(O registro de imóveis e os títulos materiais inscritíveis: a locação – parte 6)

Des. Ricardo Dip

775. Em posição contraposta à de Afrânio de Carvalho, assim já o referimos, Elvino Silva Filho entenda caiba, ainda de lege lata, no Brasil, o registro imobiliário do leasing.

Disse ele que o leasing envolve contratos distintos unificados, segundo a maior parte da doutrina brasileira, em um negócio jurídico complexo que reúne uma locação, uma promessa unilateral de venda e uma operação financeira, figuras estas vinculadas a uma finalidade, o financiamento de bens produtivos (o autor remete-se neste passo, de modo especial, a texto de Celso Benjó, “O leasing na sistemática jurídica nacional e internacional”). E, prosseguiu Elvino Silva Filho, seja a compra e venda de imóvel, seja sua locação, seja, por derradeiro, a opção de compra do prédio pelo arrendatário, são títulos que justificam o acesso do leasing ao registro de imóveis.

Invocou, nesta linha, o disposto no art. 167 da Lei brasileira 6.015, de 1973, que, em seu inciso I, além de alistar o registro “da compra e venda pura e da condicional” (item 29), contempla ainda o registro “dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada” (item 3º) e o “dos contratos de compromisso de compra e venda de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações” (item 9º). Depois de mencionar o texto do art. 242 da mesma Lei 6.015 (“O contrato de locação, com cláusula expressa de vigência no caso de alienação do imóvel, registrado no Livro nº 2, consignará também, o seu valor, a renda, o prazo, o tempo e o lugar do pagamento, bem como pena convencional”), Elvino Filho rematou –acenando também ao disposto no art. 1.197 do Código civil brasileiro de 1916 (que corresponde à norma do art. 576 do vigente Cód.civ.: “Se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro”):

“Por aí se vê que tanto a locação, com cláusula de vigência em caso de alienação do imóvel locado (…), como a promessa de venda com cláusula de arrependimento têm ingresso no Registro de Imóveis. Ambos são contratos que geram direitos exclusivamente pessoais, e não direitos reais, e, apesar disso, são recebidos no Registro de Imóveis.”

Daí que, já num primeiro aspecto, sustente o autor que, admitindo-se o registro imobiliário da locação, não se possa recusar o registro do leasing, no ofício predial, desde que o contrato “contenha a cláusula de plena vigência (da locação) em caso de alienação do imóvel”.

Além disso, remetendo-se à norma do art. 5º da Lei brasileira 6.099/1974 –que prescreve, de modo obrigatório, a cláusula de opção de compra, pelo arrendatário, do imóvel objeto do leasing–, Elvino Silva Filho, observando que essa opção de compra guarda correspondência com a promessa unilateral de venda pelo arrendante, nisto vê fundamento bastante para invocar, em benefício da inscrição imobiliária do leasing, o amparo da regra do item 9º do inciso I do art. 167 da Lei 6.015/1973, que prevê o registro dos compromissos de compra e venda.

Em prol do entendimento desfiado por Elvino Silva Filho, um acórdão (AC 2.642-0, julg. 17-10-1983) do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo (Relator o Des. Bruno Affonso de André), firmando-se na cindibilidade dos títulos, admitiu o registro de compra e venda, objeto de leasing, sem que os demais capítulos do negócio complexo acedessem ao registro.

776. Persiste uma questão. Não é a mesma coisa admitir, assim o decidiu o Conselho paulista, no precedente apontado, o registro predial de partes (ou capítulos) do leasing imobiliário, e, diversamente, permitir o registro sic et simpliciter do leasing.

Com efeito, acolhida a cindibilidade do título, a inscrição de uma ou mais de suas partes (enquanto partes) –p.ex., o capítulo da compra e venda, o da locação ou o da opção de compra– não corresponde à admissão do registro do todo, enquanto tal.

A jurisprudência administrativa parece tender à recusa do registro integral do leasing no ofício imobiliário, e ao tema parece sugestiva uma apreciação sob os prismas da utilidade e da coerência sistemática.

Que os registros de uma compra e venda de imóvel, de sua opção de compra (ainda que se diga por outro ângulo: de sua promessa de venda) e de sua locação sejam úteis, isto, além de ser notório na história dos negócios jurídicos entre os homens, tem-se à mostra, em particular, para ficarmos com o caso brasileiro, da só leitura da vigente Lei de registros públicos, tal já ficou visto: inciso I do art. 167 da Lei 6.015 –itens 29 (compra e venda), 9º (compromisso de compra e venda) e 3º (locação de prédios). Que, ademais, tendo imóveis objeto, devam, quando não exclusiva, preferencialmente, dirigir-se ao ofício imobiliário é doutrina comum, a que já concorrera, de há muito, a lição de Philadelpho Azevedo, ao tratar do registro dos arrendamentos, acusando o autor a

“(…) gravíssima falha de incluir no Registro especial de títulos e documentos a inscrição desses arrendamentos (…). O que o Código exige para a locação assumir efeitos reais é a sua ciência por todos, mas, tratando-se de incidência direta sobre a cousa e imóvel, qual o meio seguro de fazê-la conhecer com eficiência? Evidentemente o Registro Geral de Hipotecas, criado exclusivamente com o intuito de tornar pública a condição de cada imóvel, o seu proprietário e os ônus reais que o afetam, de onde a predominância do aspecto real, como prova a tendência exclusivista os registros por indicações reais (…)”.

E prossegue Philadelpho, observando que o registro no ofício imobiliário é “feito na comarca da situação do imóvel”, ao passo que, admitido o registro das locações em títulos e documentos, a inscrição poderia realizar-se “sem limitação de lugar”, o que, é de convir, em um País de dimensão imensa –tal o Brasil–, traduzir-se-ia em graves dificuldades, embora superáveis com um sistema informatizado.

Para subsidiar a maior utilidade do registro do leasing imobiliário no ofício predial cabe ainda o socorro da coerência sistemática, uma vez que não parece forrar-se de razoabilidade admitir que se institua um título válido e conjecturalmente eficaz que agrega, de modo negocial complexo, transferência de propriedade de imóvel (compra a venda), promessa de sua alienação e seu arrendamento, ao tempo mesmo em que se interdita a constituição dos direitos seu objeto. Vale dizer, reconhecer-se-ia juridicamente a potência aquisitiva de direitos, mas se negaria a possibilidade de sua passagem ao ato, ou seja, sua atualização mediante o registro.

Parece, com efeito, não se justificar a estrita redução textualística ao rol do inciso I do art. 167 da Lei brasileira 6.015, porque esta literalidade não atende ao comércio jurídico, à utilidade das inscrições e à lógica mesma do sistema de instituição e constituição de direitos imobiliários.