Fraudar a partilha pode configurar violência patrimonial, conforme art. 7°, IV, da Lei Maria da Penha
Um dos temas que mais envolvem discussões no âmbito dos processos de divórcio é a partilha dos bens. Há processos que chegam a durar décadas, fato que impõe ao hipossuficiente, em geral, à mulher uma desvantagem negocial exorbitante, além de facilitar o acometimento de fraudes, desvios patrimoniais e frustração da partilha por aquele que esteve na gestão dos bens do casal, muitas vezes exercendo exclusivamente o controle do patrimônio e das contas da família.
Antes de avançar no tema, importante destacar que embora a fraude patrimonial no momento do divórcio possa ser praticada por qualquer dos cônjuges, ela é muito mais comum – em números – contra as mulheres, motivo pelo qual adotaremos essa ótica, sem desprezar que a violência possa ser praticada também contra homens.
Mas o que é a violência patrimonial?
Segundo o art.7°, IV, da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), a violação patrimonial consiste em “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.”
Veja que a violência patrimonial é definida como qualquer conduta que subtraia intencionalmente bens, direitos e valores da mulher.
No caso dos divórcios, como antes da partilha não há individualização na propriedade dos bens, subtrair ou reter qualquer um dos bens que componha o patrimônio do casal, que ainda será partilhado, poderá ser entendido como ato de violência patrimonial.
Violência patrimonial no âmbito dos processos de família
Atitudes abusivas do ex-cônjuge em relação à mulher com a intenção de frustração da partilha ou de apropriação indevida dos bens para si podem configurar atos de violência patrimonial, incutidos na Lei Maria da Penha.
É o caso, por exemplo, daquele que – por deter as senhas das contas bancárias – saca os valores depositados que seriam partilhados pelo casal, vende bens sem a autorização do outro antes da partilha, aluga imóveis recebendo o proveito exclusivo do bem (com a recusa da partilha), destrói objetos pessoais, enfim, adota condutas que geram a subtração do bem ou do direito da mulher sobre o bem.
Como não existe um rol que especifique quais as condutas geram a violação patrimonial (já que seria impossível antever todas as práticas possíveis), qualquer ato pelo divorciando que impacte na frustração dos direitos da mulher aos bens ou aos próprios bens, em si considerados, poderá ser configurado como ato de violência patrimonial com repercussões criminais no âmbito da Lei Maria da Penha.
E como agir no caso de violência patrimonial no curso do processo de divórcio?
Antes de pensar na providência a ser tomada no caso de violência patrimonial, é importante destacar a importância da comprovação dos fatos que ensejaram a violação.
Por isso, quando possível, é importante que a mulher faça provas acerca dos desvios dos valores das contas bancárias, das vendas de bens, objetos destruídos, entre todas as coisas.
Obviamente, a comprovação deve ser realizada dentro do limite do possível naqueles casos onde a destruição possa ser fotografada ou a mulher tenha acesso às contas bancárias. Em caso contrário, é possível o requerimento de medidas específicas ao Judiciário.
Comprovada a prática de violência patrimonial, o Juízo pode determinar medidas que visem à cessação imediata dos atos para garantia dos direitos da mulher. O art. 24 da Lei Maria da Penha traz algumas medidas que podem ser deferidas de forma exemplificativa, cabendo outras hipóteses a depender da situação concreta:
I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
Na prática, é possível tantas outras medidas quanto sejam necessárias para a cessão da violência, tais como inversão da posse dos bens, bloqueios patrimoniais, entre outras.
Some-se a isso a importância de que a mulher denuncie à prática da violência criminal perante a autoridade policial e que o advogado defensor peça a comunicação ao Ministério Público para a apuração da conduta delitiva.
Conclusões
Como se pôde perceber, em razão de uma série de peculiaridades que envolvem desde a eficiência da entrega do bem da vida pelo Judiciário quanto a estrutura história das famílias, não é incomum vermos a prática de violência patrimonial contra as mulheres no âmbito nos processos de família, em especial, divórcios.
O reconhecimento da violência pela ofendida é de extrema relevância para a proteção jurídica, sendo de igual importância a preparação dos profissionais que atuam nesta seara como advogados, promotores e juízes para que possam dar efetividade ao direito fundamental proclamado pela Lei 11.340/06.