“Percebi que poderia ser útil mesmo após a morte”, relata o técnico em enfermagem aposentado Aparecido Rubio de Araújo, de 59 anos, que se comprometeu a doar o corpo para a Universidade Estadual de Maringá (UEM) após a morte. Até hoje, 29 pessoas fizeram registro de doação para a instituição. Dessas, três já faleceram e os corpos encontram-se armazenados nos laboratórios.
 
O primeiro registro de doação de corpo para a UEM foi feito em 1999. Aparecido Rubio de Araújo foi o segundo, tendo realizado o registro em março de 2000. Natural de Santa Fé, ele mora em Maringá há mais de 30 anos. A vontade de doar o próprio corpo surgiu quando ele tinha apenas 14 anos.
 
“Durante uma aula de ciências em 1975, quando estudávamos o corpo humano, surgiu essa vontade, e eu consegui realizar aos 39 anos. Quando procurei o professor Eduardo Veiga da UEM e falei que tinha vontade de doar, ele achou que eu estava brincando. Na época não era algo comum, e o processo foi um pouco lento”, relatou em entrevista ao GMC Online.
 
Como é alérgico a alguns medicamentos, Aparecido Rubio de Araújo carrega uma carteirinha com os nomes das substâncias. Nela, também está registrado que seu corpo deve ser doado após a morte.
 
Doar o corpo
 
Pelo artigo 14 da Lei nº 10.406/2002, “é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo”.
 
E doar o próprio corpo para a ciência é, de fato, um ato de altruísmo, como explica Tânia Regina dos Santos Soares, professora do Departamento de Ciências Morfológicas (DCM) da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
 
“Os corpos doados vão possibilitar às instituições de ensino superior manter e melhorar a qualidade do ensino de anatomia. Doar o corpo é um ato de amor e contribui para o progresso da medicina e para melhoria da qualidade dos profissionais da saúde”, destaca.
 
De acordo com ela, corpos doados para a ciência contribuem de inúmeras formas. Veja algumas delas:
 

  • Permitem que os profissionais de saúde desenvolvam novos procedimentos cirúrgicos, cada vez mais eficientes e menos agressivos e invasivos;
  • Contribuem para pesquisas relacionadas, por exemplo, ao conhecimento das variações anatômicas existentes nos indivíduos, ao estudo de alguma patologia que o doador possuía, à descrição de estruturas não totalmente elucidadas até o momento, entre outros;
  • Possibilitam a realização de pesquisas relacionadas à antropologia forense, ciência que ajuda a identificar características diferenciais nos indivíduos.  Isso contribui, por exemplo, na identificação de corpos em acidentes aéreos, entre outras situações.
  • Médicos residentes podem aprender e treinar os diversos procedimentos de saúde que são fundamentais para suas especialidades.

 
Os corpos doados ficam armazenados em tanques contendo uma solução de formol e são utilizados para pesquisa durante anos. “Temos corpos que estão há trinta anos no nosso laboratório. O tempo de uso depende de uma série de fatores, como a causa da morte, o tempo decorrido entre a hora do óbito e a preparação do corpo por meio de técnicas de conservação, o manuseio do corpo durante as aulas e pesquisas, entre outros”, detalha a professora.
 
Segundo Tânia Regina Soares, na maior parte das instituições de ensino superior, o ensino da anatomia é feito por meio da utilização de corpos de pessoas que faleceram e que não foram procuradas por amigos ou familiares. Pela Lei nº 8.501/1992, esses cadáveres podem ser utilizados para ensino e pesquisa.
 
Como doar
 
Para realizar a doação de corpo em vida é necessário ser maior de 18 anos. O doador deverá dirigir-se a um cartório, com duas testemunhas, munidos dos documentos pessoais, para realizar o termo de intenção ou escritura pública. No documento, deve constar que deseja fazer a doação do corpo para fins de estudo e pesquisa para a UEM ou para outra instituição de ensino superior.
 
Também é possível realizar doação de corpo pós-morte, por meio da autorização de familiares. “A família pode fazer essa doação pós-morte em respeito à vontade do falecido. A pessoa pode ter mencionado que gostaria que seu corpo fosse doado, mas nunca efetivou isso no cartório. Ou pode ser que a pessoa não quisesse ser enterrada, ou por motivo religioso”, explica Tânia.
 
Não é permitida doação de corpo em caso de morte violenta ou suicídio.