É preciso combater mitos para que ignorância sobre serviços notariais não se perpetue, escreve Rogério Bacellar

 

“Quando você admite a ignorância, você está abrindo a porta da sabedoria”. A frase do filósofo grego Sócrates deveria hoje estampar a vida fugaz dos dias atuais. Cairia como uma luva nas lacrações das redes sociais, nos discursos raivosos que substituíram os debates do saber, na repetição de lugares comuns superficiais disfarçados de conhecimento profundo e que só contribuem para a manutenção da ignorância social.

 

É o caso do propagado debate em torno da existência dos cartórios, por muitos chamados de “jabuticabas brasileiras”, em razão de “só existirem no Brasil” e de passarem de pai para filho. Desconhecimentos transmitidos de geração para geração sobre os “milionários donos dos cartórios”, que impedem o conhecimento profundo do tema por meio da repetição constante e desvirtuada da realidade, que todos deveriam conhecer.

 

Sócrates diria que “a sabedoria começa na reflexão” e que “o verdadeiro conhecimento vem de dentro”. Ir mais a fundo do que a superficialidade do senso comum pode nos levar a debates mais construtivos sobre paradigmas instalados e considerados verdades absolutas por aqueles que navegam em águas rasas. Um olhar atento sobre os serviços notariais e registrais no Brasil mostrará que a realidade dos fatos destoa do que é constantemente apregoado e que a segurança jurídica emprestada em cada ato praticado nos cartórios do país só é reconhecida quando falta, assim como o ar que respiramos.

 

Mas antes de irmos à sua importância, vamos aos fatos. É puro desconhecimento a afirmação de que os cartórios só existem no Brasil. Uma rápida busca no Google já nos mostraria que eles existem em outros 91 países do mundo que praticam o mesmo modelo da atividade notarial brasileira, o direito continental ou latino.

 

Entre os países que adotam o mesmo modelo notarial brasileiro estão França, Itália, Alemanha, Espanha, China, Rússia, Japão, entre outros. Juntos, eles representam 7 das 10 maiores economias do mundo, 22 dos 27 países que compõem a União Europeia e 15 dos 20 países que compõem o G20, atendendo a 2/3 da população mundial e representados por uma entidade internacional denominada União Internacional do Notariado (UINL). Quem conhece o custo e não abre mão de segurança jurídica.

 

Mas, se formos além do Google, e quisermos buscar mais à fundo a estruturação desta atividade, é certo afirmar que ela está presente em todos os países do mundo, apenas variando-se, nos países de direito anglo-saxão (ainda não o somos), a instituição responsável por exercer tal atribuição.

 

Em países como os Estados Unidos por exemplo, a profissão de notário e de registrador estão presentes. O 1º tem sua atribuição dividida em duas categorias, a primeira exercida por cidadãos habilitados em provas específicas, e a segunda delegada a empresas privadas – as title Company – que realizam os atos imobiliários e embutem seguros em suas transações com resultados desanimadores em termos de segurança jurídica, e trágicos em custo, tornando a operação de compra e venda muito mais cara.

 

O 2º, exercido pelas Prefeituras, nos faz pensar como seria o martírio de um cidadão ter que comparecer à municipalidade para registrar um filho ou uma propriedade. A prestação pública dos serviços de saúde, educação, habitação e saneamento e os custos dobrados de pagar impostos e contratar serviços privados de planos de saúde e escolas particulares nos dão a dimensão que esta mudança traria a nosso país.

 

Seguindo o caminho dos fatos, rankings que tratam da arrecadação dos cartórios e os comparam equivocadamente a orçamentos de ministérios omitem a verdade absoluta de que arrecadação não significa rendimento, deixando pairar no ar a confusão e o desconhecimento ao só jogar números ao vento e deixar vaga a sua interpretação.

 

A realidade factual já é conhecida por aqueles que não pretendem desinformar. Cerca de 30% dos valores pagos pelos usuários e computados como faturamento bruto dos cartórios do Brasil no portal Justiça Aberta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), correspondem na verdade a repasses a mais de 77 diferentes órgãos públicos que recebem percentuais embutidos nas taxas cartorárias, entre eles o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, Estados e municípios. Em 2022, estes repasses totalizaram quase R$8 bilhões.

 

Mas ainda há mais a ser revelado. Além dos repasses legais a órgãos públicos, os cartórios, por serem delegações exercidas em caráter privado, por profissionais do Direito que foram aprovados em concurso público realizado pelo Poder Judiciário (opa, não passam de pai para filho!), devem arcar com os próprios custos de funcionamento, o que inclui salários e encargos trabalhistas de funcionários, custos com o imóvel onde está situado, tributos, inovação tecnológica, despesas como insumos como energia, água, internet e equipamentos, além de todo o material de expediente.

 

Este custo, todo privado e que não onera em nada o Poder Público em cada um dos 5.565 municípios brasileiros corresponde, segundo estudo conduzido pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR), a 35% da arrecadação de uma unidade, o que em 2022, totalizou R$ 9 bilhões em todo o país. O Estado, em suas 3 esferas, nada gasta, diferentemente disso, arrecada e é servido por notários e registradores que fiscalizam, gratuitamente, recolhimento de diferentes tipos de impostos a todo o Poder Público.

 

Há muito mais a saber. Os cartórios hoje são o principal fator de contribuição para a desjudicialização no Brasil. Pergunte a quem se divorciou se é mais vantagem esperar um ano no Judiciário ou realizar o ato em um dia no cartório. Ou a quem esperava 15 anos para ver um inventário concluído e hoje tem a situação solucionada em 30 dias. Alterações de nome, usucapião, retificações de registros, cobrança de certidões de dívida ativa, apostilamento, adjudicação compulsória. Não faltam exemplos de como os cartórios se mostraram uma alternativa mais barata e eficiente para atender o cidadão.

 

Por fim, mas não como ponto final do que é preciso revelar sobre estes serviços tão importantes para a manutenção dos negócios jurídicos pessoais e patrimoniais das pessoas. Hoje, quase 100% dos serviços dos cartórios podem ser realizados de forma online, inclusive o reconhecimento de firma para transferência de veículos. Detrans que suprimiram esta exigência, hoje sofrem com fraudes constante e trazem prejuízo à suas unidades federativas. Mais uma prova de que o desconhecimento não pode ser perpetuar.

 

Rogério Bacellar – 73 anos, é formado em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba e tabelião de protesto do 6º Tabelionato de Protesto de Curitiba. Atualmente, preside a Anoreg/BR (Associação dos Notários e Registradores do Brasil), da CNR (Confederação Nacional de Notários e Registradores).

 

Fonte: Anoreg/BR

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