A união estável, reconhecida como entidade familiar pelo art. 226, § 3º, da Constituição Federal e regulada pelo art. 1.723 do Código Civil, configura-se pela convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família (“animus familiae”). Diferentemente do casamento, sua existência não depende de uma formalidade cartorária (como a Escritura Declaratória de União Estável, embora seja muito recomendada, como sempre falamos), mas sim da materialização fática desses requisitos no cotidiano do casal. É crucial distinguir a união estável de um namoro qualificado; a primeira pressupõe um projeto de vida em comum e mútua assistência, similar ao vínculo matrimonial, enquanto o segundo, ainda que envolva coabitação, carece da intenção de formar um núcleo familiar. Uma vez caracterizada, a união estável irradia efeitos jurídicos de grande magnitude, equiparando os companheiros aos cônjuges em diversos aspectos.

No âmbito cível e sucessório, o reconhecimento da união estável garante aos companheiros direitos patrimoniais e pessoais de extrema relevância. Salvo disposição contratual em contrário, aplica-se o regime da comunhão parcial de bens, assegurando a partilha de todo o patrimônio adquirido onerosamente durante a convivência. Além disso, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 809, equiparou o companheiro ao cônjuge para fins sucessórios, garantindo-lhe os mesmos direitos na herança do falecido. Garante-se, ainda, o direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência à família e a possibilidade de pleitear alimentos em caso de dissolução da união, demonstrando a ampla proteção conferida pelo ordenamento jurídico a essa forma de constituição familiar.

Com especial destaque, a legislação previdenciária, por meio da Lei nº 8.213/91, posiciona o companheiro ou a companheira no rol de dependentes de primeira classe do segurado, conforme o art. 16, inciso I. Esta classificação é de suma importância, pois, nos termos do § 4º do mesmo artigo, a dependência econômica dos integrantes desta classe é presumida, ou seja, não precisa ser comprovada. Desta forma, uma vez demonstrada a existência da união estável na data do óbito do instituidor, o direito à pensão por morte torna-se uma consequência jurídica direta, bastando que a qualidade de segurado do falecido também esteja preenchida. O benefício visa, portanto, amparar o companheiro supérstite, garantindo-lhe a manutenção do sustento após a perda daquele com quem compartilhava a vida e as responsabilidades financeiras.

“Apesar da clareza da lei, é recorrente que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em sua análise administrativa, indefira pedidos de pensão por morte sob o argumento de não comprovação da união estável.”

Isso ocorre porque a autarquia se atém a uma análise documental restrita, exigindo um início de prova material contemporânea aos fatos, como comprovante de residência em comum, conta bancária conjunta, declaração de imposto de renda, entre outros. A ausência ou a insuficiência de tais documentos, muito comum em relações informais, leva a decisões negativas, ainda que a realidade fática da união fosse incontestável, gerando grande desamparo ao requerente em um momento de extrema vulnerabilidade.

“Diante de uma negativa administrativa, o interessado não deve considerar seu direito perdido.”

O princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF) garante a possibilidade de submeter a questão à apreciação do Poder Judiciário. Na via judicial, o campo para a produção de provas, conhecido como dilação probatória, é significativamente mais amplo. O juiz não está adstrito apenas à prova documental e pode formar sua convicção a partir de um conjunto probatório mais vasto e flexível, que reflete com maior fidelidade a realidade da vida do casal.

Nesse contexto, a prova testemunhal assume papel de protagonista. Amigos, familiares e vizinhos podem, sob o crivo do contraditório, relatar fatos que demonstram a publicidade, a continuidade e o objetivo de constituir família da relação, corroborando o início de prova material apresentado. Fotografias, mensagens, postagens em redes sociais e outras evidências do relacionamento também são valoradas pelo magistrado. Portanto, a ação judicial se revela o caminho mais eficaz para superar a rigidez da análise administrativa, permitindo uma demonstração robusta e completa dos requisitos da união estável e, por conseguinte, do preenchimento da condição de dependente, assegurando ao companheiro sobrevivente o acesso ao benefício previdenciário a que faz jus.

Fonte: Julio Martins

Deixe um comentário