Este artigo explora o uso do usucapião como uma possível solução para a regularização de imóveis localizados em loteamentos irregulares

 

A ação de usucapião se destina a regularizar a titularidade de imóvel – existente ou não seu assento no Registro Imobiliário (Cartório do RGI) – mediante a comprovação do preenchimento dos requisitos legais fundados na situação fática (posse).

 

Que seja capaz dada a sua especial qualificação (animus domini), pelo exercício durante tempo necessário exigido por Lei, a conduzir a essa forma de aquisição da propriedade imobiliária legal e constitucionalmente admitida.

 

Usucapião

 

Como sempre falamos aqui, Usucapião surge/acontece quando alcançado o preenchimento dos requisitos legais.

 

Não é a sentença judicial e muito menos o ato extrajudicial do Oficial do RGI que faz nascer o instituto: isso de fato acontece quando o interessado consegue reunir e preencher todos os requisitos legais.

 

A importância da sentença (na modalidade judicial da usucapião) ou do ato extrajudicial do oficial do RGI (na sua modalidade extrajudicial) está em permitir através deles a outorga da publicidade, da oponibilidade e da disponibilidade patrimonial daquele que agora é o novo proprietário do imóvel.

 

Além do óbvio: conferir segurança jurídica ao reconhecimento da usucapião – tanto judicial quanto extrajudicialmente.

 

Sentença Judicial

 

No que diz respeito à sentença judicial é preciso pontuar ainda um importante detalhe: sem o registro no cartório do RGI ela não consegue conferir as referidas virtudes àquele que através do “decisum” tem seu direito reconhecido.

 

Como acontece com diversas pretensões outras que são reconhecidas judicialmente, o assento registral ora discutido nesse caso será necessário para conferir, por exemplo, a irradiação dos efeitos da publicidade registral e seus demais consectários.

 

Ponto interessante também nas questões relativas à Usucapião diz respeito aos imóveis situados em “loteamentos irregulares”.

 

Seria possível manejar a Usucapião Judicial (ou mesmo a Extrajudicial, sem processo judicial, diretamente nos Cartórios Extrajudiciais) para fins de regularização (e com isso conseguir o tão sonhado “RGI”) mesmo em se tratando de loteamento irregular?

 

A resposta é positiva e encontra respaldo tanto na doutrina quanto na melhor jurisprudência. Segundo lição dos especialistas Kümpel e Ferrari Tratado de Direito Notarial e Registral. 2020) citando a doutrina de J.M. TOSSI, temos que:

 

“O loteamento será irregular se o empreendimento, embora aprovado pelo Poder Público, tiver sido implantado: (i) sem o devido registro imobiliário; (ii) em desacordo com a aprovação concedida, ou (iii) sem obediência ao cronograma de obras”. Logo, a regularidade do loteamento está atrelada, entre outros fatores, à sua situação perante o registro imobiliário”.

 

Usucapião de imóveis situados em loteamentos irregulares

 

A doutrina ora citada também defende, com reconhecido acerto, a plena possibilidade de Usucapião de imóveis situados em loteamentos irregulares. Na obra já citada os autores sustentam que:

 

“A irregularidade ou clandestinidade do parcelamento não impede, por si só, a usucapião de lote ou parcela do terreno. (…) Impedir a usucapião em razão da irregularidade ou clandestinidade do parcelamento poderia inviabilizar a regularização do imóvel e do domínio, em detrimento da função social da propriedade”.

 

De fato, como se observa no estudo do instituto, não há mesmo na lei qualquer exigência – salvo aquelas expressas do par. Único do art. 191 e §3º. Do art. 183 da CRFB que dizem respeito a imóveis públicos.

 

Para que o imóvel objeto da pretensão aquisitiva embasada na Usucapião esteja antes “perfeitamente regularizado” junto ao RGI ou a qualquer outro cadastro, ou repartição pública.

 

Ora, até mesmo os imóveis sem qualquer origem ou matrícula registral podem ser adquiridos originariamente pela via da Usucapião! Os mesmos autores decretam:“

 

“O direito do usucapiente não deriva do direito preexistente e, portanto, não limitada pela irregularidade deste”.

 

Loteamento Irregular

 

Nesse sentido inúmeras são as decisões dos tribunais que rejeitam eventual alegação de situação em “Loteamento Irregular” para indeferir o reconhecimento da Usucapião – decisões essas em total consonância com o paradigmático REsp 1818564/DF (tema 1025) do STJ julgado em 09/06/2021. A decisão do TJSP exarada em 27/02/2023, por exemplo, confirma a possibilidade:

 

“TJSP. 1003832 — 28.2017.8.26.0681. J. em: 27/02/2023. Apelação. Usucapião. Loteamento irregular. Admissibilidade.

 

Usucapião que é modo originário de aquisição da propriedade, inaugurando cadeia dominial, não sendo obstado pela presença de loteamento irregular. Tema 1.025 do STJ. Sentença de procedência mantida. Recurso desprovido”.

 

Por fim, necessário sempre recordar que a usucapião pode ser manejada tanto pela via judicial quanto pela via extrajudicial – sem processo judicial.

 

Com assistência obrigatória de advogado – sendo a via extrajudicial embasada no art. 216-a da lei 6.015/73 com regulamentação pelo CNJ através do provimento 65/2017 além das regulamentações locais expedidas pelas CGC de cada estado.

 

Por Julio Martins Advogado, com especialização em Direito Notarial, Registral e Imobiliário, Direito Processual Civil, Direito do Consumidor, Direito da Família, Planejamento Sucessório e Patrimonial assim como Direito das Sucessões.

 

Fonte: MV Meu Valor Digital

Deixe um comentário