A propriedade de qualquer bem deve obedecer a regras estabelecidas para seu uso
 
Nesta semana, a ideia é, a partir de um caso hipotético, discutir temas conexos e que envolvam mais de um instituto. Então vamos lá.
 
Marcela (nome fictício), reside com seu cônjuge e três filhos em uma casa na beira da rodovia MG-10. A família foi quem construiu a casa e, com muito esforço, adquiram um veículo que guardam na rua de trás do imóvel e utilizam para uso próprio e, ainda, como transporte de aplicativo, o que lhes permite uma renda além dos outros trabalhos desenvolvidos.
 
Contudo, em um belo dia, Marcel lê no jornal que o Estado irá “tomar as casas” das pessoas que residem no bairro dela para ampliar a rodovia, bem como construir um hospital público. Preocupada, ela brevemente procura saber quais seriam os seus direitos e um vizinho a informa para que fique tranquila, já que todo proprietário de imóvel é indenizado e que o Estado não pode fazer isto.
 
Passados alguns dias, inicia-se uma movimentação maior no bairro de Marcela e o veículo da família foi danificado. Ela então procura saber o que ocorreu e é informada que muitas pessoas ligadas ao Estado transitam no local. Prontamente busca um corretor de seguros para proteger o veículo, mas tem como retorno a negativa da seguradora, com a justificativa de que o local de guarda não é adequado.
 
Diante de todos esses episódios, cumpre discutir o que é direito e o que é conversa popular em toda a situação.
 
Primeiramente, vale esclarecer que existem, sim, limitações ao Direito de Propriedade capazes de significarem até a perda do próprio bem. O Direito de Propriedade é respaldado pelo ordenamento jurídico, especialmente no artigo 1.228 do Código Civil:
 
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
 
Verifica-se que o proprietário pode utilizar, retirar os frutos do bem, como no caso de aluguel e colheita de frutos naturais, pode alienar (vender ou doar) e buscar a coisa em nome de quem a indevidamente possua.
 
Contudo, o próprio dispositivo já traz hipóteses de limitação do direito de propriedade:
 
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
 
§ 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
 
O caso de Marcela se encaixa na hipótese do parágrafo terceiro supra indicado.
 
E, nesse sentido, vale conferir o artigo da doutora Arlete C. M. Barbone, Formas de intervenção do Estado na propriedade privada:
 
“De acordo com a legislação vigente, pode-se admitir duas formas básicas de intervenção estatal na propriedade privada, quais sejam: a intervenção restritiva (que ocorre quando o poder público impõe restrições e condições ao uso da propriedade, sem retirá-la de seu dono) e a intervenção supressiva (quando o poder público transfere a propriedade de um bem de terceiro para si).”
 
O texto esclarece as possibilidades e consequências, de modo que Marcela não pode contar com a fala do seu vizinho de que “o Estado não pode fazer isso”.
 
Por outro lado, eventual desapropriação garantiria à Marcela uma indenização, certo? Depende… É preciso verificar se ela realmente é a “dona”. Nesse caso, um ditado popular se aplica à risca: “Só é dono quem registra”. Tratando-se de bem imóvel com valor superior a 30 salários mínimos, a transferência da propriedade somente ocorre com a escritura pública lavrada em cartório.
 
“Desta forma, o registro é o documento responsável por dar publicidade ao ato de compra e venda e ao nome do legítimo dono do imóvel, resguardando assim a transmissão da propriedade e os direitos do comprador, bem como apontar a existência de eventuais indisposições e ônus real sob o imóvel, tais como a hipoteca, penhora, arresto, entre outros.”
 
O trecho acima foi retirado do artigo da doutora Eliza Moura Navarro Novaes, Registro Imobiliário: características e efeitos na compra e venda de imóveis que esclarece todo o trâmite de transferência de propriedade de bem imóvel.
 
Assim, Marcela deve conferir se a escritura do lote realmente está em seu nome antes de se intitular “dona” do imóvel, mesmo tendo construído sua casa, visto que, em regra, o dono do terreno será o titular de tudo que neste se edificou.
 
Por fim, quanto ao seguro, conforme a doutora Sandy Rodrigues Santos escreve no artigoDireitos e deveres no contrato de seguro de automóveis, vários fatores devem ser observados em um contrato de seguro de veículo e a negativa da seguradora pode ocorrer, desde que respeitados os desdobramentos citados no texto.
 
A vantagem de se ter um seguro é que existem algumas formas de se exigir, após a devida contratação, o pagamento da indenização por danos causados ao automóvel:
 
“E por último, mas não menos importante, caso a seguradora se negue a cumprir com suas obrigações é possível recorrer diretamente a Susep, daí a importância de verificar se a seguradora contratada possui autorização do órgão para funcionar.
 
Além de reclamações administrativas, o Judiciário também poderá ser envolvido, caso seja necessário discutir pontos que demandem maior dilação probatória. Sempre que preciso procure um especialista na área, para que seu direito não seja lesado.”
 
E, para dar um final à nossa história, Marcela não conseguiu contratar o seguro, mas não foi desapropriada, visto a inexistência de causa legal apta a respaldar o Estado. De toda forma, ela correu e regularizou o imóvel, visto que o terreno havia sido adquirido do seu cunhado, mas não tinha sido transferido para ela…