Empresas familiares predominam no Brasil (90% das empresas). Apesar da importância econômica, enfrentam desafios à perenidade. Profissionais empreendedores, como engenheiros, encaram complexidade empresarial, necessitando competências diversas

 

Segundo dados do IBGE, 90% das empresas no Brasil têm perfil familiar. Além de responderem por mais da metade do PIB, elas empregam 75% da mão de obra no país. No entanto, mesmo com toda essa relevância, essas empresas ainda convivem com inúmeros fatores críticos à perenidade de suas atividades.

 

Nossa percepção indica um nicho de mercado apreciável. O que nos leva a analisar a realidade que se apresenta àquele(a) profissional que se destacou em seu segmento de atuação e que, movido(a) por um movimento empreendedor, se lança como microempresário(a) no mundo dos negócios e passa a atuar com CNPJ e Família a reboque.

 

Imaginemos tratar-se de um engenheiro metalúrgico com competência indiscutível. Todavia entendemos que a pessoa jurídica tem sua complexidade e muitas necessidades de competências em áreas da ciência de administração. Na área industrial, os processos evoluem, no entanto, nas demais áreas, como vendas, tecnologia da informação, recursos humanos, financeiro-contábil e jurídica, para não nos alongarmos, são insuficientes: “a autoridade pessoal do ‘dono’ raramente se submete à autoridade institucional expressa nas regras, políticas, estrutura e processos do negócio (SEBRAE, 2017)1.

 

Nessa evolução, a realidade da (in)gestão empresarial se estabelece gerando um cenário estarrecedor em que as áreas não conseguem comunicar-se nem muito menos fluir em seus processos administrativos. Daí afloram enfrentamentos, fruto de posições antagônicas.

 

Chegamos até este ponto, porque precisamos tratar, neste texto, dos conflitos multidimensionais, naturalmente inerentes a este ambiente de tendências antagônicas e mutuamente excludentes. Como define Houaiss (2009)2, conflito é “ato, estado ou efeito de divergirem acentuadamente ou de se oporem duas ou mais coisas”.

 

Dessa maneira, nos expressamos de maneira incisiva no tratamento desta “moléstia”, aqui denominada conflito, e indicamos uma metodologia harvardiana comumente designada de “negociação baseada em princípios”.

 

Segundo Fisher e Ury (1985)3 e Daly (2001)4, o Projeto de Negociação de Harvard, baseado em princípios, apresenta métodos universalmente testados e aprovados, explicitamente destinados a produzir resultados sensatos, eficientes e amigáveis, e consiste em quatro pontos fundamentais:

 

P – separe as pessoas do problema, não faça julgamentos;

 

I – busque os interesses comuns e não o posicionamento;

 

C – fundamente a oferta em critérios e não em aspirações pessoais;

 

O – busque opções em conjunto e não a inflexibilidade.

 

No primeiro ponto, o ser humano está suscetível ao campo emocional com percepções, algumas vezes equivocadas, que criam armadilhas de relacionamento. A primeira impressão pode não espelhar a realidade e prejudica a desenvoltura da negociação. Seus sentimentos arraigados de imperfeições e vícios levam o ser humano a julgamentos inconsequentes, afetando o entendimento sobre temas polêmicos ou controversos.

 

Este conjunto de táticas é sobre despersonalizar o problema, mas é muito mais do que simplesmente ser agradável. Trata-se de emoções, percepções e comunicação, e como elas ajudam as partes a encontrarem soluções criativas que lhes permitam maximizar a participar do ganho (HAMES, 2012, p. 88)5.

 

O segundo ponto trata da importância de descobrir os interesses subjacentes, nem sempre percebidos. Sua exploração é parte do processo de investigação e garimpagem, presente nas entrelinhas e condição sine qua non na construção de soluções integrativas. O posicionamento tem seu lugar numa zona cinzenta e causa uma imobilidade perversa para produzir acordos saudáveis e duradouros.

 

É importante identificar os seus interesses para cada questão. Redundância ocorrerá se eles se sobrepuserem, mas você deve ter compreensão da situação e vai melhorar se alguns são exclusivos de um determinado assunto. Isto pode aumentar o potencial de integração através da expansão da gama de solução plausível (HAMES, 2012, p. 91).

 

O terceiro ponto trata de critérios e remete a parâmetros de mercado, quando se negociam produtos ou precedentes internos ao se discutirem problemas e processos. Neste caso, seria de bom alvitre validar referências mercadológicas aprovadas e aceitas pelos agentes negociadores/mediadores. Também se considera razoável o estabelecimento de padrão, regra, por intermédio do qual se estabelece uma relação ou comparação entre termos.

 

Critérios objetivos incluem coisas como requisitos legais, precedentes relevantes, costume, os preços de mercado ou de salários, padrões profissionais e políticas (HAMES, 2012, p. 96).

 

O quarto e último ponto desse método harvardiano aponta para a importância de propostas de solução sensíveis às expectativas bilaterais: conciliar criativamente interesses difusos, realizando pesquisas sobre características, cultura e valores da outra parte, que viabilizam diálogos produtivos e profícuos.

 

Quando as questões e interesses de cada parte forem identificados e esclarecidos, é um possível início na procura de soluções que os satisfazem. Criar opções é essencialmente uma tarefa brainstorming. Você está tentando gerar uma lista de opções que você pode, então, escolher, ou modificar e produzir ainda melhores opções (HAMES, 2012, p. 92).

 

Assim, concluímos quão relevante e necessária se faz esta assunção de métodos alternativos de resolução de conflitos, especialmente em Empresas Familiares.

 

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1 SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Empresas familiares: resolvendo conflitos com soluções eficientes, 2017 (atualizado em 2023). Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/artigoshome/como-resolver-conflitos-em-empresas-familiares,48e7b08847c9a510VgnVCM1000004c00210aRCRD

 

2 HOUAISS, Antonio. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

 

3 FISHER, R.; URY, W. Como chegar ao sim: a negociação de acordos e concessões. Rio de Janeiro: Imago, 1985.

 

4 DALY, Joseph L. International commercial negotiation and arbitration. Journal of Public Law & Policy, New York, v. 22, p. 216-251, January 2001.

 

5 HAMES, D. S. Integrative negotiation – A strategy for creating value. In: HAMES, D. S. Negotiation: closing details, settling disputes and making team decisions. Thousand Oaks: Sage, 2012.

 

Fonte: Migalhas

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