconhecimento, contudo, de dano moral pela revelação de informação financeira reservada. Indenização proporcionalizada. Pensionamento excluído. (…) II. Descabimento do pedido de suspensão do andamento da ação civil para se aguardar o desfecho da penal, porquanto a responsabilidade atribuída à ré na primeira é inteiramente dissociada da tese de ocorrência ou não de legítima defesa na órbita criminal. III. A responsabilidade civil decorre do concreto e efetivo nexo causal entre o ato e o evento danoso, não colhendo procedência o entendimento sufragado pelo Tribunal estadual, com apoio em discutível teoria da equivalência das causas antecedentes, no sentido de que o banco é culpado pela morte do esposo e pai dos autores, assassinado por credor que, obtendo de gerente de agência do réu informação sigilosa sobre existência de saldo em conta corrente pessoal suficiente ao pagamento de dívida, terminou por assassinar o devedor, ante a sua recusa em pagar o valor do cheque por ele emitido contra conta empresarial, sem fundos. IV. Condenação do banco réu que se limita ao ato ilícito de quebra de sigilo por seu preposto, traduzida em dano moral proporcionalmente fixado, afastados os danos materiais, inclusive o pensionamento. V. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (REsp 620777/GO. Disponível aqui.

 

2 A respeito, veja-se: JORGE, Fernando Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1999, p. 388 e ss; PERESTRELO DE OLIVEIRA, Ana. Causalidade e imputação na responsabilidade ambiental. Coimbra: Almedina, 2007. p. 53 e seguintes; SAMPAIO DA CRUZ, Gisela. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 36 e ss.

 

3 MIRAGEM, Bruno. Direito civil. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 229.

 

4 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 345.

 

5 Veja-se, por exemplo, julgado do STJ tratando de dano ambiental decorrente de explosão de embarcação que transportava produtos químicos. Para a referida Corte, a responsabilização de poluidor indireto somente ocorre se houver prova de comportamento omissivo da proprietária da mercadoria transportada ou se o risco de explosão no transporte marítimo de produtos adquiridos fosse relacionado às atividades desempenhadas pela proprietária da mercadoria transportada. Os possíveis responsáveis pela explosão, segundo apurado no inquérito, seriam a transportadora dos produtos e o terminal onde o navio estava ancorado. Segundo a prova pericial, a proibição da pesca na região afetada decorreu do derramamento do óleo da embarcação, e não de contaminação pelo conteúdo da carga de metanol transportada, pois este produto é volátil e provavelmente foi diluído na água do mar após o acidente. A ementa do julgado é a seguinte: “Agravo interno. Agravo em recurso especial. Acidente ambiental. Explosão do navio vicuña. Proibição de pesca. Nexo causal. 1. As empresas adquirentes da carga transportada pelo navio Vicuña no momento de sua explosão, no Porto de Paranaguá/PR, em 15/11/2004, não respondem pela reparação dos danos alegadamente suportados por pescadores da região atingida, haja vista a ausência de nexo causal a ligar tais prejuízos (decorrentes da proibição temporária da pesca) à conduta por elas perpetrada (mera aquisição pretérita do metanol transportado, o qual evaporou logo após o acidente, não sendo a causa da poluição ambiental). (…). REsp n. 1.602.106.

 

6 Vide: STJ. 4ª Turma. REsp 1.414.803-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 04/5/21. Ementa parcial: Responsabilidade civil. Ação de indenização decorrente de ato ilícito. Acidente aéreo. Colisão de aeronaves durante voo. Diversas mortes. Responsabilidade objetiva do transportador e da arrendadora. Sinistro ocorrido durante as comemorações do 55º aniversário do aeroclube de Lages. Nexo causal não configurado. Ausência de responsabilidade. (…) 6. A Segunda Seção do STJ, no âmbito de recurso repetitivo (REsp 1596081/PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva), reconheceu que a ausência de nexo causal é apta a romper a responsabilidade objetiva, inclusive nos danos ambientais (calcada na teoria do risco integral). 7. Ao contrário do que ocorre na teoria da equivalência das condições (teoria da conditio sine qua non), em que qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano pode ser considerada capaz de gerar o dano, na causalidade adequada, a ideia fundamental é que só há uma relação de causalidade entre fato e dano quando o ato praticado pelo agente é de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida. 8. No caso, a recorrente, proprietária e arrendadora da aeronave, não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados, haja vista o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar, já que a colisão da aeronave se deu única e exclusivamente pela conduta do piloto da outra aeronave, que realizou manobra intrinsecamente arriscada, sem guardar os cuidados necessários, além de ter permitido o embarque de passageiros acima do limite previsto para a aeronave. 9. Os fatos atribuídos à recorrente – ser proprietária da aeronave, ter realizado contrato de arrendamento apenas no dia do evento (oralmente e sem registro), ter auferido lucro, bem como ter contratado piloto habilitado para voos comerciais, mas sem habilitação específica para voos com salto de paraquedismo – não podem ser considerados aptos a influenciar imediata e diretamente a ocorrência do evento danoso, não sendo necessários nem adequados à produção do resultado, notadamente porque o avião ainda estava em mero procedimento de decolagem. Portanto, não há efetivamente uma relação de causalidade entre fato e dano, tendo em conta que o ato praticado pelo agente não é minimamente suficiente a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, conforme a teoria da causalidade adequada. 10. Recurso especial provido.

 

7 STJ. 3ª Turma. REsp 1615971/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 27/09/2016, DJe 07/10/2016.

 

8 A expressão “observador experiente” está em SAMPAIO DA CRUZ, Gisela. Ob. cit. p. 70.

 

9 MAGADAN, Gabriel de Freitas Melro. Responsabilidade civil extracontratual: causalidade jurídica – seleção das consequências do dano. São Paulo: Editora dos Editores, 2019. p. 73.

 

10 “O ato de menor gravidade cometido por determinado sujeito, no sentido de causar um dano menor, não pode abarcar os danos maiores, ainda que tenha criado as circunstâncias para que se deflagrem. As situações mais gravosas havidas pelas precondições estabelecidas não configuram o curso normal dos acontecimentos (exceto, como se disse, frente à prova da culpabilidade), e poderiam gerar a responsabilidade pelo improvável, imponderável, admitindo a aleatoriedade como regra para a reparação.” MAGADAN, Gabriel. Ob. cit.p. 93.

 

11 A respeito do tema: RASLAN, Alexandre Lima. Responsabilidade civil ambiental do financiador. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, especialmente p. 211 e ss; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 397 e ss.; GRIZZI, Ana Luci Esteves, BERGAMO, Cintya Izilda, HUNGRIA, Cynthia Ferragi; CHEN, Josephine Eugenia. Responsabilidade civil ambiental dos financiadores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 31 e ss.

 

12 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 639.

 

13 A respeito do tema, com profunda análise a respeito do nexo causal, veja-se: FACCHINI NETO, Eugênio. Há via do meio na responsabilidade civil pelos danos à saúde do fumante?. Revista IBERC, v. 2, n. 1, p. 1 – 27, 22 maio 2019.

 

14 Atente-se ao enunciado da Súmula n. 385 do STJ, com o seguinte teor: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. Esse enunciado deva ser revisto, pois anotações sucessivas podem afetar o score de crédito do indivíduo no mercado, conforme o seu perfil, que considera as anotações de débito em cadastros de pagadores. Para esse fim, portanto, haveria causalidade entre a nova anotação e o prejuízo àquele que tenha sido injustamente inscrito em cadastros de devedores.

 

15 Quanto a conduta da vítima, veja-se o que dispõe o Enunciado n. 630 CJF: “Art. 945: Culpas não se compensam. Para os efeitos do art. 945 do Código Civil, cabe observar os seguintes critérios: (I) há diminuição do quantum da reparação do dano causado quando, ao lado da conduta do lesante, verifica-se ação ou omissão do próprio lesado da qual resulta o dano, ou o seu agravamento, desde que (II) reportadas ambas as condutas a um mesmo fato, ou ao mesmo fundamento de imputação, conquanto possam ser simultâneas ou sucessivas, devendo-se considerar o percentual causal do agir de cada um”.

 

16 MANZON, Riccardo; NEGRO, Antonello; SELLA, Mauro; ZIVIZ, Patrizia (a cura di Paolo Cendon). Trattario di diritto civile. Illeciti. Danni. Risarcimento. Milano: Giuffrè, 2013. p. 115.

 

17 Exemplifique-se com a condenação da indústria do cigarro por doença pulmonar de fumante: “Apelação cível. Ação de reparação de danos. Tabagismo. Responsabilidade civil da indústria do fumo. Agravo retido da ré. Prescrição. Inocorrência. Agravo retido da autora. Provimento. Cerceamento de defesa. Necessidade de produção das provas requeridas. Nexo de causalidade. Multifatorialidade que não impede o acolhimento, em tese, da demanda. Livre-arbítrio. Limitação. Invocabilidade apenas parcial da ideia. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade da ideia de periculosidade inerente. (…) NEXO DE CAUSALIDADE. O simples fato de a doença que acarretou a morte do marido da autora ser multifatorial (doença pulmonar obstrutiva crônica) não exclui a possibilidade de se evidenciar que a sua causa principal estivesse vinculada ao vício do tabagismo. O acolhimento irrestrito da tese ventilada na sentença e acolhida em muitos julgados leva, com a devida vênia, a um absurdo lógico. Deve-se levar a sério as conclusões da ciência médica que apontam, com dados cientificamente irrefutáveis e atualmente indiscutíveis, pois objeto de consenso médico universal, para o fato que determinadas doenças (especialmente as pulmonares) estão necessariamente vinculadas ao vício do fumo num percentual que por vezes se situa entre 80 e 90% dos casos. (…)  Inequívoco, portanto, o nexo de causalidade científico e irrefutável entre a conduta (tabagismo) e o efeito (desenvolvimento da doença), dentro dos limites estatísticos. Todavia, se todas essas cem pessoas ajuizassem ações individuais, a invocação da tese sentencial faria com que todas as cem pretensões fossem desacolhidas, apesar da certeza científica e irrefutável de que entre 80 a 90% daqueles autores tinham inteira razão. (…) Nosso sistema probatório não exige uma prova uníssona e indiscutível, mas sim uma prova que possa convencer o juiz, dentro do princípio da persuasão racional. É verdade que há que se ter elementos que apontem para a existência dos fatos constitutivos do direito do autor. Mas não há necessidade de que tal prova seja incontroversa. (…)  Lição doutrinária no sentido de que ainda que se aceite a impossibilidade de se aferir, com absoluta certeza, que o cigarro foi o causador ou teve participação preponderante no desenvolvimento da enfermidade ou na morte de um consumidor, é perfeitamente possível chegar-se, mediante a análise de todo o conjunto probatório, a um juízo de presunção (oriundo de provas indiciárias) sobre a relação que o tabagismo teve num determinado acidente de consumo.” TJRS. Nona Câmara Cível. Apelação cível n. 70059502898. Rel. Des. Eugênio Facchini Neto. J. em 16 dez. 2015. Disponívelm aqui.

 

18 SOARES, Flaviana Rampazzo. O tratamento do nexo causal no Código Civil: uma oportunidade perdida? In: PASQUALOTTO, Adalberto; MELGARÉ, Plínio. 20 anos do Código Civil brasileiro. Indaiatuba: Foco, 2023. p. 69-88.

 

Fonte: Migalhas

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