Por contra do forte dirigismo presente nas normas agrárias que regem os contratos, observamos que o Estado por vezes mingua o interesse das partes contratantes, tendo o escopo de defender os interesses do trabalhador rural[1]. Um dos princípios basilares da prática civilista pura — princípio da autonomia da vontade, aqui, no ramo do Direito Agrário, encontra baliza pela norma, ao impor limites à remuneração nos contratos de arrendamento rural.[2]
Via de regra, o limite máximo é de 15% do valor cadastral do imóvel rural para a fixação da contraproposta num contrato de arrendamento rural, a ser pago em dinheiro[3][4]. Dito valor cadastral do imóvel rural, pode ser interpretado como o valor atribuído pelo proprietário, ao bem imóvel, quando da declaração cadastral[5] no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para fins de Imposto Territorial Rural (ITR), conforme reza o inciso XII, do art. 95, do Estatuto da Terra, abaixo transcrito:
XII – a remuneração do arrendamento, sob qualquer forma de pagamento, não poderá ser superior a 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, incluídas as benfeitorias que entrarem na composição do contrato, salvo se o arrendamento for parcial e recair apenas em glebas selecionadas para fins de exploração intensiva de alta rentabilidade, caso em que a remuneração poderá ir até o limite de 30%.
Da leitura da parte final do inciso supra, não se exige maiores reflexões para perceber o alongamento do percentual mínimo, para o seu dobro, leia-se, 30% como limite máximo, quando da exploração intensiva de alta rentabilidade em glebas selecionadas e parcial. Quer dizer que, em áreas de alta produtividade, o percentual poderá dobrar, auferindo, de tal modo, maior renda às partes.
Entretanto, uma ressalva merece guarida. Suponha-se que em uma mesma área maior, existem dois contratos de arrendamento rural firmado pelas mesmas partes. Em um deles, a terra não tem as características e condições para enquadrar o limite dobrado de 30% do valor cadastral do imóvel, devendo, portanto, limitar-se aos 15% legais. Já a outra gleba arrendada atende de pleno às requisições da norma, podendo chegar ao limite de 30% sobre o valor do ITR. Pois bem, a soma dos limites de ambos contratos, não poderá ultrapassar o limite de 15%[6]. Esse cuidado que o legislador teve é justamente para evitar qualquer manobra para burlar o limite legal.[7][8]
O jurista Arnaldo Rizzardo, em sua obra[9], nos traz a informação de que é aceita “a fixação do valor em consonância com o valor real da terra, se desatualizado o valor cadastral para efeito de incidência do Imposto Territorial Rural, como já se apregoava antiga jurisprudência[10]”.
Portanto, para que seja distanciado um eventual conflito vindouro, decorrente de qualquer dúvida acerca dos limites remuneratórios, é de extrema importância que, no contrato de arrendamento rural firmado, as partes consignem tal circunstância.
O Regulamento do Estatuto da Terra, no artigo 17 e parágrafos, também trata dos limites do percentual remuneratório para as áreas rurais objeto de contrato de arrendamento.
Vejamos o que diz o § 3, do art. 17, do Regulamento:
§ 3º Para a área não arrendada, admite-se um preço potencial de arrendamento, que será de 15% (quinze por cento) do valor mínimo por hectare estabelecido na Instrução Especial do IBRA, aprovada pelo Ministro do Planejamento, na forma prevista no parágrafo 3º do art. 14 do Decreto 55.891, de 31 de março de 1965.
O que a norma pretende com esse dispositivo é, em áreas em que não houve arrendamento, ou se deu de forma parcial, sobrando um remanescente, sendo o caso de ampliação do contrato ao restante do imóvel, o limite para o preço da área, deverá respeitar o limite de 15% (quinze por cento) do valor mínimo do hectare, estabelecido na Instrução Especial[11] do Incra (antigo IBRA), inclusive pelo Ministério do Planejamento.[12]
E não diferente do que já foi dito, o parágrafo 4º do artigo 17, do Regulamento, também contempla que o somatório do preço potencial de arrendamento da área não arrendada com as áreas arrendadas, não poderá exceder o preço máximo de arrendamento da área total do imóvel, leia-se, 15% do valor da terra nua[13] mais as benfeitorias incluídas no contrato.
Por fim, o reajuste do preço ou remuneração vem elencado no § 1º e 2§, do art.16, do Decreto 59.566/66, respectivamente transcritos: “Poderão os contratos ser anualmente corrigidos a partir da data da assinatura, na parte que se refere ao valor da terra, de acordo com o índice de correção monetária fornecida pelo Conselho Nacional de Economia e divulgado pelo IBRA”.
“Nos casos em que ocorrer exploração de produtos com preço oficialmente fixado, a relação entre os preços reajustados e os iniciais, não poderá ultrapassar a relação entre o novo preço fixado para os produtos e o respectivo preço na época do contrato”.
Quando não houver cotações de preços de mercado dos produtos, deverá ser levado em conta, para fins de ajustes, o preço praticado à época do contrato e o preço praticado nos dias atuais.[14]
O supracitado parágrafo 2º do artigo 16 do Decreto 59.566/66 estabelece que a relação entre o preço atualizado e o preço de início deverá ser mantida, mesmo em se tratando de produtos com preços fixados nos índices oficiais, tudo para que haja uma equivalência e razoabilidade na relação jurídica.[15]
Salvo melhor doutrina, Arnaldo Rizzardo[16] entende que “é possível adotar outras formas, como a correção monetária seguindo a variação do IPC, do IGP-M, ou de conformidade com os índices da valorização da terra. ” O jurista afirma que “o critério que se mostra mais prático é tomar em consideração o aumento do Imposto Territorial Rural, apurado através do confronto dos valores constantes nos respectivos talonários de lançamento, ou a média aritmética entre este índice e o de corrente da fixação para os produtos agrícolas explorados na área. ”
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[1] Vejamos trecho extraído do julgado do E.TJRGS: “[…] A legislação aplicável aos contratos de arrendamento rural é o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) e seu Regulamento, o Decreto 59.566/66. A revisão e alteração judicial dos contratos é possível, a fim de que a execução contratual siga o que determina a lei, nos limites do necessário e imprescindível equilíbrio contratual, devendo ser excluídas as cláusulas abusivas, que onerem excessivamente uma das partes. Os contratos agrários possuem uma conotação de justiça social. Os dispositivos legais aplicáveis ao tema objetivam a proteção contratual daqueles que detém a força de trabalho, em detrimento dos proprietários ou possuidores rurais permanentes. Os contratos agrários devem ser norteados pela lei. O dirigismo estatal, neste caso, relativiza a autonomia de vontade, com o objetivo de restabelecer-se o equilíbrio na execução contratual. Nos contratos em que é arrendada a área total do imóvel, o arrendamento não pode ultrapassar o patamar de 15% do valor da terra nua. Este valor deverá ser aquele constan Rural e aceito para Cadastro de Imóveis Rurais do IBRA, hoje INCRA, constante do recibo de pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR), nos termos dispostos no parágrafo primeiro do art. 17 do Decreto 59.566/66. Não há que se compensar o valor da benfeitoria construída pelo arrendatário nos montantes referentes aos locativos, pois ao final da relação contratual, o arrendatário terá direito à indenização correspondente. […]” (Apelação Cível 70006530935, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado 22/10/2003)
[2] BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 9. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 152.
[3] “Assim, o preço do arrendamento além de ter que ser ajustado em dinheiro, não pode ultrapassar o valor de 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, nisto acrescendo o valor das benfeitorias que entrarem na composição do contrato. ” (BORGES, Antonino Moura. Estatuto da Terra comentado e Legislação Adesiva. 2ª ed. Campo Grande; Contemplar, 2014. p. 298.)
[4] “Como existe obrigatoriedade de que este valor seja em dinheiro, tem-se que o percentual deverá corresponder a uma importância fixa dentro do limite daquele valor atribuído pelo arrendador quando da declaração cadastral ao INCRA. A cláusula obrigatória, se desrespeitada, é causa de nulidade absoluta. Dessa forma, fixar-se-a a remuneração do arrendamento em percentual sobre a colheita ou em produto é nulificar-se o contrato. Sem remuneração, o arrendatário pode desobrigar-se, pedindo ao Poder Judiciário que o fixe, se não houver acordo com o arrendador. ” (BARROS, op. cit. p. 152.)
[5] “Cadastro rural é a prestação variada e completa de informações do proprietário, ou quem quer que esteja na posse permanente do bem, sobre tudo que existir no imóvel rural. Essas informações são obrigatórias, de onde se pode concluir que o imóvel rural, além do registro no Cartório de Registro de Imóveis, necessita de registro cadastral para merecer proteção jurídica”. (BARROS, BARROS, op. cit. p. 152).
[6] “Por forçado art. 17, § 1º, do Regulamento, a percentagem não pode exceder a 15%. Esta regra é aplicação do art. 95, inc. XII, da Lei n. 4.504/64 (ET), em que se fixa o preço do arrendamento, que não pode exceder de 15% do valor cadastral do imóvel, incluídas as benfeitorias que entram na composição do contrato. Quer dizer isto que os 15% são calculados sobre o valor do imóvel e valor das benfeitorias que compõem o contrato de arrendamento? O regulamento dividiu o imóvel em duas partes: a terra nua e as benfeitorias, para efeito do cálculo do preço do arrendamento. Este se calcula tomando-se o valor cadastral do imóvel e, após, das benfeitorias, que são incluídas para a fixação desse valor cadastral do imóvel arrendado. Os 15% são triados da soma da terra nua e depois das benfeitorias, conforme o certificado cadastro do imóvel (STJ, 3ª T., REsp 641.222/RS, DJ de 23-8-2004, p. 236); ou então, conformeo Regulamento, multiplicando-se o valor do imóvel, conforme cadastro, por 15%, ter-se-á o preço do arrendamento da terra nua e, após, multiplicando-se o valor cadastral das benfeitorias, por 15%, ter-se-á o preço do arrendamento das benfeitorias. Somados os dois resultados, ter-se-á o preço legal do arrendamento. Por exemplo: a terra nua está cadastrada em R$ 100.000,00 e as benfeitorias em R$ 50.000,00; temos que o preço do arrendamento será de R$ 15.00.00 + R$ 7.500,00 = R$ 22.000,00 anuais, pagos antecipadamente ou não, conforme a convenção das partes, no contrato, ou conforme os usos locais, se este não for escrito. Também se pode calcular o preço do arrendamento, multiplicando 15% por R$ 50.000,00. ” (OPITZ, Silvia C. B. Curso completo de direito agrário. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 430.)
[7] BORGES, Antonino Moura. Estatuto da Terra comentado e legislação adesiva. 2. ed. Campo Grande; Contemplar, 2014. p. 298.
[8] E nesse sentido, endossa a jurisprudência gaúcha, vejamos: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO AGRÁRIO. ARRENDAMENTO RURAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL DOS CONTRATOS. VALOR DOS ARRENDAMENTOS. PREÇO ESTABELECIDO EM PRODUTO AGRÍCOLA, E NÃO EM DINHEIRO. DESOBEDIÊNCIA AO ARTIGO 18 DO DECRETO NÚMERO 59.566/66. APLICAÇÃO DO ARTIGO 95, XII, DA LEI NÚMERO 4.504/64. VALOR EM EXECUÇÃO. DÉBITO EXISTENTE. RECÁLCULO DO VALOR EXEQÜENDO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. A legislação aplicável aos contratos de arrendamento rural é o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) e seu Regulamento, o Decreto 59.566/66. A revisão e alteração judicial dos contratos é possível, inclusive em sede de embargos de devedor, a fim de que a execução contratual siga o que determina a lei, nos limites do necessário e imprescindível equilíbrio contratual, devendo ser excluídas as cláusulas abusivas, que onerem excessivamente uma das partes. Os contratos agrários possuem uma conotação de justiça social. Os dispositivos legais aplicáveis ao tema objetivam a proteção contratual daqueles que detêm a força de trabalho, em detrimento dos proprietários ou possuidores rurais permanentes. Os contratos agrários devem ser norteados pela lei. O dirigismo estatal, neste caso, relativiza a autonomia de vontade, com o objetivo de restabelecer-se o equilíbrio na execução contratual. É nula a cláusula que estabelece o preço do arrendamento rural em produtos agrícolas, e não em dinheiro, segundo preceituado no artigo 18 do Decreto número 59.566/66. Precedente do STJ. Nos contratos em que é arrendada a área total do imóvel, o arrendamento não pode ultrapassar o patamar de 15% do valor da terra nua, nos termos do art. 95, XII, da Lei número 4.504/64. Este valor deverá ser aquele constante na Declaração de Propriedade de Imóvel Rural e aceito para Cadastro de Imóveis Rurais do IBRA, hoje INCRA, constante do recibo de pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR), nos termos dispostos no parágrafo primeiro do art. 17 do Decreto número 59.566/66, devendo ser recalculado o valor exeqüendo, em liquidação de sentença. Restando incontroverso que os valores adiantados pelo arrendatário já foram compensados com valores devidos, referentes a períodos nos quais o locatário permaneceu usufruindo do imóvel rural, não há declarar como não-devido o valor exeqüendo por causa de adiantamentos de locativos. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível 70008832362, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 26/04/2006).
[9] RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 468.
[10]“A melhor interpretação do art. 95, XII< do Estatuto da Terra, e do art. 17, § 1.º, do Dec. 59.566/66, é aquela que admite a incidência percentual sobre o valor real da terra, e não sobre aquele lançado no cadastro, normalmente desatualizado, seja por inércia do proprietário, seja por inércia do órgão público encarregado da fiscalização, seja mesmo pela inflação galopante que assola a este país. Se com a desatualização do valor cadastral o proprietário pagou menos imposto do que devia, é problema a ser enfrentado pelo órgão competente. O que não se pode é, por essa razão, penalizá-lo com renda insignificante, iníqua, até. O preço do arrendamento é limitado em função do valor cadastral do imóvel, Este, porém, deve corresponder ao valor da terra nua. Não o sendo, tem de ser atualizado ao invés de se reduzir o preço do aluguel (…) O certificado do Incra, além de ser elemento meramente probatório e não ad solemnitatem, tem pouca importância para a decisão da causa, dado que o percentual previsto na legislação citada deve incidir sobre o valor real do imóvel arrendado.” (TARGS, ApCiv 185029345, 2.ª Câm. Civ., j. 03.09.1985, v;i;. rel. Cacildo de Andrade Xavier, Julgados do Tribunal de Alçada do RGS 57/169)
[11] “Existe uma classificação de valores de terras em todas as regiões do País, feita pelo INCRA, que serve, de base para as suas concessões de terras e outros atos de ação do Órgão, portanto, cremos que a Instrução Especial é um critério de valor de preço de mercado de imóveis”. (BORGES, Antonino Moura. Estatuto da Terra comentado e legislação adesiva. 2. ed. Campo Grande; Contemplar, 2014. p. 381).
[12] BORGES, op. cit. p. 381.
[13] “Terra nua é aquela que não tem benfeitorias, conforme a classificação feita no art. 24 do Regulamento ou, caso as tenha, são ínfimo valor econômico, que não podem ser levadas em consideração no contrato. ” (OPITZ, Silvia C. B. Curso completo de direito agrário. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 429.).
[14] BORGES, Antonino Moura. Estatuto da Terra comentado e legislação adesiva. . 2. ed. Campo Grande; Contemplar, 2014. p. 351.
[15] BORGES, Antonino Moura. Estatuto da Terra comentado e legislação adesiva. . 3. ed. Campo Grande; Contemplar, 2014.. p. 379.
[16] RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 470.