A finitude, em todas as formas que ela pode vir a se apresentar e, principalmente, na velhice, chegavam a me assustar. A minha participação no curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, do Cogeae PUC/SP, foi uma grata surpresa. O conhecimento acalma a alma.
O objetivo deste texto é possibilitar um entendimento sob o ponto de vista jurídico e pessoal do “Testamento Vital”, bem como esclarecer a legalidade da Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM).
O testamento gerontológico está publicado na íntegra na Revista Portal de Divulgação, N. 53, e tem como objetivo esclarecer, orientar e até ser um guia para a elaboração de um documento que expresse a vontade de cada um quanto à forma e ao tratamento que deseja receber ou NÃO receber diante das adversidades da vida.
No caso menciono a hipótese de doenças crônicas, doenças incapacitantes, estado vegetativo, acidente que impossibilite a pessoa de se manifestar sobre o que deseja, bem como quando se apresentar em sua finitude e, portanto seu estado físico biológico esteja se definhando, deseja que a ortotanásia, que consiste no processo de morte natural, ou seja, ao invés de se prolongar o processo de morte, o médico permita que este siga o seu curso natural, mas de forma confortável e sem dor.
A seguir alguns trechos do meu testamento:
Declara que a velhice que poderá vir acompanhada de demência, doenças degenerativas, falta de lucidez e incapacidade, doenças inerentes ao envelhecimento biológico do corpo e mente da declarante não seja prolongada por quaisquer equipamentos médicos para alongar a sua sobrevida…
Declara que prolongar indefinidamente o funcionamento dos órgãos vitais de seu corpo, sem que haja a possibilidade de cura ou melhora do quadro clínico, com o fim apenas de se tentar o inevitável, impedindo o processo de morte natural, é ferir a dignidade enquanto ser humano, o que poderá vir a acarretar ação indenizatória…
O respeito a estas diretrizes antecipadas possibilita o seu direito de escolha e ainda poderá aliviar a ansiedade, medos e dúvidas de seus familiares. Esta possibilita ainda o respaldo legal à equipe médica para a tomada de decisões em situações conflitivas, como a Lei 10.741, de 1º. De outubro de 2002, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências, que reza: “Artigo 10: É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” A Lei 10.241/199 do Estado de São Paulo, reza ainda:“ Artigo 2º.: São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo:…VI – receber informações claras e objetivas e compreensíveis sobre:…g) no caso de procedimentos de diagnósticos invasivos, a necessidade ou não de anestesia, o tipo de anestesia a ser aplicado, o instrumental a ser utilizadas, as partes do corpo afetadas, os efeitos colaterais, os riscos e consequências indesejáveis e a duração esperada do procedimento.”…J) alternativas de diagnósticos e terapêuticos, no serviço de atendimento ou em outros serviços…… VII) consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados. ”…
Portanto fica claro e evidente que o médico não pode se “empoderar” para dizer se este ou aquele paciente deverá ser submetido a qualquer tratamento médico contra a sua vontade e contra as diretrizes manifestada neste, sob pena, repete, de ser processado em Ação Indenizatória, buscando assim a tutela judicial, seus familiares que entenderem haver motivos para que esta declaração de vontade, nesta expressa, não seja ou não tenha sido levado em conta, ferindo a sua autonomia da vontade, o princípio da dignidade humana e, a proibição de submissão de quem quer que seja a tratamento desumano e degradante (artigo 1º. Inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil).
O não cumprimento destas diretrizes poderá ser entendido como crime contra qualquer equipe médica ou auxiliares de enfermagem que estejam lhe atendendo.
A declarante não deseja morrer mal, com dor, cheia de tubos enfiados por todos ou parte dos seus orifícios em condição degradante e em sofrimento.
Por fim roga a todos os que tiverem a oportunidade de lerem este que respeitem a sua velhice, o estado de velho de seu corpo físico e mental e, entendam que o velho é um ser humano que tem vontades e desejos e que não é necessariamente chato ou resmungão. O seu futuro hoje é estudar o envelhecimento e não deseja que ao ingressar em estado “encacado” (jargão médico), ou seja, uma complicação após a outra, sejam administrados medicamentos ou condutas médicas que possam evitar a chegada natural da morte da declarante.
As afetividades construídas durante a vida é que irão delimitar a sua velhice. Declara que o envelhecimento ativo, quanto à segurança e à participação, saúde e educação é o desejável, mas imprevisível. Não deseja gritar de forma inaudível estas diretrizes. O velho precisa de cuidados assim como todos.
(*) Maria Beatriz Morato Gagliardi – Advogada. A escrita do Testamento Gerontológico foi estimulada durante o Curso de Extensão – Fragilidade na Velhice. Gerontologia Social e Atendimento, da PUC/SP (Cogeae), no primeiro semestre de 2017. E-mail [email protected]