INTRODUÇÃO
 
Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o acordo feito em separação ou divórcio, no que tange à partilha de bens imóveis, tem validade de escritura pública. Apesar de a mencionada interpretação afastar a necessidade de atuação do Tabelião para a lavratura da escritura pública, há situações em que a jurisprudência resolve problemas sem a necessidade de intervenção do poder Judiciário. É o caso, muito comum, em que há o acordo judicial, quando da separação ou do divórcio, mas o casal, por falta de orientação ou por esquecimento, deixa de tomar as providências para a lavratura da escritura e para o registro do título e um dos ex-cônjuges vem a falecer.
 
Para evitar o transtorno de um processo judicial, nesses casos de falecimento de um dos ex-cônjuges sem que tenha sido lavrada a escritura, o entendimento da jurisprudência que será examinada no presente artigo deve ser aplaudido.
 
A PROMESSA DE DOAÇÃO EM ACORDO JUDICIAL DE SEPARAÇÃO OU DIVÓRCIO
 
Quanto ao tema “promessa de doação”, leciona o Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, em obra coordenada por Miguel Reale e Judith Martins-Costa, que a única hipótese de promessa de doação que tem sido tolerada pela jurisprudência é aquela correspondente a situações comuns nos processos de separação ou divórcio, em que os cônjuges separandos ou divorciandos celebram acordo perante o juízo da vara de família, assumindo o compromisso de doar a totalidade ou parte dos bens do casal para os filhos.
 
Esclarece o doutrinador que a referida promessa não constitui apenas uma liberalidade, mas uma forma de superar o impasse na sua partilha em proveito da paz familiar e social, razão pela qual tem sido garantida a sua exigibilidade concreta:
 
“(…) A única hipótese de promessa de doação que tem sido tolerada pela jurisprudência são aquelas situações comuns nos processos de separação em que os cônjuges separandos celebram acordo perante o juízo da vara de família, assumindo o compromisso de doar a totalidade ou parte dos bens do casal para os filhos (…). Buscando um consenso jurisprudencial, a 2ª Seção do STJ, composta pelas duas turmas indicadas, superou a divergência, firmando-se no sentido da validade e da eficácia do compromisso de transferência de bens assumido pelos cônjuges na separação do casal (…) Efetivamente, mostra-se mais correta a orientação traçada pela 2ª Seção do STJ, na linha dos precedentes da 3ª Turma, pois esse compromisso assumido por qualquer dos cônjuges no processo de separação, de doação dos bens integrantes do patrimônio do casal aos filhos, não constitui apenas uma liberalidade, mas uma forma de superar o impasse na sua partilha em proveito da paz familiar e social. Por isso, deve ser garantida a sua exigibilidade concreta. Portanto, embora não se reconheçam, em regra, efeitos para o pactum donando no direito brasileiro, tem sido atribuída eficácia ao compromisso de doação de bens assumido por qualquer dos cônjuges no processo de separação do casal. Finalmente, essa mesma orientação tem plena aplicação não apenas nos casos de separação, mas também nos processos de divórcio (…).” (Contratos Nominados II – Contrato Estimatório, Doação, locação de Coisas, Empréstimo: Comodato e Mútuo, 2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, págs. 85-86 – grifou-se)
 
Theotonio Negrão, em seus comentários ao caput do art. 541 do Código Civil de 2002 (art. 1.168 do Código Civil de 1916), esclarece que: “a doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular”, cita, ainda, a seguinte ementa: “Admite-se doação dos pais aos filhos, no acordo de separação judicial, servindo a carta de sentença como título para o registro de imóveis (RT 613/261, JTJ 259/374)” (Código Civil e legislação civil em vigor, Ed. Saraiva, 33ª edição, Editora Saraiva, pág. 244 – grifou-se).
 
A propósito, no sentido de que a promessa de doação de bens, formalizada em ação de divórcio não seria passível de retratação ou arrependimento por parte do doador, comportando execução específica, seguem as seguintes ementas de acórdãos do STJ, com grifos nossos:
 
“CIVIL. PROMESSA DE DOAÇÃO VINCULADA À PARTILHA. ATO DE LIBERALIDADE NÃO CONFIGURADO. EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. A promessa de doação feita aos filhos por seus genitores como condição para a obtenção de acordo quanto à partilha de bens havida com a separação ou divórcio não é ato de mera liberalidade e, por isso, pode ser exigida, inclusive pelos filhos, beneficiários desse ato. Precedentes. Recurso Especial provido” (REsp nº 742.048/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 24/04/2009 – grifou-se).
 
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ACORDO CELEBRADO EM SEPARAÇÃO CONSENSUAL. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. DOAÇÃO. ÚNICA FILHA. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE VALIDADE. EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência desta eg. Corte já se manifestou no sentido de considerar que não se caracteriza como ato de mera liberalidade ou simples promessa de doação, passível de revogação posterior, a doação feita pelos genitores aos seus filhos estabelecida como condição para a obtenção de acordo em separação judicial. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no REsp nº 883.232/MT, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/02/2013, DJe 26/02/2013 – grifou-se).
 
No acórdão abaixo, o STJ expressamente declara que, doado o imóvel ao filho do casal, por ocasião do acordo realizado em autos de separação consensual, “a sentença homologatória tem a mesma eficácia da escritura pública”:
 
DIREITO CIVIL – SEPARAÇÃO CONSENSUAL – PARTILHA DE BENS – DOAÇÃO PURA E SIMPLES DE BEM IMÓVEL AO FILHO – HOMOLOGAÇÃO – SENTENÇA COM EFICÁCIA DE ESCRITURA PÚBLICA – ADMISSIBILIDADE.
Doado o imóvel ao filho do casal, por ocasião do acordo realizado em autos de separação consensual, a sentença homologatória tem a mesma eficácia da escritura pública, pouco importando que o bem esteja gravado por hipoteca.
Recurso especial não conhecido, com ressalvas do relator quanto à terminologia.(REsp 32.895/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2002, DJ 01/07/2002, p. 335)  – grifamos.
 
E o recentíssimo acórdão abaixo reproduzido demonstra que o entendimento do STJ continua o mesmo:
 
REsp 1537287 / SP
RECURSO ESPECIAL
2014/0219737-5
Relator(a)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147)
Órgão Julgador
T3 – TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento
18/10/2016
Data da Publicação/Fonte
DJe 28/10/2016
Ementa
“RECURSO  ESPECIAL.  DIREITO  CIVIL.  DIREITO  DE  FAMÍLIA.  DIVÓRCIO CONSENSUAL. PARTILHA DE BENS. ACORDO. DOAÇÃO AOS FILHOS. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL.  SENTENÇA  COM  EFICÁCIA  DE  ESCRITURA PÚBLICA. FORMAL DE PARTILHA. REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. POSSIBILIDADE.
1.  Não  constitui ato de mera liberalidade a promessa de doação aos filhos  como  condição  para  a  realização  de  acordo  referente à partilha  de  bens  em  processo  de separação ou divórcio dos pais, razão  pela  qual pode ser exigida pelos beneficiários do respectivo ato.
2.  A sentença homologatória de acordo celebrado por ex-casal, com a doação  de  imóvel  aos  filhos  comuns, possui idêntica eficácia da escritura pública”. – grifamos
 
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem seguido a determinação do Superior Tribunal de Justiça, como demonstram as ementas dos acórdãos abaixo reproduzidas:
 
Processo: Agravo de Instrumento-Cv 1.0223.08.244907-3/002
0661933-29.2016.8.13.0000 (1)
 
Relator(a): Des.(a) Moacyr Lobato Data de Julgamento: 10/02/2017
Data da publicação da súmula: 21/02/2017
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO À PENHORA. BEM IMÓVEL. DOAÇÃO REALIZADA  EM ACORDO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL HOMOLOGADO POR SENTENÇA. VALIDADE. REGISTRO CARTORÁRIO. DISPENSABILIDADE. CONSTRIÇÃO INDEVIDA. CARACTERIZAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DA PENHORA. NECESSIDADE.

– Mostra-se válida e configura ato jurídico perfeito a doação realizada pelos pais aos filhos por meio de acordo celebrado em processo de separação consensual, devidamente homologado por sentença, por possuir mesma eficácia da escritura pública.

– A ausência da averbação da doação de imóvel por ocasião da partilha de bens em ação de divórcio homologado judicialmente, é irrelevante em relação à sua penhora, eis que não mais integra o patrimônio do devedor. (sem grifos no original)
 
Do voto, extrai-se a seguinte parte, essencial para o esclarecimento da eficácia do acordo: “Não deve ser ignorado que faltou à doação em questão a devida formalização cartorial do ato, todavia, a razão não está com o recorrente, haja vista entendimento dos Tribunais Superiores no sentido de que o registro do ato jurídico afigura-se prescindível para aferição de sua validade nas hipóteses em que a doação encontra-se inserida em acordo de separação judicial, homologado por sentença.” – grifos nossos.
 
No mesmo sentido os seguintes acórdãos, também do TJMG:
 
Processo: Apelação Cível 1.0557.09.011787-9/001
0117879-57.2009.8.13.0557 (1)
 
Relator(a): Des.(a) Mauro Soares de Freitas Data de Julgamento: 26/08/2010
Data da publicação da súmula: 02/09/2010
Ementa: Processual Civil e Direito Civil. Divórcio consensual. Partilha de bens. Doação de bem imóvel. Sentença homologatória. Eficácia translativa. Precedente: “”Doado o imóvel ao filho do casal, por ocasião do acordo realizado em autos de separação consensual, a sentença homologatória tem a mesma eficácia da escritura pública, pouco importando que o bem esteja gravado por hipoteca. (…)”” (STJ – 3.ª Turma, REsp 32895 / SP, rel. Ministro Castro Filho, DJ 01/07/2002 p. 335). 2. Recurso provido. – grifamos
 
Processo: Apelação Cível
 
1.0000.00.253117-6/000
2531176-69.2000.8.13.0000 (1)
 
Relator(a): Des.(a) Francisco Lopes de Albuquerque Data de Julgamento: 25/06/2002
Data da publicação da súmula: 28/06/2002
Ementa: ACORDO JUDICIAL HOMOLOGADO – COISA JULGADA – PROMESSA DE DOAÇÃO – AÇÃO DE ANULAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE.
Tendo transitado em julgado a sentença que homologou acordo celebrado nos autos de ação de divórcio e traduzido em promessa de doação de imóvel, por parte dos cônjuges, aos filhos do casal, juridicamente inviável é o pedido de anulação do ato jurídico rotulado de doação, sobretudo porque esta não se aperfeiçoou. – grifamos
 
CONCLUSÃO
 
Em conclusão, pois, a única hipótese de promessa de doação que tem sido admitida pela doutrina e pela jurisprudência é aquela correspondente a situações comuns nos processos de separação ou divórcio, em que os cônjuges separandos ou divorciandos celebram acordo perante o juízo da vara de família, assumindo o compromisso de doar a totalidade ou parte dos bens do casal para os filhos, o que não constitui apenas uma liberalidade. O acordo é uma forma de superar o impasse na partilha em proveito da paz familiar e social, razão pela qual tem sido garantida a sua exigibilidade concreta, possuindo o acordo eficácia de escritura pública e podendo ser levado diretamente ao registro de imóveis, notadamente no caso de um dos ex-cônjuges já ter falecido sem que a escritura fosse lavrada.