A alienação fiduciária sobre bens imóveis é uma das garantias mais consistentes, seguras e eficazes sob o ponto de vista do credor, diante do grau de preferência que lhe é dado, da não sujeição aos efeitos da recuperação judicial do devedor fiduciante, além da agilidade na execução, que, via de regra, ocorre extrajudicialmente perante o cartório de registro de imóveis.

 

Em junho, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) alterou a interpretação até então dada ao dispositivo legal que trata da forma de constituição de alienação fiduciária em garantia sobre imóveis, o que já tem impactado as operações no mercado imobiliário.

 

Por meio do Provimento CNJ nº 172, publicado em 05 de junho de 2024 (Provimento CNJ 172), o CNJ definiu que a permissão para constituição de alienação fiduciária sobre imóveis por meio de instrumento particular, nos termos do artigo 38 da Lei nº 9.514/97, é restrita às entidades do SFI (Sistema Financeiro Imobiliário), incluindo as cooperativas de crédito, do SFH (Sistema Financeiro Habitacional) e às administradoras de consórcio de imóveis, de modo que as operações nas quais figurem outras entidades como credor fiduciário deverão ser celebradas via escritura pública.

 

Nova interpretação

A nova interpretação vem na contramão ao movimento verificado nos últimos anos, em que os instrumentos de financiamento privado, como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), fundos imobiliários (FII) e títulos de captação bancária (LCI, LIG), superaram a participação da poupança na estrutura de funding ao setor imobiliário. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), ao final de 2023, os recursos originados no mercado de capitais foram responsáveis por 38% do crédito ao setor, enquanto a participação da poupança caiu para 36% [1].

 

O CNJ argumenta que os dispositivos da Lei nº 9.514/97 (que institui a alienação fiduciária de imóveis) não revogaram a regra geral prevista no artigo 108 do Código Civil quanto à obrigatoriedade de escritura pública para validade dos negócios jurídicos que envolvam direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

 

No âmbito das emissões de CRI, em que as garantias são constituídas em favor das securitizadoras, companhias não integrantes do SFI, os cartórios de registro de imóveis estão exigindo a lavratura de escritura pública de alienação fiduciária (feita em Tabelionato de Notas) para efetivar o registro da garantia, ainda que o instrumento particular tenha sido celebrado antes da publicação do Provimento CNJ 172.

 

A justifica dos oficiais registradores é de que não houve alteração legislativa, mas apenas mudança na interpretação do dispositivo legal, o que não requer a observância do princípio da irretroatividade, o qual garante a plena validade e eficácia aos atos praticados na vigência da lei revogada ou modificada.

 

Uma dúvida (e insegurança) que fica é: considerando que houve tão somente mudança na interpretação da lei, a qual se presume interpretada erroneamente até então, as garantias de alienação fiduciária sobre imóveis constituídas por instrumento particular e devidamente registradas devem ser refeitas, sob pena de ineficácia?

 

A pergunta possivelmente chegará ao Judiciário e exigirá responsabilidade diante das (maiores) consequências.

 

Desde já, o setor convive com aumento de custos e burocracia nas operações imobiliárias originadas no mercado de capitais, de onde advém o maior volume de recursos para o crédito imobiliário no Brasil.

 

Fonte: Conjur

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