Municípios e o Distrito Federal criaram, há anos, mecanismo invencível que propicia o aumento da arrecadação do ITBI, imposto devido pela transferência de bens imóveis, em valores milionários.

 

Leis municipais estabelecem que o ITBI somente será calculado sobre o valor pelo qual o imóvel foi vendido se o valor for superior ao valor pelo qual o imóvel foi avaliado pelo ente público.

 

O que ocorre na grande maioria das vezes é que as avaliações feitas pelo ente público são incompatíveis com os valores de mercado dos imóveis, já que desconsideram as oscilações de mercado e as características/estado de conservação dos imóveis.

Em São Paulo, há bairros, como o Morumbi, em que se nota uma diferença para cima de mais de 600% entre o valor de mercado dos imóveis e o valor fixado, para fins de ITBI, pelo município.

 

Embora exista a possibilidade de o contribuinte impugnar a avaliação realizada pelo ente público, o processo administrativo acontece antes do recolhimento do imposto, e é extremamente moroso, circunstância que acaba por compelir o contribuinte a realizar o pagamento do imposto em valores indevidos, tendo em vista os prazos previstos no instrumento de compra e venda e as consequências atribuídas ao comprador em caso descumprimento.

Esse procedimento representa gritante violação aos artigos 35 e 148 do Código Tributário Nacional.

 

O Código Tributário Nacional considera a base de cálculo do ITBI como o valor venal do imóvel. Valor venal nada mais é do que o valor pelo qual o imóvel é vendido em condições normais de mercado.

 

Essa mesma Lei Federal estabelece que somente pode ser afastado o valor declarado pelo contribuinte como base de cálculo do ITBI caso seja comprovado, em procedimento administrativo próprio, posterior ao pagamento, que as declarações são omissas ou não merecem fé, nos termos do artigo 148.

 

Isso quer dizer que o contribuinte deve declarar o valor da transação e recolher o imposto sobre a quantia, sendo que a homologação do lançamento, por sua vez, dependerá da inércia do ente público em questionar o lançamento no prazo de cinco anos, ou após o pagamento de quantia adicional, se comprovado, em procedimento administrativo específico, que os valores consignados no instrumento não refletem a realidade.

 

Os municípios, porém, ignoram o texto legal e adotam, antes mesmo da declaração do contribuinte, valor prévio sobre qual o imposto deve ser pago.

 

Em outras palavras, os municípios presumem a má-fé de todos os contribuintes que adquirem imóveis em valores inferiores aos valores de avaliação, negando fé a declarações idôneas de preço.

 

No cenário atual, desvirtua-se por completo o procedimento previsto na Lei Federal, atribuindo ao contribuinte o ônus de comprovar que os valores de avaliação não representam os valores de mercado dos imóveis, ônus esse, repita-se, atribuído por lei aos Municípios, a quem cabe refutar a declaração feita pelo contribuinte e comprovar que a declaração não merece fé.

 

O procedimento administrativo previsto em Lei é realizado sempre após o recolhimento do imposto, com o intuito de majorá-lo, de modo que a imposição de valor diverso daquele declarado pelo contribuinte em momento anterior à emissão da guia de ITBI é ilegal.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido da necessidade de abertura de processo administrativo para que a Administração Tributária possa arbitrar valor diverso daquele apresentado pelo contribuinte para efeito de base de cálculo.

 

Infelizmente, alguns tribunais interpretam que a avaliação prévia dos imóveis pelo ente público não representa ilegalidade, tendo em vista a possibilidade de impugnação administrativa pelo contribuinte.

 

Felizmente, no início no mês, com o objetivo de uniformizar a jurisprudência dos tribunais, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, em Recurso Especial julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, que:

1) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

 

2) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do CTN);

 

3) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

 

A decisão representa um passo importantíssimo para que finalmente os municípios e o Distrito Federal adequem as suas leis ao regramento previsto no Código Tributário Nacional, e deixem de impor o pagamento do ITBI sobre quantia previamente atribuída aos imóveis e em valores superiores aos valores de mercado.

 

Ana Carolina Osório é advogada, especialista em Direito Imobiliário e sócia do escritório Osório Batista Advogados.

 

Fonte: ConJur

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