O senhor é  juiz assessor da Presidência da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça. Quais são as suas funções? Como é o contato com a matéria do extrajudicial?
 
No assessoramento da Presidência da Seção, no biênio 2016-2017 ocupada honrosamente pelo Desembargador Ricardo Dip, venho auxiliando especialmente em questões administrativas sobre a qual o presidente tenha de manifestar-se: em especial, mas não só, sobre a matéria de registros públicos levada ao Conselho Superior da Magistratura, da qual o Desembargador Ricardo Dip faz parte, e também em questões disciplinares que, pela via de recurso, chegam à Câmara Especial, a qual o presidente também integra. Fora de minhas funções jurisdicionais, e no ambiente estritamente acadêmico, integro o Grupo de Estudos de Registro Eletrônico da UniRegistral, desde fevereiro deste ano, criado para exame dessa importante questão, que ganhou relevo depois da edição da Medida Provisória n. 759, de 22 de dezembro de 2016.
 
Aproveito essa menção: a Medida Provisória nº 759/2016 tem sido objeto de muitas discussões. Do que ela trata? Quais são os seus pontos mais importantes?
 
Essa Medida Provisória trata de três grandes temas. Em primeiro lugar, ela introduz inovações no campo da reforma agrária (a qual, no novo texto, é chamada de “regularização fundiária rural”). Depois, a Medida Provisória tenta consolidar e, em muitíssimos pontos, modificar e atualizar as regras relativas à regularização fundiária urbana. A nova legislação, finalmente, ainda traz novidades quanto à avaliação e alienação de imóveis da União. Esses temas são muito problemáticos; além disso, já tinham regulamentação legal. Dessa maneira, não só pela complexidade dos assuntos, mas também pelo cuidado que se deve ter na alteração da lei vigente, é natural que a tramitação seja marcada por muitas discussões e polêmicas.
 
O senhor mencionou a regularização fundiária urbana.  Podemos dizer que a legalização de imóveis e a obtenção de títulos, agora, ficou mais fácil?
 
De fato, a finalidade das regras de regularização fundiária urbana é essa mesmo, permitir que todos os interessados consigam por seus imóveis em conformidade com a lei. Porém, quando se fala em regularização fundiária urbana, o que se tem em mente é, mais do que a situação individual de cada interessado, a legalização conjunta de  numerosos imóveis. Ou seja: no sentido aqui empregado, regularização fundiária urbana quer dizer um conjunto de medidas (jurídicas, sociais, urbanísticas e ambientais) que sirvam para trazer à legalidade um grande número de moradias.
 
Como se determina esse conjunto de medidas, então?
 
Justamente por querer que a regularização abranja todas essas variadas providências é que a Medida Provisória fala na elaboração de um projeto de regularização, que deve prever todas as medidas necessárias para a urbanização da área. Isso já estava previsto na Lei 11.977/2009, no Provimento n. 44, de 18.3.2015, da Corregedoria Nacional de Justiça e as Normas de Serviço da Corregedoria de São Paulo, e agora, continua a ser assim, porque para adequação dos “núcleos urbanos informais” à cidade não basta só a intervenção jurídica, por exemplo: é preciso que realmente haja um plano, e que esse plano tenha em vista a correção de todos os problemas que afetam a área e a respectiva população. Note também que a regularização se divide em duas fases: uma, administrativa, em que são definidas todas as intervenções necessárias (por exemplo, o levantamento da área, as providências ambientais, o cadastro das famílias, as obras de infraestrutura por realizar etc.); a outra, registral, no cartório, em que se realizam os registros e averbações resultantes do projeto de regularização.
 
A regularização fundiária destina-se somente à legalização de áreas ocupadas por populações de baixa renda?
 
De forma alguma. Poderíamos dizer que, de fato, a legislação dá ênfase à regularização de imóveis ocupados por pessoas carentes: é o que se chama de regularização fundiária de interesse social, para a qual se concedem, sem dúvida, maiores facilitações e dispensas (quanto ao pagamento de emolumentos registrais inclusive). Porém, ao lado da regularização de interesse social, temos também aquela de interesse específico, referente a áreas ocupadas por outros grupos. Enfim: o interesse da lei é trazer para a cidade todo tipo de área irregular. Só assim se conseguirá a cidade que todos queremos.
 
O senhor poderia mencionar algumas das inovações trazidas pela Medida Provisória, no que diz respeito à regularização fundiária urbana?
 
Como eu disse, a MP 759/2016 não quis apenas consolidar a legislação vigente. Ela também trouxe inovações – e muitas. Para ser breve, menciono que o texto em discussão remodela a legitimação de posse (já prevista na Lei 11.977/2009), marcando-a mais claramente como ligada à usucapião. Ao lado da legitimação fundiária (a qual como que posterga a definitiva titulação dos interessados, pois a conversão em domínio depende do decurso do tempo necessário à prescrição aquisitiva), a MP 759/2016 cria a legitimação fundiária. Esse instituto destina-se a permitir que o Poder Público, por ato discricionário, desde logo, outorgue títulos a ocupantes de áreas públicas ou particulares. Isso é bem polêmico. Outorgar título sobre área particular é desapropriá-la, e a desapropriação só se pode fazer nas formas previstas na Constituição Federal. Por outro lado, não parece conveniente que a administração, discricionariamente, permita a transferência de bens públicos a particulares, sem que a lei forneça balizas claras para tanto. Finalmente, menciono a criação de um novo direito real, o direito de laje, destinado a regularizar edificações sobrelevadas (“uma em cima da outra”), como é comum em várias regiões do Brasil.
 
Até agora falamos na regularização fundiária. Entretanto, como já mencionado, o texto também tratou do registro de imóveis eletrônico?
 
É verdade. No artigo 54, a Medida Provisória prevê a criação de uma nova entidade, o Operador Nacional, destinado a implementar e operar o sistema de registro de imóveis eletrônico, em âmbito nacional. Uma proposta de estatutos para o novo ente já foi apresentada à Corregedoria Nacional de Justiça, que solicitou a manifestação das Corregedorias locais. Eu, particularmente, tenho muitas reservas quanto a esse dispositivo, que considero inconstitucional: uma coisa seria organizar uma coordenação central para o registro eletrônico, fundada na participação direta dos registradores e em apoio às atividades da Corregedoria Nacional; outra, bem diferente, é constituir um órgão diretivo federal do registro de imóveis eletrônico, com poderes normativos e sem interferência direta dos profissionais do registro. Isso invade a competência judiciária dos Estados e, no limite, pode ameaçar a independência dos oficiais.
 
Foi dito que a Medida Provisória está causando muita discussão. Qual é o papel da UniRegistral nesse debate?
 
A UniRegistral tem acompanhado de perto toda a discussão acerca da Medida Provisória 759/2016. É institucional a firme convicção de que os oficiais têm de ser os protagonistas de tudo o que se faz no campo de registro de imóveis. O primeiro dever de uma universidade corporativa é, então, examinar as questões, prestar informações e apresentar estudos. É isso que se tem feito, não só a respeito da MP 759/2016, mas também, de forma abrangente, com toda a problemática do registro eletrônico. Além disso, a UniRegistral tem cuidado da reciclagem dos registradores e seus prepostos, por meio do Curso de Atualização e Aperfeiçoamento em Registro de Imóveis. Vale mencionar também os quadros Minuto Registral e Jurisprudência Conectada, bem como a série Registros sobre Registros e o Pinga-fogo, que garantem o aprofundamento – ali, teórico; aqui, prático – na matéria.