O tema é polêmico, mas falar sobre a morte é preciso. Morte com autonomia, de preferência. Instituído há cinco anos, o testamento vital, espécie de garantia de que a vontade do paciente tem seu valor, ainda enfrenta resistência de médicos e familiares dos pacientes. Também faltam serviços especializados em cuidados paliativos no Brasi. Levantamento feito pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) detectou a oferta de equipes especializadas em apenas 126 centros em todo o país, o que corresponde a uma oferta por apenas 2% de todos os hospitais brasileiros.
 
Quando nada mais é possível e não há perspectiva de cura, o que você prefere? O testamento vital, segundo o vice-presidente da ANCP, André Filipe Junqueira dos Santos, ajuda exatamente nesses casos. Trata-se de uma forma de assegurar um processo de fim de vida mais tranquilo para a equipe multidisciplinar, para a família e, principalmente, para o paciente.
 
Por que é importante fazer o testamento vital?
 
Embasado por resolução do Conselho Federal de Medicina sobre Diretivas Antecipadas de Vontade, o testamento vital permite que uma pessoa manifeste sobre que tratamentos deseja que sejam realizados, ou não, diante de uma doença crônica em fase terminal. O documento serve para garantir que as vontades do paciente sejam respeitadas pela equipe médica e para diminuir a angústia dos familiares em tomada de decisões difíceis em um momento crítico de saúde.
 
Quais as regras que devemos seguir ao elaborar o documento, ou melhor, como fazer para valer?
 
O mais importante é que o declarante detalhe quais procedimentos deseja ou não que sejam realizados e quais valores ele deseja que sejam respeitados. Essas manifestações devem ser alinhadas com o tratamento da doença a que a pessoa está submetida, preferencialmente.
 
Que profissional é preciso consultar, ou quem pode ajudar na elaboração do documento?
 
O ideal é que um médico de confiança ajude a pessoa a preencher esse documento. Entretanto, o testamento pode ser desconsiderado nos casos em que o médico entenda que o procedimento possa contribuir para o tratamento do paciente ou que represente uma infração ao Código de Ética Médica.
 
Os médicos já sentem segurança em seguir as vontades eventualmente declaradas pelos pacientes?
 
Infelizmente, ainda não. Poucos médicos conhecem as resoluções e documentos que abordam o testamento vital. Existe uma grande dificuldade na aplicação das diretivas por conta do baixo fluxo de informação que se tem sobre esse instrumento. Além disso, não há uma legislação específica no país sobre o assunto, e muitos médicos se queixam dessa falta de amparo legal. A ausência da lei e a falta de conhecimento de aspectos técnicos e éticos contribuem para a pouca difusão dessa forma de expressão de vontade.
 
Que orientação esses profissionais têm recebido para evitar conflito com familiares de pacientes?
 
O Conselho Federal de Medicina e os conselhos regionais têm publicado material para orientação do médico. É fundamental também que os hospitais promovam educação e treinamento para suas equipes.
 
Os hospitais brasileiros estão preparados para garantir cuidados paliativos
 
Estudos internacionais demonstram que a presença de equipes de cuidados paliativos no Brasil ainda é muito pequena. Em grande parte, são pequenos e serviços isolados. A ANCP fez um levantamento em 2016 que encontrou pouco mais de 126 serviços de Cuidados Paliativos no Brasil. Considerando que temos mais de 5000 serviços hospitalares é possível estimar algo em torno de 2% dos hospitais com equipe de Cuidados Paliativos.
 
Há algum risco para o paciente?
 
O testamento vital é uma garantia de expressão da cidadania de uma pessoa em um processo de fim de vida. O risco maior é ela ser submetida a tratamentos desnecessários que ao invés de ajudá-la irão prolongar o seu sofrimento e de seus entes queridos. O documento deve estar alinhado com boas práticas de medicina visando controle de sintomas, conforto e dignidade.