O Provimento CNJ 149/2023 autoriza o reconhecimento extrajudicial e voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva diretamente no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais para pessoas acima de 12 anos (art. 505). O ato é, em regra, irrevogável, somente podendo ser desconstituído judicialmente em casos de vício de vontade, fraude ou simulação (art. 505, §1º). Podem requerer maiores de 18 anos, independentemente do estado civil (art. 505, §2º). Há impedimentos objetivos: irmãos entre si e ascendentes (avós) não podem reconhecer pela via administrativa (art. 505, §3º); além disso, o pretendente deve ter, no mínimo, 16 anos a mais que o reconhecido (art. 505, §4º).

A essência do instituto é a posse do estado de filho: o vínculo deve ser estável e socialmente exteriorizado (art. 506). O registrador apura objetivamente a socioafetividade mediante elementos concretos (art. 506, §1º). Exemplos de prova: indicação como responsável escolar, inclusão em plano de saúde ou previdência, coabitação, vínculo de conjugalidade com o genitor biológico, inscrição como dependente em entidades, fotografias de eventos relevantes e declarações de testemunhas com firma reconhecida (art. 506, §2º). A ausência desses documentos não impede o ato, desde que justificada, devendo o oficial atestar como apurou o vínculo e arquivar a documentação colhida (art. 506, §§3º e 4º).

O procedimento tramita em qualquer RCPN, mesmo diverso do assento de nascimento, com apresentação do documento oficial de identificação do requerente e da certidão de nascimento do reconhecido, em original e cópia, sem menção à origem da filiação no traslado (art. 507 caput). O oficial verifica minuciosamente a identidade, colhe qualificação e assinatura em termo próprio e arquiva as cópias conferidas (art. 507, §§1º e 2º). Constarão do termo os dados de filiação; sendo o reconhecido menor, colhem-se as assinaturas do pai e da mãe registrais (art. 507, §3º). Para menores de 18, exige-se também o consentimento do próprio reconhecido (art. 507, §4º), e todas as anuências (pai, mãe e filho maior de 12) devem ser colhidas pessoalmente perante o oficial ou escrevente autorizado (art. 507, §5º). Na falta ou impossibilidade de manifestação válida, o caso é remetido ao juiz competente; aplica-se, quando cabível, a tomada de decisão apoiada para pessoa com deficiência (art. 507, §§6º e 7º). O reconhecimento pode, ainda, ocorrer por documento de última vontade, observado o mesmo rito (art. 507, §8º).

Há dupla filtragem de legalidade: atendidos os requisitos, o registrador envia o expediente ao Ministério Público para parecer (art. 507, §9º). Com parecer favorável, realiza-se o registro; se desfavorável, o ato não é praticado e o expediente é arquivado; em caso de dúvida, remete-se ao juízo competente (art. 507, §9º, I a III). Se o oficial suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou tiver dúvida sobre a posse do estado de filho, deve recusar fundamentadamente e encaminhar ao Judiciário (art. 508). A existência de ação de filiação ou adoção em curso impede a via administrativa, cabendo ao requerente declarar que não há processo judicial sobre o tema, sob pena de responsabilidade (art. 509 e parágrafo único).

Quanto aos limites de multiparentalidade na esfera administrativa, o reconhecimento é unilateral e não pode resultar em mais de dois pais e duas mães no campo Filiação (art. 510 caput). Só é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo por linha (paterna ou materna) pela via extrajudicial; a inclusão de mais de um exige processo judicial (art. 510, §§1º e 2º). O reconhecimento espontâneo em cartório não impede posterior discussão judicial sobre a verdade biológica (art. 511), preservando-se a compatibilidade com a multiparentalidade e o direito à origem genética quando cabível.

Na prática, o passo a passo é:

(1) verificar elegibilidade (idade do reconhecido, diferença etária, inexistência de litígio ou adoção em curso e ausência de impedimentos);

(2) reunir documentos de identidade, certidão de nascimento atualizada e anuências necessárias (pais registrais e do próprio reconhecido, quando aplicável), para colheita presencial;

(3) organizar o dossiê probatório da socioafetividade conforme o art. 506, justificando eventuais ausências documentais;

(4) protocolar o requerimento no RCPN, assinando o termo de reconhecimento;

(5) acompanhar a qualificação registral, o envio ao Ministério Público e, sendo o parecer favorável, a averbação do vínculo sem menção à origem;

(6) solicitar a certidão atualizada já com a nova filiação.

Os efeitos são integrais: equiparação plena aos filhos biológicos para nome, poder familiar, alimentos, benefícios previdenciários/assistenciais e direitos sucessórios, com impacto direto no planejamento familiar e patrimonial.

Por fim, uma importante recomendação profissional: embora o Provimento CNJ 149/2023 não exija a presença de Advogado, é altamente recomendável que o procedimento seja acompanhado por um profissional. A assistência técnica ajuda a pré-qualificar o caso, estruturar a prova da posse do estado de filho, colher as anuências de forma adequada, prevenir exigências, calibrar expectativas quanto aos limites de multiparentalidade e dialogar com o cartório e o Ministério Público. Isso não é obrigatório, mas aumenta a segurança, reduz retrabalho e tende a encurtar o tempo até a conclusão do ato extrajudicial.

Fonte: Julio Martins

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