Apelação Cível nº 1040524-13.2023.8.26.0100
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1040524-13.2023.8.26.0100
Comarca: CAPITAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1040524-13.2023.8.26.0100
Registro: 2023.0000956649
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1040524-13.2023.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes JOÃO ANTÔNIO ZOGBI FILHO, FABIO JOÃO ZOGBI e LAÍS HELENA ZOGBI PORTO, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITOPÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 27 de outubro de 2023.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1040524-13.2023.8.26.0100
APELANTES: João Antônio Zogbi Filho, Fabio João Zogbi e Laís Helena Zogbi Porto
APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 39.166
Registro de imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Venda e Compra – Certidão Negativa de Débito – CND – Exigência afastada, segundo atual orientação deste Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Subitem 117.1, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Apelo provido.
Trata-se de apelação interposta por JOÃO ANTÔNIO ZOGBI FILHO, LAÍS HELENA ZOGBI PORTO e FABIO JOÃO ZOGBI contra a r. sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, que manteve a recusa do registro da escritura pública de venda e compra referente aos imóveis matriculados sob nºs 124.003 e 124.004, da referida serventia extrajudicial (fls. 51/56).
Da nota devolutiva de fls. 09, que qualificou negativamente o título, constou a seguinte exigência:
“Não obstante os argumentos apresentados, constantes do requerimento formalizado nesta Capital em 23 de março de 2023, reiteramos a nota de devolução formulada anteriormente no seguinte sentido:
- Ante a impossibilidade de emissão por meio da internet (sítio eletrônico da Receita Federal do Brasil) da Certidão de Débitos Relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União, em nome da vendedora Arbus Assessoria de Empresas Eireli, deverá o interessado apresenta-la, ou se for o caso, deverá promover o aditamento da Escritura Pública apresentada a fim de que fique declarado que o imóvel integra o ativo circulante da vendedora e que nunca fez parte de seu ativo permanente.”
Alegaram os apelantes, em síntese, que não podem ser penalizados com a negativa de registro do título em razão de pendência da empresa vendedora. Aduziram que a exigência apresentada pelo Registrador contraria jurisprudência pacífica deste C. Conselho Superior da Magistratura e do C. Conselho Nacional de Justiça, que reiteradamente vêm afastando a necessidade de apresentação da certidão negativa de débito – CND em nome da alienante do imóvel para o registro da transferência de propriedade. Sustentaram que o E. Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas. Ademais, argumentaram que também deve ser afastada a exigência de declaração de que o imóvel integra o ativo circulante da vendedora e que nunca fez parte de seu ativo permanente (fls. 62/69).
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 99/102).
É o relatório.
Como se sabe, o disposto no artigo 47, I, “b”, da Lei nº 8.212/1991, não é requisito para registro stricto sensu.
A jurisprudência consolidada e reiterada deste Colendo Conselho é no sentido de que as certidões negativas de tributos federais e contribuições previdenciárias, porque não dizem respeito ao fato jurídico por inscrever, não podem ser exigidas como condição para a prática de ato de registro previsto no artigo 167, I, da Lei nº 6.015/1973. A lição está recolhida nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, e vem sendo reafirmada nos julgados deste Colegiado. Assim:
“Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.” (subitem 117.1, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça).
“Registro de Imóveis – Carta de Adjudicação – Desqualificação do título judicial, exigindo-se certidão negativa de débitos (CND) expedida conjuntamente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – Impossibilidade – Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado – Dúvida improcedente – Apelação provida.” (Apelação Cível n. 1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018, DJe 17.7.2018). Consta do voto:
“Não se justifica a exibição de CND (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários), diante da contemporânea compreensão do Colendo Conselho Superior da Magistratura, iluminada por diretriz estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (ADI n. 173-DF e ADI n. 394-STF, rel Min. Joaquim Barbosa, j. 25.9.2008), a dispensá-la, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política.” (Apelação Cível n. 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n. 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n. 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. 18.4.2013; Apelação Cível n. 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; e Apelação Cível n. 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 26.8.2014; Apelação Cível n. 14803-69.2014.8.26.0269, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 30.6.2016). Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que traduzam exercício abusivo e coercitivo de exigência de obrigações tributárias, inclusive com natureza de contribuições previdenciárias. Tal entendimento se encontra consubstanciado em enunciados da Suprema Corte (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI), conforme voto do E. Ministro CELSO DE MELLO: ‘O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da elação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso’ (STF, RE 666405/RS). Na situação em apreço, a confirmação da exigência representa indevida restrição ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua e instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos.
Caracteriza, em síntese, limitação a interesses privados e desacordo com a orientação do E. STF, à qual se alinha este Colendo Conselho Superior da Magistratura, mascarando uma cobrança por quem não é a autoridade competente, sem observância do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, certo que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado. Segundo lição de Humberto Ávila, ‘a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que – e isto é essencial – não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário.’ (Sistema Constitucional Tributário, 5ª. Ed., São Paulo. Saraiva, 2012, p. 173).”
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda – CND da Receita Federal – Exigência afastada, conforme atual orientação do CNJ, do CSM e nos termos das NSCGJ – Penhoras promovidas em execuções fiscais ajuizadas pela Fazenda Nacional – Documentos apresentados para o registro que somente autorizam o cancelamento da averbação de uma dessas penhoras – Impedimento para o registro – Dúvida procedente – Recurso não provido.” (Apelação Cível n. 1056244-85.2017.8.26.0114, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 28.6.2018, DJe 18.3.2019). Consta do voto: “O tema objeto do debate não é novo.
Tampouco existe unanimidade na doutrina quanto à possibilidade de afastamento dessa exigência pela via administrativa. Nada obstante, são diversos os precedentes deste E. Conselho Superior da Magistratura quanto à inexigibilidade da certidão negativa de tributos federais (CND) para ingresso de títulos no registro de imóveis. De fato, a exigência da CND pode configurar forma heterodoxa e atípica de exigibilidade de débitos tributários, sem o devido processo legal, em afronta à Constituição Federal, por traduzir verdadeira sanção política ao jurisdicionado. O próprio Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que traduzam exercício coercitivo de exigência de obrigações tributárias, inclusive com natureza de contribuições previdenciárias. […]. A doutrina se posiciona no mesmo sentido quanto à impossibilidade de cobrança atípica, feita em ofensa ao due process of law: ‘Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras. Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País. (…) São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros. Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal’.” (MACHADO, Hugo de Brito, Sanções Políticas no Direito Tributário, Revista Dialética e Direito Tributário n. 30, p. 46/47).
Ademais, também já decidiu o Colendo Conselho Nacional de Justiça:
“É inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos.” (Pedido de Providências n. 0001230-82.2015.2.00.0000, j. 16.9.2017, DJ 16.9.2017).
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, a fim de que se proceda ao registro pretendido.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 30.01.2024 – SP)
Fonte: DJE/SP
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