Pesquisa do Grupo de Estudos em Compliance do FGV LAW faz balanço sobre os efeitos da legislação e propostas para estimular novas denúncias

 

Em 2013, foi promulgada a lei 12.846, mais conhecida como lei anticorrupção, que se tornou o principal marco legislativo no combate a crimes de corrupção no país. Desde a sua promulgação até novembro de 2023, foram celebrados 25 acordos de leniência, outras 21 negociações estavam em andamento e 38 não resultaram em acordo. Dos acordos bem-sucedidos, cerca de um terço envolveu empresas implicadas na Operação Lava Jato.

 

Os dados acima, extraídos da CGU – Controladoria-Geral da União, formam a base para o relatório Estudo acerca da possibilidade de colaboração sem multa no Brasil, organizado pelo Grupo de Estudos em Compliance do FGV LAW, programa de pós-graduação lato sensu e cursos de curta duração da FGV Direito SP, concluído em fevereiro de 2024. O Grupo de Estudos também conta com a participação de servidores da CGU.

 

“Não obstante os enormes avanços feitos, os números trazidos acima parecem sugerir que existe uma resistência para que pessoas jurídicas reportem voluntariamente às autoridades atos lesivos previstos na lei 12.846/13. Isso porque os incentivos atualmente existentes tendem a desestimular a realização de reporte voluntário por parte das pessoas jurídicas”, consta no relatório, coordenado por Carlos Henrique da Silva Ayres, professor do FGV LAW e um dos coordenadores do curso.

 

Estruturado em 4 capítulos, o documento faz uma análise comparada da legislação brasileira com as regulamentações adotadas nos Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e Itália; uma análise aprofundada da aplicação da lei 12.846, novos instrumentos legislativos que podem ser aplicados nos casos de crimes envolvendo corrupção e, ao final, as principais conclusões para o aprimoramento do sistema.

 

“O objetivo do grupo é, por meio deste levantamento, apontar caminhos que possam estimular cada vez mais a colaboração voluntária dos atores envolvidos, desta forma aprimorando a cultura de responsabilidade diante de um delito e, igualmente, tornando a resolução dos processos mais rápida. Incluindo conciliar as interpretações existentes com mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos, estimulados pelo recentemente aprovado Código de Processo Civil e outros instrumentos”, aponta Ayres.

 

Legislação brasileira

 

Uma das explicações para que o número de acordos de leniência derivados da manifestação voluntária dos envolvidos não ser ainda maior é um conflito de aparente de normas que se dá a partir da interpretação de que a multa seria uma sanção principal e a publicação extraordinária uma sanção acessória.

 

Segundo consta no relatório, “deve-se levantar a hipótese de que essa interpretação seja o resultado de uma leitura do artigo 6º, parágrafo 1º, a partir das balizas do artigo 16, parágrafo 2º. Embora o método caracterize uma das formas de compatibilizar os dois dispositivos normativos, acaba por restringir sobremaneira o alcance do texto do artigo 6º, parágrafo 1º, da lei 12.846/13.”

 

O texto continua: “a referida interpretação parece partir da premissa de que o artigo 6º definiria regra geral, enquanto o artigo 16 trataria de regra específica para acordos de leniência, que acabaria por delimitar os critérios para aplicação isolada da sanção de multa. Dessa forma, seria caracterizada uma situação de antinomia aparente de normas, a ser resolvida pelo critério da especialidade, tendo em vista a inaplicabilidade dos critérios hierárquico e cronológico.”

 

Os pesquisadores, porém, argumentam que esse critério interpretativo não se demonstra suficiente para solucionar o referido conflito de normas. Em primeiro lugar, porque, pela redação literal da suposta regra geral do artigo 6º, parágrafo 1º, da lei 12.846/13, seria possível a aplicação isolada da sanção de publicação extraordinária, sem a aplicação cumulativa da sanção de multa. No mesmo sentido, a própria CGU, a partir da publicação da Portaria Normativa 19/22, reconheceu casos de inaplicabilidade de sanção de publicação extraordinária que não aquele tratado no artigo 16, parágrafo 2º, da lei 12.846/13.

 

De acordo com os pesquisadores, reconhecer a aplicabilidade das sanções de acordo com as peculiaridades do caso concreto, nos termos do artigo 6º, parágrafo 1º, da lei 12.846/13, torna possível a instituição de política pública anticorrupção fundada nas funções de cada sanção. Dessa forma, tem-se que o artigo 16, parágrafo 2º, da lei 12.846/13, não deve ser considerado regra especial da regra geral do artigo 6º, parágrafo 1º, da lei 12.846/13, muito menos deve sustentar caráter acessório da sanção de publicação extraordinária. Portanto, propõe-se interpretação segundo a qual os dois dispositivos normativos convivem sem conflito, pois têm âmbitos de validade ou incidência distintos.

 

Por fim, o Grupo de Estudos concluiu que é possível a aplicação de colaboração sem multa no Brasil, o que poderia incentivar o reporte voluntário em determinados contextos, de atos lesivos para as autoridades competentes.

 

Essa seria uma medida excepcional, apta a beneficiar pessoas jurídicas em contextos específicos, em que a conduta pré e pós ato lesivo da empresa seja bastante positiva, com base na avaliação dos fatores autorizadores.

 

Fonte: Migalhas

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