Entender como deserdar um filho é uma das questões mais complexas do Direito Sucessório brasileiro. Longe de ser um ato de simples vontade, a exclusão de um herdeiro necessário da herança é um procedimento excepcional, raro e cercado de regras rígidas. A lei protege firmemente a herança dos filhos, e o processo para afastar esse direito é longo e incerto. Este guia completo explica, em detalhes, as 3 etapas legais e obrigatórias para que a deserdação possa, de fato, ocorrer.

Antes de detalhar os passos, é crucial compreender o conceito de “legítima”. O Código Civil determina que 50% de todo o patrimônio de uma pessoa compõe a legítima, uma parte intocável da herança que é legalmente garantida aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro), cf. art. 1.845 do CCB. Portanto, a deserdação é a medida jurídica extrema para afastar um filho até mesmo de sua cota na legítima, e só pode ser aplicada em situações gravíssimas.

Etapa 1: O Testamento Válido – O Ato Formal e Fundamentado

O primeiro e indispensável passo para deserdar um filho é a elaboração de um testamento válido (público, cerrado ou particular). Não existe outra forma de iniciar o processo. Dentro deste documento, o testador deve incluir uma cláusula expressa de deserdação, declarando sua intenção de excluir o herdeiro. O ponto mais importante, contudo, é que esta cláusula deve, obrigatoriamente, indicar o motivo específico para o ato, e este motivo precisa ser um dos que a lei autoriza. Um testamento que apenas diz “deserdo meu filho”, sem apresentar a causa legal, não produz qualquer efeito.

Etapa 2: A Causa Legal – Os Motivos Gravíssimos Previstos em Lei

A segunda etapa consiste em fundamentar a deserdação em uma das causas taxativas previstas no Código Civil, ou seja, a lista de motivos é fechada e não admite outras hipóteses. As razões que a lei considera graves o suficiente para justificar a exclusão de um filho são:

Ofensa física: Agressão comprovada contra o autor da herança.

Injúria grave: Ofensas verbais e humilhações de grande repercussão.

Relações ilícitas: Manter relação com a madrasta ou o padrasto.

Desamparo: Abandonar o pai ou a mãe com alienação mental ou grave enfermidade, negando-lhes assistência.

Atos criminosos: Homicídio (tentado ou consumado) ou acusação caluniosa em juízo contra o genitor.

É vital reforçar que motivos como ingratidão, falta de afeto, distanciamento familiar ou brigas por questões financeiras não são causas válidas para a deserdação perante a lei.

Etapa 3: A Ação Judicial – A Prova e Confirmação em Juízo

Esta é a etapa final e a que muitos desconhecem: a deserdação não é automática. Após o falecimento do testador, a cláusula no testamento serve apenas como uma autorização para que se busque a confirmação do ato. Os herdeiros que seriam beneficiados com a exclusão (ou o testamenteiro) são obrigados a entrar com uma “Ação de Confirmação de Deserdação” contra o herdeiro que se pretende deserdar. O prazo para propor essa ação é de quatro anos, contados da data de abertura do testamento (cf. par. único, art. 1.965 do CCB). Nesta ação, o ônus da prova é de quem acusa: será preciso provar judicialmente, com documentos e testemunhas, que a grave causa alegada no testamento de fato ocorreu.

Em conclusão, o processo de como deserdar um filho é um caminho árduo, técnico e de resultado incerto, que depende da satisfação de três requisitos cumulativos: um testamento válido com a causa declarada, a adequação dessa causa a uma das hipóteses legais e, por fim, a comprovação judicial do fato através de uma ação específica. Se qualquer uma dessas etapas falhar, a deserdação é considerada ineficaz, e o filho receberá sua parte na herança normalmente. Dada a extrema complexidade, a consulta a um Advogado Especialista em Direito Sucessório é indispensável para navegar por este procedimento.

Fonte: Julio Martins

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