Ordenamento jurídico brasileiro ganhou um novo viés de regulamentação da política nacional sobre mudança do clima
A lei brasileira do mercado de carbono chegou, é a Lei 15.042 de 11/12/2024, que também inventou um novo certificado brasileiro voltado para reduções de emissões.
Haver regulação de mecanismos de mercado é positivo, ou não, pouco importa; o fato é que o ordenamento jurídico brasileiro ganhou um novo viés de regulamentação da política nacional sobre mudança do clima (instituída por meio da Lei 12.187, de 29/12/2009).
É que já vigora uma política pública especial sobre os créditos de carbono e similares (outros ativos). Antes, vigiam somente normas esparsas que precisávamos observar, a maioria fruto de demandas pontuais do mercado, com vistas a esclarecer o que o marco legal internacional tratou de disciplinar via Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992) – UNFCCC, na sigla em inglês.
A nova lei é relativamente extensa, composta de 58 artigos, distribuídos em cinco capítulos, nesta ordem intitulados: Disposições Preliminares (I); Do Sistema Brasileiro de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) (II); Dos Agentes Regulados e suas Obrigações (III); Da Oferta Voluntária de Créditos de Carbono (IV); Disposições Finais e Transitórias (V).
Examinando o impacto legislativo deste oceano de regras, a espécie notável está nos artigos que criam obrigações no âmbito do SBCE, entre elas a obrigação jurídico-notarial e registral: cabe levar o ativo a registro da titularidade de ativos integrantes do SBCE e dos créditos de carbono, bem como a averbação para transferência de titularidade, constituição de direitos reais ou quaisquer outros ônus sobre ativos.
O ciclo de geração do ativo estipulado culmina na emissão (automática ou não, dependendo da sua origem) no que a regulamentação em comento denominou Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE) – certificados pela autoridade governamental e verificado por agentes credenciados.
Entender o que é o que, na terminologia a ser considerada pela lei, não é tarefa simples. A expressão “créditos de carbono” é um exemplo. Até aqui a usamos no Brasil conforme a UNFCCC havia ensinado, no sentido lato sensu, a designar os créditos na relação entre países que, para pagar pelos débitos climáticos que causaram, podiam participar dos mercados de geração de créditos de carbono, adquirindo-os e procedendo à quitação parcial de suas responsabilidades.
Era, assim, um sentido amplo, no qual cabiam as Reduções Certificadas de Emissões (RCE), criadas pelo Protocolo de Quioto (1997) – resultantes da implementação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) –, como também os títulos de projetos que não percorressem os trâmites para a categoria. Quando surgiu um mercado voluntário (aquele que seguia normas institucionais fora do sistema da UNFCCC), os títulos oriundos também eram créditos de carbono.
A pergunta aos empresários que estiveram dispostos a poupar (guardando recursos) até que vigorasse uma lei especial sobre a matéria do mercado de reduções de emissões, é se irão se satisfazer com mercados de créditos de carbono “não oficiais”; ou se preferirão contabilizar reduções para quem compre ativos a serviço de quem precisa demonstrar cumprimento formal de compromissos climáticos.
A lei diferençou o CRVE do que comumente já se chamava “crédito de carbono”, fez isso atribuindo ao segundo a característica de seguir metodologias nacionais ou internacionais que adotem critérios e regras para mensuração, relato e verificação de emissões, externos ao SBCE.
Nestes termos foi que a nova lei resolveu definir:
“XXVII – crédito de carbono: ativo transacionável, autônomo, com natureza jurídica de fruto civil no caso de créditos de carbono florestais de preservação ou de reflorestamento, exceto os oriundos de programas jurisdicionais, desde que respeitadas todas as limitações impostas a tais programas por esta Lei, representativo de efetiva retenção, redução de emissões ou remoção de 1 tCO2e (uma tonelada de dióxido de carbono equivalente), obtido a partir de projetos ou programas de redução ou remoção de GEE, realizados por entidade pública ou privada, submetidos a metodologias nacionais ou internacionais que adotem critérios e regras para mensuração, relato e verificação de emissões, externos ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE)” (Art. 3º, XXVII do Código Florestal, com a redação trazida pela Lei nº 15.042, de 2024).
Analisando a lei, percebemos que o CRVE integraria um mercado oficial dissociado dos créditos de carbono, esses em geral negociáveis no mercado paralelo, voluntário ou jurisdicional.
O CRVE resulta do regramento do SBCE; diferentemente, os últimos são ativos gerados a partir de outras regras (v.g., da UNFCCC, Protocolo de Quioto, Acordo de Paris, programas públicos sob metodologias diversas) ou normas políticas institucionais de governança lançadas por alianças envolvendo os poderes executivos (programas jurisdicionais) ou por particulares (v.g., protocolos do terceiro setor, tratativas intersetoriais, acordos bilaterais) – mas observadas algumas restrições créditos de carbono, no sentido estrito, podem vir a ser internalizados, elevando-se à alçada de integrantes do SBCE. A Cota Brasileira de Emissões (CBE), por sua vez, seria uma gota de reduções dentro da bolha do máximo de emissões permitidas no território brasileiro.
Garantindo-se que os nacionais brasileiros poderão ajudar o próprio país a cumprir seus compromissos e a observância ao teto máximo de emissões do país, o legislador foi prudente em determinar poder exportar só o excedente das reduções de emissões baseadas nas Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil, definidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
A solução normativa conferida pelo legislador assentou existir um “direito de emitir” (ocorre que um direito precisa ser moralmente aceitável e “emitir” causa “mudança do clima”, logo, dano ambiental).
Se for para criticar – mas construtivamente –, a linguagem adotada pela lei não refletiu o discurso de uma justiça climática, tampouco de aumento da competitividade de um ativo advindo do Brasil no mercado internacional de carbono.
A lógica do “dever de reduzir” teria soado muito bem. Quando do Protocolo de Quioto (1997), o legislador internacional optou por quantificar a necessária diminuição a título de “compromisso de redução ou limitação quantificada de emissões (porcentagem do ano base ou período)”, corretamente interpretada como necessidade de os países do Anexo B, do tratado adicional citado, reduzirem emissões nos prazos estabelecidos.
A nova lei considera ser limite máximo de emissões o “limite quantitativo, expresso em toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), definido por período de compromisso, aplicável ao SBCE como um todo, e que contribui para o cumprimento de objetivos de redução ou remoção de GEE, definidos na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC)” (art. 2º, inc. XVI da Lei 15.042/2024). Nesses termos, foi conferido um direito de emitir até esse teto. O Plano Nacional de Alocação indicará os caminhos do comércio interno dentro dessa lógica.
Os ativos gerados poderão ser tranquilamente transacionados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou no mercado financeiro de capitais. Até a incidência tributária já ficou estipulada pela lei como Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, inclusive com possibilidade de dedução de despesas incorridas para a geração dos ativos em questão.
Ao interessado em gerar créditos (no sentido amplo), convém avaliar cuidadosamente em qual mercado preferirá ofertar o ativo que decorra da atividade projeto que realizará; aos compradores, saber exatamente o que, para que e qual ativo estão comprando.
Há um conjunto de sutilezas na hipótese da oferta que seja voluntária, consistente no ato de levar o ativo a mercado espontaneamente, sem ser uma implicação de ter que fazer a oferta. O efeito, quanto a oferecer voluntariamente é poder fazê-lo como uma faculdade (opção a escolher se o tratamento que o redutor de emissões quer para seu crédito é de um regime que seja mais privado do que público).
Em um contrato entre particulares, o objeto da negociação pode não ter efeito para terceiros que estejam fora da relação jurídica – este é o caso de se escolher pela oferta voluntária. Já no caso de se escolher a oferta “oficial”, por assim dizer, é imprescindível cumprir as minúcias bem mais rígidas das regras do marco legal da PNMC atualizado nesta matéria especial de controlar a geração de ativos para quitar obrigações de compromissos de reduções de emissões.
Para quem escolheu um regime opcional, cumpre seguir suas normas (em geral menos burocráticas) de um sistema não oficialmente regulado. Portanto, a única “voluntariedade” está no quesito de o destino direto do crédito não ser necessariamente quitar obrigação nacional quantificada de emissão.
Fator decisivo para resolver em qual sistema atuar será estar preparado para passar pelo crivo normativo do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), instrumento institucional da PNMC competente para estabelecer as condições para autorização de transferência internacional de resultados de mitigação.
Ficou determinado que a uma operação não bastará envolver CBE, CRVE, créditos de carbono ou unidades equivalentes – sempre a transferência dependerá dessa autorização formal e expressa. Nesse caso, os créditos de carbono (em sentido estrito) gerados no país que venham a ser utilizados para transferência internacional de resultados de mitigação serão registrados como CRVE, precisarão ter provado usar metodologia credenciada, mensuração e relato nos moldes do do SBCE, mostrando estarem conforme quanto ao respeito às normas e à inscrição no Registro Central.
Conseguir citada autorização de transferência internacional será a chancela para que a contribuição do projeto seja computada como parte da redução que o Brasil precisa para quitar seus compromissos perante a comunidade internacional por força da UNFCCC com base no Acordo de Paris (2015); ou uma sinalização do governo de quais créditos de carbono vindos do Brasil podem ser negociados com países ou empresas estrangeiros, para que lhes sirvam de quitação parcial das obrigações no âmbito das responsabilidades deles pela mudança global do clima.
Prevê-se um período transitório para que a implementação do SBCE esteja com as fases implantadas (I – edição da regulamentação; II – operacionalização dos instrumentos para relato; III – exigências flexibilizadas de monitoramento e relato).
Até lá, já teremos nos acostumado com este mercado de geração de créditos de carbono inventados com a caraterística de serem pulverizados e sujeitos a vários graus de controle estatal. Mas para renovarmos a esperança de conquista da credibilidade dos créditos brasileiros, não precisaremos esperar. Com o pacote da nova lei, os interessados em ser proponentes de créditos de carbono já podem tirar férias.
Fonte: Jota
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