Nos últimos dias, sofremos a maior tragédia ambiental vivenciada pela população do Estado do Rio Grande do Sul, com mais de 610 mil desabrigados e mais de 140 mortes já registradas. Porto Alegre, por exemplo, já havia vivido situação similar, no ano de 1941, quando o nível do Rio Guaíba atingiu 4,76m. Desta vez chegou a 5,33m. Não há dúvidas de que a dor vivida pelos gaúchos é imensurável e que será necessário longo tempo para uma reconstrução dos danos causados pela inundação.

 

Em decorrência dessa catástrofe, alguns temas jurídicos passaram a estar no holofote, entre eles a locação de imóvel urbano. Se retornarmos ao ano de 2020, no momento de pandemia da Covid-19, os contratos locatícios também foram objeto de discussão. Na época, muito se debateu sobre a possibilidade de alteração do índice de correção IGP-M pelo IPCA, alegando-se onerosidade excessiva.

 

André Abelha, em artigo publicado neste mesmo periódico1, teceu comentários importantes, distinguindo os impactos jurídicos sobre as obrigações e responsabilidade dos contratantes, bem como a revisão e resolução dos contratos: impossibilidade permanente, frustração do fim do contrato, impossibilidade temporária, onerosidade excessiva e empobrecimento do devedor. Cada categoria com suas regras e efeitos.

 

Agora, a partir da calamidade vivida pelo Estado do Rio Grande do Sul, a relevância e necessidade de debates envolvendo os contratos de locação, novamente, se faz necessário.

 

A problemática a ser enfrentada no presente ensaio é clara: de quem é a responsabilidade de reparar os danos causados ao imóvel locado? Locador ou locatário? O locatário tem direito a resolver o contrato sem o pagamento da multa pela entrega antecipada? Por fim, pode o locatário exigir do locador indenização pelos danos sofridos?

 

Tais questões merecem reflexão, e este ensaio não tem a pretensão de esgotar o debate ou decretar uma solução estanque, e sim fomentar o debate e apresentar as ponderações do autor. Pois bem.

 

Afinal, “em casa que falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão”, este o dito popular que motiva esperar-se ocorra um sensível volume de demandas acerca da responsabilidade de parte a parte, diante da devastação experimentada no Rio Grande do Sul.

 

Seria, locador ou locatário, demandado? O sendo, a lição veio ainda de Clovis Bevilaqua e repele quaisquer acréscimos, “Ao devedor incumbe provar o caso fortuito ou força maior que alega. Não lhe aproveita a prova do fato, se teve culpa na sua realização. O incêndio, por exemplo, é um fato que poderá ser invocado como determinante da impossibilidade, em que se acha o devedor de cumprir a sua obrigação. Mas, bem se compreende, quando quem o invoca não lhe deu causa, nem concorreu para aumentar-lhe os efeitos. Também lhe não aproveita a prova do fato, se dele não resulta a impossibilidade da prestação.”2

 

O que leva à indagação sobre a ocorrência de “caso fortuito” ou “força maior”, voltando-se nesse passo ao mesmo Clovis, que parece tão esquecido pela literatura recente, para quem: “Conceitualmente o caso fortuito e a força maior se distinguem. O primeiro, segundo a definição de Huc, é “o acidente produzido por força física ininteligente, em condições que não podiam ser previstas pelas partes”. A segunda é “o fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer”.3

 

Nada a destoar conceitualmente da previsão inserta no art. 393, do Código Civil vigente, mas a exigir, ainda, alguma discussão, diante da redação legal: (i) qual o elastério da previsão de “se expressamente não se houver e por ele responsabilizado”? (ii) aplicar-se-ia em todos os casos a premissa de que se tem presente um fato “cujos efeitos não eram possível evitar ou impedir”?

 

Os contratos existem porque nenhum homem é autossuficiente. É absolutamente inviável que cada pessoa produza tudo o que é necessário para a sua sobrevivência4. O principal conceito econômico do contrato é justamente o de ser uma ferramenta que ajuda as partes a maximizar o seu bem-estar5. Enzo Roppo, por sua vez, disserta que o tipo contratual estipulado pelas partes corresponde a um gênero de operação econômica, sendo a locação a aquisição da disponibilidade material de uma coisa, por um dado tempo, contra o pagamento periódico de uma renda6, exatamente como dispõe o art. 565, do Código Civil.

 

Os contratos de locação são consensuais, contínuos (de trato sucessivo), bilaterais, onerosos e solenes. Dessas características, a bilateralidade, a continuidade e a onerosidade são de sua essência7. Em nosso ordenamento jurídico, a Lei de Locações (8.245/91) legisla, justamente, sobre os direitos, deveres e obrigações das partes envolvidas nos contratos de locação de imóvel urbano.

 

As obrigações principais do locatário e do locador estão previstas nos artigos 22 a 26 da lei. Dispõe o art. 23, inciso V, que é responsabilidade de locatário reparar os danos causados ao imóvel por ele, seus dependentes, familiares, visitantes ou prepostos. De outro lado, o art. 22, inciso III, da mesma lei, impõe ao locador manter a forma e o destino do imóvel durante a locação.

 

O Código Civil, por sua vez, em seu art. 567, aplicável às locações em geral, e subsidiariamente às reguladas pela lei especial, prevê a possibilidade de o locatário requerer a redução do aluguel8 ou a resolução do contrato, caso o bem não sirva mais para a finalidade a que se destinava. Esse foi, justamente, o fundamento utilizado pelo magistrado em caso analisado no TJ/RJ, ao possibilitar a resolução do contrato de locação sem qualquer ônus ao locatário em decorrência de alagamento ocasionado pela enchente9 Aqui, trata-se de causa para a revisão ou resolução do contrato.

 

Em outro caso, agora analisado pela Terceira Turma do STJ10, foi apreciada situação em que o imóvel objeto da locação sofreu incêndio de grande monta. A controvérsia se deu para definir se os aluguéis devidos o seriam até a data do incêndio ou até a data da efetiva entrega das chaves. O voto preponderante fez distinção relevante sobre deterioração e perecimento (entendendo que, no caso analisado pela Corte, haveria situação clara de perecimento). Dessa forma, sendo caso de perecimento do bem alugado, implicaria “a automática extinção do contrato de locação e, por conseguinte, impede a cobrança de aluguéis”, com a determinação de que o aluguel só seria devido até o momento do incêndio e não até o momento da entrega das chaves.

 

No tocante à responsabilidade, e o nexo de causalidade essencial à sua caracterização, vem a lume o art. 393 do Código Civil, pelo qual o devedor11 não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Isto significa ser possível, em contratos paritários12, alocar o risco para o devedor, que ficará, neste caso, obrigado a indenizar o credor da obrigação pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior.

 

Ao julgar caso impactado pela pandemia de Covid-19, o TJDFT decidiu que, sendo o prejuízo “decorrente de caso fortuito ou força maior, o locador assumirá, em regra, os prejuízos, conforme o art. 393, caput, do CC/2002, haja vista a aplicação do brocardo res perit domino (a coisa perece para o dono)”13. Somando-se a tal fundamento, importante o ensinamento trazido por André Abelha em seu artigo anteriormente mencionado, em que corrobora essa conclusão ao mencionar o que dispõe o art. 248 do mesmo Código Civil.

 

Ou seja, há a possibilidade de que, em contrato paritário, seja modificada a regra geral prevista no referido art. 393 do Código Civil, com a possibilidade de o locador exigir do locatário os prejuízos decorrentes das enchentes, considerando que estes podem sim ser considerados como caso fortuito ou força maior.

 

Logo, salvo previsão contratual diversa, insista-se, em relação paritária, são de responsabilidade do locador os prejuízos/danos que acometeram o imóvel atingido pelas enchentes, bem como a impossibilidade de aplicação da multa contratual em desfavor do locatário no caso de entrega do imóvel antes do final do prazo contratual.

 

Pondere-se: no âmbito privado, até que ponto teriam os contratantes assumido os riscos relacionados com específica locação? Por evidente não se cogita aqui da imensa quantidade de brasileiros desvalidos economicamente, aos quais restou residir em favelas ou ainda, denominação tristemente exata, em “alagados”.

 

Mas, existem os que construíram em locais alagadiços ou geologicamente precários; cuidaram pouco das obras de contenção; fizeram-se cegos a evidências até entranhadas na sabedoria popular. Uns construíram e contrataram na qualidade de locadores, outros, de locatários. Sabiam o que faziam, sabiam do objeto do contrato, se nada expressaram no instrumento, por certo a ciência guiou ou esteve presente na celebração. Não parece haver, então, campo para imputações de responsabilidade de parte a parte, excepcionadas situações concretas, bem provadas.

 

E, certamente, por fim serão indagadas as responsabilidades. Vem a pelo, a excludente do caso fortuito ou da forca maior14 mas a demonstração das razoes e origens do dano, será imprescindível15.

 

Feitas essas considerações, resta responder o último questionamento: o locatário poderia exigir do locador indenização pelos danos sofridos? Em regra, não. Se ninguém responde por um resultado a que não deu causa16, ganham relevo as causas de exclusão de nexo causal17, também denominadas de excludentes de responsabilidade18. A única possibilidade deferida ao suposto ofensor para se exonerar da obrigação de indenizar será a demonstração de que um fato externo é a causa do evento danoso, como nos casos de acontecimento de caso fortuito ou força maior. O Enunciado n. 443, do Conselho de Justiça Federal, dispôs sobre o limite de aplicação do caso fortuito e força maior, determinando que só serão considerados como excludentes de responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida.

 

Sendo assim, no caso ora analisado, respeitando-se sempre posições diversas, entende-se que a calamidade acometida à boa parte do Estado do Rio Grande do Sul seria suficiente para romper com o nexo causal das obrigações contraídas pelas partes no contrato de locação.

 

Dito de forma diversa, não haveria possibilidade de o locatário impedir a ocorrência da enchente que acometera o imóvel, exonerando-o de qualquer responsabilidade sobre os danos ocasionados ao bem.

 

Entretanto, no que diz com a possibilidade de “evitar ou impedir” os efeitos das enchentes, surgem, de seu turno, mais inferências. Não é a intenção dos autores adentrar na presente temática, mas apenas apresentar ao leitor uma outra faceta que, invariavelmente, surgirá e deverá ser analisada com a atenção e ponderação necessárias. Para isso, será necessário iniciar um novo debate, sobre se teriam os sucessivos gestores públicos (como, por igual, as casas legislativas), na medida das respectivas responsabilidades, contribuído para os acontecimentos.

 

Se esse enfrentamento – inclusive em situação de enchentes – não é novo nos Tribunais19, quiçá as soluções, graças aos extensos e profundos estudos técnicos já realizados e disponíveis, tendam a ser diferentemente novas, propondo novas alternativas.

 

Tenha-se presente, de resto, a responsabilidade civil do Estado no que diz com os atos de seus agentes (art. 43, do Código Civil), que é objetiva (isto é, independe da prova de culpa, esta indagada no eventual regresso ante os agentes). Anote-se, aos filiados à corrente doutrinária que, para responsabilizar por omissão (situação conhecida como “faute de service”), persegue a prova de dolo ou culpa, na situação de hoje tal demonstração deverá ser realizada e não poderá, jamais, ser feita imputação precipitada.

 

Ao final de todo o caos e da tragédia vividos pelo povo e pelo Estado do Rio Grande do Sul, faz-se votos de dias melhores e com a certeza de que todos se reerguerão ainda mais fortes. Como o próprio hino rio-grandense menciona: “Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra (…)”.

 

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1 Disponível aqui.

 

2 BEVILAQUA, Clóvis: Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Bevilaqua. 2ª tiragem: edição histórica. Ed. Rio. 1976, p.174.

 

3 BEVILAQUA, Clovis: ob. Cit. P. 173

 

4 TIMM, Luciano Benetti; GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise Econômica dos Contratos. In: Direito e economia no Brasil: estudos sobre a análise econômica do direito. 3 ed. Indaiatuba/SP: Editora Foco, 2019, p. 159.

 

5 ZAMIR, Eyal; TEICHMAN, Doron. Behavioral law and economics. New York: Oxford University Press, 2018, p. 238.

 

6 ROPPO, Enzo. O Contrato. Almedina, 2009, p. 133.

 

7 BUSHATSKY, Jaques. Locação Residencial de Imóveis Urbanos. In: Manual de contratos imobiliários / coordenador Marcus Vinícius Motter Borges. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 259.

 

8 A propósito, o disposto no art. 26, da Lei das Locacões (desconto proporcional no aluguel se as obras durarem mais de dez dias), o que não elimina a possibilidade da rescisão, até por imprestabilidade do bem locado.

 

9 APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL DECORRENTE DE CONTRATO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL. FALTA DE CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE. ENTREGA DAS CHAVES SEM A QUITAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO EMBARGANTE, COM PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA, PARA A CASSAÇÃO DA SENTENÇA. NO MÉRITO, PEDE REFORMA DA SENTENÇA COM A PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. 1. Afastamento da preliminar de cerceamento de defesa, diante da expressa manifestação da parte no sentido de que não tinha outas provas a serem produzidas, instada que foi à especificação de provas. 2. Desocupação do imóvel e simultânea devolução das chaves em virtude da superveniência de falta de condição de utilização do imóvel, em virtude de danos causados por alagamento decorrente de enchente. Fatos não impugnados especificamente e oportunamente. Ônus da impugnação específica desatendido. Princípio da presunção da veracidade dos fatos. Extinção do contrato na forma do artigo 567 do Código Civil.  3. Extinção da execução que se impõe. 4. Conhecimento e provimento do apelo. (0058004-07.2014.8.19.0205 – APELAÇÃO. Des(a). LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA MARQUES – Julgamento: 26/09/2018 – VIGESIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO (ANTIGA 11ª CÂMARA CÍVEL).

 

10 DIREITO CIVIL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. PERECIMENTO DO BEM EM INCÊNDIO. IRRESIGNAÇÃO SUBMETIDA AO NCPC. ENTREGA DAS CHAVES EM MOMENTO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS NO PERÍODO CORRESPONDENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Discute-se nos autos a exigibilidade dos aluguéis no período compreendido entre o incêndio que destruiu o imóvel locado e a efetiva entrega das chaves pelo locatário. 3. A locação consiste na cessão do uso ou gozo da coisa em troca de uma retribuição pecuniária, isto é, tem por objeto poderes ou faculdades inerentes à propriedade. Assim, extinta a propriedade pelo perecimento do bem, também se extingue, a partir desse momento, a possibilidade de usar, fruir e gozar desse mesmo bem, o que inviabiliza, por conseguinte, a manutenção do contrato de locação. 4. O mutualismo que está na base dessa relação jurídica pressupõe, necessariamente, a existência de prestações e contraprestações recíprocas, sendo certo que a quebra desse sinalagma pode configurar enriquecimento sem causa vedado pelo ordenamento pátrio. 5. Recurso especial provido. (REsp n. 1.707.405/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 7/5/2019, DJe de 10/6/2019.).

 

11 Lembre-se que locador e locatário são devedores das suas respectivas obrigações, havendo uma relação mútua de crédito e débito, decorrente da bilateralidade do contrato.

 

12 Sublinhe-se que em muitos casos essa alocação é vedada pelo art. 45 da Lei de Locações, que determina serem “nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei”.

 

13 CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. TRAMITAÇÃO PRIORITÁRIA. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL. RECURSO DE APELAÇÃO. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PROVA TESTEMUNHAL. REJEIÇÃO. RÉU REVEL. CULPA EXCLUSIVA DO RÉU. NÃO COMPROVADA. DANOS MATERIAIS EM RAZÃO DE CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR. ALAGAMENTO DO IMÓVEL EM RAZÃO DE CHUVAS. TELHADO. DANO MATERIAL NÃO SE PRESUME. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 944 DO CC. IMPOSSIBILIDADE DE CULMINAÇÃO DE MULTA. APELO IMPROVIDO. 1. Apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente os pedidos iniciais para: a) decretar a rescisão contratual do vínculo de locação entre as partes, por fato não atribuível ao locatário, no entanto, sem cominação de multa; b) condenar os réus a devolverem aos autores a caução prestada no valor R$ 750,00. 1.1. Pretensão dos autores de cassação da sentença. Levantam a preliminar de cerceamento de defesa, em face da negativa de produção de prova testemunhal. No mérito, requer o reconhecimento da culpa exclusiva dos réus, bem como da condenação ao pagamento dos danos materiais e morais descritos na petição inicial. 2. Da preliminar de cerceamento de defesa. Da prova testemunhal. 2.1. Estando a matéria fática suficientemente produzida para amparar a decisão final, é desnecessária a produção de prova oral sob pena de violação dos princípios da duração razoável do processo, economia e celeridade processuais (artigo 355, inciso II do CPC). 2.2. Ademais, o juiz é destinatário das provas (art. 370, CPC), sendo-lhe assegurado o julgamento da lide, quando reputar desnecessárias novas provas para firmar seu convencimento. 2.3. Por fim, a prova testemunhal não seria hábil a comprovar a culpa exclusiva dos réus, porquanto sua oitiva estaria restrita a afirmar se houve ou não danos materiais em razão do evento fortuito que ocasionou a quebra dos telhados. 2.4. Preliminar rejeitada. 3. Do mérito. 3.1. O cerne da controvérsia versa em saber quem é o responsável por danos no imóvel alugado causados por eventos da natureza. 3.2. Via de regra, caso o prejuízo seja decorrente de caso fortuito ou força maior, o locador assumirá os prejuízos, conforme o art. 393, caput, do CC/2002, haja vista a aplicação do brocardo res perit domino (a coisa perece para o dono). 3.4. Assim, resumidamente, pela legislação, a responsabilidade por danos naturais é do proprietário do imóvel, exceto se o contrato assinado pelas partes expressar o oposto. 3.5. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves: “As obrigações do locador, especificadas no art. 566 do Código Civil, são de três espécies e consistem em: “(…) Compete ao locador realizar os reparos necessários para que a coisa seja mantida em condições de uso, salvo convenção em contrário Se, por exemplo, em virtude de fortes chuvas, a casa alugada é destelhada ou o telhado começa a apresentar inúmeros vazamentos, cabe ao locador promover as devidas reparações ou obras, para possibilitar ao inquilino a regular utilização do imóvel.” (GONÇALVES, Carlos R., 2012, p. 314). . 3.7. Assim, os reparos devem recair aos inquilinos, no caso, os autores, não havendo que se falar em responsabilidade do locador, em obediência ao princípio do pacta sunt servanda, força obrigatória dos contratos. 4. Do dano material. 4.1. A despeito do fato de que o prejuízo deva recair ao locador em face de eventos da natureza, ainda assim os autores não comprovaram, por prova documental (notas fiscais), a extensão do dano suportado. 4.2. Pelas provas colacionadas aos autos (fotos e vídeos), não há como mensurar valores exatos e a extensão dos danos para eventual ressarcimento. 4.3. Cumpre mencionar que a indenização por danos materiais não pode ser presumida, mas deve ser demonstrada por prova documental, no caso, as notas fiscais dos bens danificados. Inteligência do artigo 944 do Código Civil: Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.4.4. Jurisprudência: “(…) 5. O dano material não se presume, dependendo de prova robusta do prejuízo patrimonial que foi efetivamente suportado para que ele venha a ser indenizado.” (20160110943220, Relatora Desembargadora Fátima Rafael, DJE: 10/10/2018). 5. Para que haja incidência da multa prevista na cláusula penal é necessário que haja voluntariedade para a resolução da relação material firmada entre os sujeitos, o que não se verifica no caso, haja vista que a extinção da relação se deu em face de caso fortuito ou força maior. 5.1. Sentença mantida. 6. Apelo improvido. (TJDFT. Apelação Cível. Acórdão 1280555, 07026581420198070003, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 2/9/2020, publicado no DJE: 15/9/2020. Pág.:  Sem Página Cadastrada.)

 

14 “APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ENCHENTE. Enchente que atingiu imóvel dos autores. Fato incontroverso. Caso fortuito e força maior. Local que não tem histórico de alagamentos. Chuva intensa que atingiu a região provocando estragos. Projeto de drenagem de águas implantado pelo loteador era, conforme afirmado pelo perito judicial suficiente para drenar as águas. Não verificada responsabilidade dos requeridos. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP – APL: 10002766320168260257 SP 1000276-63.2016.8.26.0257, Relator: Souza Nery, Data de Julgamento: 12/02/2019, 12ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 12/02/2019)” .

 

15 “LOCAÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL – Ação indenizatória desacolhida – Imóvel locado que foi invadido por águas pluviais, ocasionando danos no mobiliário da inquilina – Evidência documental de que tanto a canalização ali existente, como o entupimento da fossa séptica, contribuíram para os danos ocasionados – Obrigação do locador de garantir ao locatário o imóvel locado em condições de servir ao uso a que se destina, respondendo por vícios nele existentes, segundo o artigo 22, incisos I, II e IV, da Lei nº 8.245/91- Ônus probatório sobre a ocorrência de caso fortuito ou força maior que era do locador, ante o disposto no artigo 373, II, do CPC – Ação indenizatória acolhida – Recurso parcialmente provido. (TJ-SP – AC: 10154416620218260002 SP 1015441-66.2021.8.26.0002, Relator: Caio Marcelo Mendes de Oliveira, Data de Julgamento: 13/12/2022, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/12/2022)”.

 

16 Considerando que a responsabilidade civil somente se concretizará se demonstrada uma relação de causalidade entre o comportamento do agende e o dano.

 

17 Conceituada por Caitlin Mulholland como a “ligação jurídica realizada entre a conduta ou atividade antecedente e o dano, para fins de imputação da obrigação ressarcitória” (MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010, p. 57.

 

18 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 16ed. Atlas, 2023, p. 86.

 

19 RESPONSABILIDADE CIVIL. MUNICÍPIO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ENXURRADA. MORTE DE DUAS PESSOAS. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. Hipótese na qual as autoras buscam a reparação por danos morais em virtude de uma enxurrada que atingiu o Município de São Lourenço do Sul, invadindo a residência das autoras, vitimando Zilah Mary de Souza Martins (mãe da autora Marise e avó das demais) e Glória Regina de Souza Martins (irmã da autora Marise e tia das autoras Camila e Tânia). RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE COMPROVADA. Consoante reiteradamente tem-se decidido, responde o Município pelos danos resultantes da falha no serviço público, salvo prova de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. Na espécie, a enxurrada que atingiu o Município de São Lourenço, invadindo a residência das autoras, matando duas pessoas, trata-se de caso fortuito, inexistindo, pois, o dever de indenizar pelo Município. RESPONSABILIDADE DA CEEE-D. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO NÃO DEMONSTRADA.É evidente que a companhia empreendeu todos os esforços possíveis para que a suspensão do serviço de energia ocorresse da forma mais célere possível. Ocorre que a excepcionalidade do evento também impediu que sua atuação fosse mais eficaz. Calha referir que a própria sede da CEEE-D foi amplamente atingida pela enchente, o que certamente dificultou o serviço. Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDA. (TJ-RS – AC: 70059387555 RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Data de Julgamento: 30/07/2015, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: 18/08/2015).

 

Fonte: Migalhas

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