A situação é um clássico do direito de família e imobiliário: um filho investe suas economias para construir sua casa no terreno dos pais. Por anos, a harmonia prevalece, mas uma mudança no cenário familiar (como por exemplo um novo casamento da mãe), pode trazer a temida pergunta: “o novo marido dela quer que eu saia, ele pode me expulsar?”. A resposta curta continua sendo: não, você não pode ser simplesmente obrigado a desocupar o imóvel sem a devida compensação financeira. Contudo, os detalhes sobre como essa proteção funciona dependem de fatores cruciais que precisam ser analisados.
O ponto de partida é o conceito de “acessão” e, principalmente, a sua “boa-fé”. A lei diferencia quem constrói com autorização (de boa-fé) de quem constrói sem autorização (de má-fé). Se você construiu com o consentimento do dono do terreno (sua mãe, no caso), mesmo que verbal, a lei presume sua boa-fé. Nesse caso, o artigo 1.255 do Código Civil é claro: você perde a construção para o dono do terreno, mas tem direito a uma indenização justa e ao “direito de retenção”, que é a garantia de permanecer no imóvel até ser efetivamente pago. Por outro lado, se a construção foi feita clandestinamente ou contra a vontade expressa da proprietária, a situação se inverte: você perde o que construiu e, em regra, não tem direito à indenização nem à retenção, fazendo jus apenas ao ressarcimento por benfeitorias necessárias.
Existe, contudo, uma exceção poderosa a essa regra, conhecida como “acessão inversa”. Prevista no parágrafo único do mesmo artigo 1.255, ela se aplica quando o valor da construção ultrapassa consideravelmente o valor do terreno. Se a casa que construída vale muito mais que o lote original, a lei entende que seria injusto você perder um patrimônio tão expressivo. Nesse cenário, o construtor de boa-fé, adquire o direito de comprar o terreno da genitora, pagando a ela uma indenização fixada judicialmente. Essa é uma ferramenta jurídica potente, que inverte a lógica padrão e pode garantir a quem edificou a propriedade definitiva de todo o imóvel (terreno + edificação).
Mas e se o novo casamento da genitora e proprietária do terreno se deu pelo “regime da comunhão universal de bens”? Isso muda alguma coisa? A resposta exige cautela. Nesse regime, em tese, todos os bens presentes e futuros do casal se comunicam. Contudo, o seu direito à indenização pela construção nasceu antes do novo casamento. Trata-se de uma obrigação pessoal da genitora, vinculada ao imóvel. Portanto, mesmo que o terreno passe a integrar o patrimônio comum do novo casal, a obrigação de indenizá-lo persiste e “contamina” o bem. O novo marido não pode ignorar essa dívida preexistente. Ele não tem autoridade legal para, sozinho, exigir sua saída, e qualquer tentativa judicial de reaver o imóvel terá que, obrigatoriamente, enfrentar o seu direito de ser indenizado primeiro.
A complexidade do caso torna indispensável a orientação de um Advogado Especialista em Direito Imobiliário. Este profissional irá analisar as provas da construção (notas, recibos, fotos), avaliar se houve boa-fé, verificar a viabilidade de uma “acessão inversa” através de laudos de avaliação e, crucialmente, notificar formalmente a proprietária sobre seus direitos. A atuação do Advogado é o que transforma uma situação de vulnerabilidade em uma posição de força jurídica, seja para negociar um acordo vantajoso, seja para defender seus direitos em um processo judicial.
Por fim, cabe uma reflexão prática: até que ponto vale a pena brigar para se manter no imóvel, nesse contexto? Legalmente, o direito de retenção lhe dá a segurança de só sair após ser pago. No entanto, um litígio familiar pode gerar um desgaste emocional imenso e, por vezes, irreparável. É preciso ponderar: o objetivo é permanecer na casa a todo custo ou garantir o retorno financeiro do seu investimento? Muitas vezes, a melhor solução não é a batalha judicial (que não tem prazo para terminar e muito menos qualquer garantia de êxito), mas um acordo bem assessorado, onde se negocia a venda do imóvel a terceiros com a justa divisão dos valores, ou um parcelamento da indenização para sua saída. Um bom Advogado não apenas lhe dirá seus direitos, mas também o ajudará a avaliar qual caminho trará a resolução mais rápida, eficiente e menos desgastante para sua vida.
Fonte: Julio Martins


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