É sabido que a citação e a intimação configuram importantes mecanismos de chamamento ao processo e comunicação processual às partes litigantes, sendo também instrumentos para a concretização de outras garantias processuais constitucionais, a exemplo do contraditório e da ampla defesa. Enquanto elemento fundamental do processo civil, esses institutos não se operam sem regras, estando sujeitos às limitações impostas pelo ordenamento jurídico e visando a garantir o exercício de um processo civil constitucional que assegure ao indivíduo um pleno acesso à Justiça e justo desenrolar do processo.

Ao mesmo tempo, com o advento da 4ª Revolução Industrial, ou Revolução Técnico-Científica, o direito processual civil passou a se deparar com novas tecnologias que, ao mesmo tempo, trouxeram avanços e desafios para a concretização de um processo civil em conformidade com os ditames constitucionais. Nesse sentido, fomenta-se a discussão acerca do cabimento ou não de citação e intimação das partes por meio de mídias sociais, a exemplo de redes como o X (antigo Twitter), Instagram, WhatsApp, Facebook, entre outros.

Sendo a plataforma digital mais utilizada no Brasil [1], o WhatsApp já foi alvo de vários estudos e discussões por parte dos processualistas, uma vez que passou a ser um instrumento frequente no processo, principalmente aquele que se dá em meio eletrônico. Conversas, publicações e mensagens de áudio foram alçadas, nos últimos anos, a um dos principais meios de provas à disposição das partes, bem como a importantes meios de contato utilizados por Varas, Promotorias, Defensorias, entre outros órgãos da Justiça.

Contudo, recentemente, em virtude de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, no dia 28 de agosto de 2024, ocorreu a intimação do empresário Elon Musk, já qualificado em ação pretérita no STF, acerca de decisão que determinou a indicação do novo representante legal da X Brasil em território nacional, com fundamento nos artigos 1138 do Código Civil [2] e 11 e 12 do Marco Civil da Internet [3].

Para a surpresa de muitos, a referida intimação ocorreu via um post realizado pela conta do STF na própria rede social X, o que levantou discussões acerca da validade — ou não — desta modalidade de intimação.

Da possibilidade de comunicação dos atos processuais em mídias sociais

Em primeiro plano, ressalta-se a total atipicidade do modelo de citação e intimação — aqui tratados, lato sensu, como comunicação de atos processuais — por meio de mídias sociais, uma vez que não há previsão legal expressa no País.

Contudo, principalmente depois da pandemia do coronavírus, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou as Resoluções nº 354/2020 [4] e 455/2022 [5], que facilitaram o emprego de novas tecnologias ao processo. A edição de tais dispositivos para regulamentar a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico pelo CNJ é plenamente autorizada pelo Código de Processo Civil, nos termos do artigo 196 [6].

Segundo Batistella e Angelo [7], embora a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico seja, a priori, passível de anulação por carecer de amparo legal, esta pode ser considerada válida com fundamento no princípio da instrumentalidade das formas, uma vez que a parte intimada se mostrou ciente do despacho.

Isso porque, segundo o princípio da instrumentalidade das formas no processo civil constitucional, o processo deixa de ser considerado um fim em si mesmo e passa a ser um meio para a concretização da real vontade das partes, sendo possível, portanto, a relativização de certas regras para que se atinja o fim máximo do processo, a saber, a tutela jurisdicional mais adequada ao caso. Ressalta-se que tal relativização ocorre de acordo com os parâmetros constitucionais, não se operando, assim, sem limites.

Entretanto, o que se observa na prática forense é uma grande divergência — e, até mesmo, resistência — jurisprudencial, que muitas vezes não admite a comunicação de atos processuais por meio eletrônico, a exemplo dos Agravos de Instrumento 1.0000.23.181007-8/001 [8] e 1.0000.23.297253-9/001 [9], ambos do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que a temática da comunicação de atos processuais por mídias sociais é controversa do ponto de vista jurisprudencial e doutrinário no Brasil. Enquanto autores defendem a convalidação dos atos diante da ciência das partes, tribunais possuem certa resistência pela não observância dos requisitos trazidos pelas resoluções já editadas pelo CNJ.

Nesse sentido, diante da principiologia que guia o processo civil brasileiro, baseada na instrumentalidade das formas, na celeridade, e em muitos outros princípios constitucionais, é plenamente possível admitir, em alguns casos, a comunicação de atos processuais por meio das mídias sociais. Contudo, pontua-se que nem sempre essa será a melhor alternativa, o que já é previsto pelo CPC/15 ao dispor, em seu artigo 246 [10], que a citação é realizada preferencialmente em meio eletrônico, e não obrigatoriamente.

Assim, é tarefa do juiz e das partes avaliar qual o meio mais adequado no caso concreto, a fim de que este seja utilizado e se alcancem os reais objetivos do processo civil constitucional.

[1] WhatsApp é a rede social mais usada no país. Monitor Mercantil, 2024. Disponível em: https://monitormercantil.com.br/whatsapp-e-a-rede-social-mais-usada-no-pais/#:~:text=Apesar%20da%20concorr%C3%AAncia%2C%20o%20WhatsApp,lugar%20na%20prefer%C3%AAncia%20dos%20consumidores. Acesso em: 5 de out. de 2024.

[2] “Art. 1.138. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade.”

[3] “Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.

§ 1º O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.

§ 2º O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil. […]

Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:

I – advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;

II – multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;

III – suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou

IV – proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11.

Parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País.”

[4] Resolução Nº 354 de 19/11/2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3579

[5] Resolução Nº 455 de 27/04/2022. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4509

[6] “Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código.”

[7] ANGELO, Tiago. BATISTELLA, Paulo. Intime-me se for capaz: Intimação por meio do X é atípica, mas ciência da parte a torna válida. CONJUR, 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-ago-30/intimacao-por-meio-do-x-e-atipica-mas-ciencia-da-parte-a-torna-valida/. Acesso em 5 de out. de 2024.

[8] EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE ALIMENTOS – CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO – APLICATIVO DE MENSAGENS (WHATSAPP) – ARTIGO 246, DO CPC – INTERPRETAÇÃO CONFORME A LEI Nº 14.195/21 – RESOLUÇÃO Nº. 455, DE 27/04/2022, DO CNJ – PLATAFORMA DIGITAL DO PODER JUDICIÁRIO (PDPJ-Br) – REGULAMENTAÇÃO DO DOMICÍLIO JUDICIAL ELETRÔNICO – NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO DE SISTEMAS – IMPLEMENTAÇÃO – INOCORRÊNCIA – PORTARIA CONJUNTA Nº 1109/PR/2020 DO TJMG – INAPLICABILIDADE – PRÉVIO CADASTRO DO CITANDO EM BANCO DE DADOS DO PODER JUDICIÁRIO – NECESSIDADE – INOBSERVÂNCIA – RECURSO DESPROVIDO. – Nos termos do artigo 246 do CPC, em sua nova redação conferida pela Lei nº 14.195/2021, “a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça”. – A ausência de cadastro prévio do citando no banco de dados de endereços eletrônicos do Poder Judiciário impede sua citação por meio de aplicativo de mensagens (WhatsApp) ou e-mail. – Conforme a Resolução nº 455, de 27/04/2022, do CNJ, as comunicações processuais em meio eletrônico ocorrerão na Plataforma Digital do Poder Judiciário, de uso unificado e obrigatório por todos os tribunais. – Considerando que até o momento não houve a implementação da nova ferramenta neste egrégio Tribunal de Justiça, bem como a integração dos sistemas PJE com o Domicílio Judicial Eletrônico, não se mostra possível a citação por meio eletrônico, nos moldes do artigo 246, do CPC e da Resolução nº 455, de 27/04/2022, do CNJ. […] (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.181007-8/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Gomes dos Reis (JD Convocado) , 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 22/02/2024, publicação da súmula em 23/02/2024)

[9] EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – – CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO – ARTIGO 246, DO CPC – INTERPRETAÇÃO CONFORME A LEI Nº 14.195/21 – RESOLUÇÃO Nº. 455, DE 27/04/2022, DO CNJ – PLATAFORMA DIGITAL DO PODER JUDICIÁRIO (PDPJ-Br) – REGULAMENTAÇÃO DO DOMICÍLIO JUDICIAL ELETRÔNICO – NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO DE SISTEMAS – IMPLEMENTAÇÃO – INOCORRÊNCIA – PORTARIA CONJUNTA Nº 1109/PR/2020 DO TJMG – INAPLICABILIDADE – PRÉVIO CADASTRO DO CITANDO EM BANCO DE DADOS DO PODER JUDICIÁRIO – NECESSIDADE – INOBSERVÂNCIA – RECURSO DESPROVIDO. – Nos termos do artigo 246 do CPC, em sua nova redação conferida pela Lei nº 14.195/2021, “a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça”. – A ausência de cadastro prévio do citando no banco de dados de endereços eletrônicos do Poder Judiciário impede sua citação por email. – Conforme a Resolução nº 455, de 27/04/2022, do CNJ, as comunicações processuais em meio eletrônico ocorrerão na Plataforma Digital do Poder Judiciário, de uso unificado e obrigatório por todos os tribunais. – Considerando que até o momento não houve a implementação da nova ferramenta neste egrégio Tribunal de Justiça, bem como a integração dos sistemas PJE com o Domicílio Judicial Eletrônico, não se mostra possível a citação por meio eletrônico, nos moldes do artigo 246, do CPC e da Resolução nº 455, de 27/04/2022, do CNJ. […] (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.297253-9/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Gomes dos Reis (JD Convocado) , 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 21/03/2024, publicação da súmula em 25/03/2024)

[10] “Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça.”

Fonte: Conjur

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