Lidar com a ideia da própria morte não é nada agradável, mas é indispensável pensar sobre ela quando se almeja a elaboração eficaz de um planejamento sucessório
 
O impacto que a pandemia da covid-19 ocasionou mundialmente é imensurável e, diante desse cenário, algumas reflexões ganharam relevo. Uma delas refere-se a como a fragilidade da vida pode impactar a família na ocorrência da ausência definitiva em razão do falecimento. Este tema foi tratado em nota técnica da 18ª Carta de Conjuntura do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs). Diferentemente da crença de grande parcela da população, o planejamento sucessório não é dedicado apenas a pessoas com idade avançada ou enfermos à beira da morte. Tampouco somente aos que possuam um patrimônio vultoso. Assim, o testamento se mostra eficiente até mesmo para pessoas jovens que detêm um pequeno patrimônio.
 
A sociedade latino-americana tem a cultura da sucessão hereditária bastante enraizada, entretanto, com os altos índices de contágio e de mortalidade pelo coronavírus, que já ultrapassam 580 mil no Brasil, pessoas detentoras de patrimônio passaram a se preocupar com a sucessão de seus bens. Tal preocupação trouxe um aumento da sucessão testamentária, visando a deixar a transmissão do patrimônio organizada, especialmente porque esse momento é difícil para a família, pois, além da perda do ente querido, muitas vezes se vê sem recursos para realizar a sucessão.
 
É indiscutível que lidar com a ideia da própria morte não é nada agradável, mas é indispensável pensar sobre ela quando se almeja a elaboração eficaz de um planejamento sucessório. Sendo assim, a adoção de atos destinados à organização estratégica na transmissão causa mortis mostra-se necessária, dando espaço à realização do planejamento sucessório patrimonial.
 
São inúmeros os motivos que conduzem o indivíduo a assumir uma postura ativa em relação à destinação de seus bens. Isso porque planejamento sucessório permite que o titular do patrimônio beneficie determinadas pessoas, identifique potencial e liderança, reduza possíveis conflitos e busque vantagens econômicas e procedimentais.
 
Então, serão diversas as possibilidades de utilização do testamento, entre elas nomear herdeiros e legatários, destinar bens a pessoas determinadas, excluir parentes colaterais, estabelecer cláusulas de incomunicabilidade, reconhecer filhos, instituir condomínio edilício. Importante ressaltar que, enquanto o testador estiver vivo e capaz, pode revogar o testamento a qualquer tempo.
 
Em muitos casos, apenas a utilização do testamento já é o suficiente. Mas, a depender dos objetivos buscados, pode ser necessário o emprego de outros instrumentos, em razão até mesmo de algumas restrições à liberdade de testar, principalmente a proteção à legítima, que restringe o direito de dispor em testamento em 50% do patrimônio quando há herdeiros necessários.
 
Além disso, outros podem optar por deixar aos seus herdeiros capital ao invés de bens, garantindo liquidez e benefícios fiscais, como os fundos de investimentos, ações, seguros de vida e os planos de previdência privada.
 
Entre as finalidades mais buscadas com o planejamento sucessório destacam-se os benefícios econômicos, vez que a elaboração estratégica da sucessão pode diminuir as despesas dos herdeiros com a transferência do patrimônio, especialmente as tributárias, valendo ressaltar que alguns instrumentos podem se mostrar mais vantajosos que outros.
 
No direito sucessório brasileiro a transferência de patrimônio em decorrência do falecimento da pessoa natural é tributada por meio do ITCMD, que é um imposto estadual, não possuindo uma alíquota idêntica em todo território nacional. Atualmente a alíquota aplicada no Estado de São Paulo é de 4%, por exemplo.
 
No caso do testamento, o imposto incidente em nada se difere do que recai sobre o processo de inventário. Por consequência, o testamento não será muito eficaz quando o anseio do autor da herança for unicamente de caráter econômico.
 
Apesar de a doação também sofrer a incidência do ITCMD, essa tributação pode apresentar vantagens econômicas sobretudo aos donatários, uma vez que o titular do patrimônio antecipa o recolhimento do imposto.
 
Do mesmo modo, a constituição de holding pode promover a redução ou a isenção do imposto incidente na transmissão causa mortis. Porém, a administração de uma holding traz diversas despesas que também devem ser mensuradas e analisadas.
 
Vale frisar que o planejamento sucessório deve ser realizado por meio de condutas lícitas, garantindo que o contribuinte exerça o seu direito de ordenar suas condutas de modo que os custos tributários com a sucessão causa mortis sejam reduzidos dentro da legalidade.
 
Em que pese a relevância e vantagens do testamento para o planejamento sucessório, a sucessão testamentária ainda tem pouca expressividade no Brasil se comparada à totalidade das sucessões. Contudo, a elaboração de testamento vem crescendo nos últimos anos como consequência das diversas transformações sociais e econômicas. Desse modo, atualmente destacam-se os impactos causados pela covid-19 como principal responsável pelo crescente interesse da população.
 
Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, foram lavrados no estado 9.967 testamentos no ano de 2019, enquanto em 2020 esse número subiu para 10.640. À primeira vista, o aumento de 6,75% pode parecer inexpressivo. Todavia, considere-se que durante 2020 o estado passou longo período de quarentena.
 
Ainda segundo os dados do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, de janeiro a junho de 2020 foram lavrados 3.935, ante 5.384 no mesmo período de 2021 – ou seja, um aumento de 36,82% na elaboração de testamentos o estado.
 
Diante disso, é possível constatar uma mudança de comportamento em relação à sucessão patrimonial. Esse fato pode ser apenas o início de uma mudança cultural, podendo vir a ascender a partir do momento que for visto como um meio de gestão patrimonial. De certo, a viabilidade do planejamento sucessório depende do conhecimento dos anseios, preocupações e necessidades do autor do patrimônio, além da escolha dos herdeiros, da abrangência do patrimônio, dos objetivos pretendidos, das limitações impostas pelo direito brasileiro e da escolha dos instrumentos jurídicos aptos a propiciar a sua concretização, sendo necessário conhecimento dos instrumentos passíveis de utilização e uma análise comparativa.