A revisão contratual por fatos supervenientes na redação atual do Código Civil Brasileiro

 

A revisão dos contratos civis e empresariais por fatos supervenientes é medida excepcional, prevalecendo, em regra, a força obrigatória do pactuado. Trata-se de premissa elementar, coerente com os pilares do valor jurídico da promessa e da confiança legítima, nos quais se assenta estruturalmente a necessária rigidez quanto ao cumprimento do pactuado. Assim o demandam, a um só tempo, a força jurígena derivada da autonomia privada e os ditames da boa-fé.

 

Não por acaso, o atual parágrafo único do artigo 421 do Código Civil dispõe sobre a intervenção mínima nos contratos, mediante comando expresso que determina a excepcionalidade da revisão contratual. A regra, cuja redação foi instituída pela Lei da Liberdade Econômica, não consiste em inovação frente ao que já era vigente antes de seu advento, mas explicita aquilo que integra os alicerces do sistema quanto à higidez do exercício da liberdade positiva dos contratantes e seus respectivos efeitos.

 

Ao mesmo tempo, porém, em que a reafirma a obrigatoriedade dos contratos, a regra do parágrafo único do artigo 421 autoriza expressamente a revisão contratual. Afinal, se a regra dispõe que a revisão será excepcional, acaba por afirmar, também, que, presentes as situações de exceção nela pressupostas, a revisão estará autorizada.

 

Conforme o artigo 421-A, na redação vigente, “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”. Ou seja: atendidos os seus pressupostos, a revisão poderá ser efetuada pelo julgador.

 

A questão que se apresenta é: quais são esses pressupostos?

 

A Lei da Liberdade Econômica, a um só tempo, autorizou e limitou a revisão de contratos civis e empresariais, sem, entretanto, definir os parâmetros técnicos a balizar as hipóteses de revisão.

 

Já havia, é certo, na redação original do Código Civil, regras a mitigar a intangibilidade do contrato, como, por exemplo, o artigo 317 (Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação) e o artigo art. 413 (art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.).

 

Quanto ao primeiro comando normativo (art. 317), embora “originalmente concebido no Projeto de Código Civil somente para atualização monetária de obrigações pecuniárias”, acabou por ser “aprovado pelo Congresso com redação ampla”, conforme explicam Tepedino, Bandeira e Konder.1 Seu conteúdo, porém, isoladamente, além de se sujeitar a controvérsias, pode ensejar leituras demasiadamente amplas, por ausência de balizas que respeitem, sobretudo, a alocação de riscos definida pelas partes, e, por conseguinte, a intervenção mínima exigida pelo sistema.

 

A leitura contemporânea sobre essa norma é realizada em conjunto com o artigo 478 do Código Civil, de modo a contemplar os parâmetros ali definidos.2 Todavia, a regra do art. 478, em sua literalidade, dispõe apenas sobre a resolução do contrato, e não sobre a sua revisão. O art. 479, é certo, permite a modificação do contrato desde que oferecida pelo credor, sem autorizar, porém, ao menos em sua literalidade, a revisão por iniciativa do devedor.

 

Já o segundo comando citado (art. 413) é pertinente especificamente à cláusula penal, além de não se referir a fatos supervenientes. Não se pode deixar de notar, porém, seu anacronismo, especialmente frente à atual preocupação do legislador em assegurar a higidez da alocação de riscos definida pelos próprios contratantes.3

 

É necessário, pois, que a lei defina, para a revisão contratual por fatos supervenientes, parâmetros que sejam congruentes com a ratio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão do contrato.

 

Por certo, não passa por um juízo de realidade a suposição de que a ausência de previsão legal específica autorizando a revisão contratual pelo julgador seria bastante para impedir a atuação jurisdicional na adaptação de contratos em decorrência de eventos supervenientes.

 

Seria, quando menos, ingênuo, supor que a não previsão de uma regra sobre revisão contratual (limitando-se à resolução) traria maior segurança e estabilidade aos contratos do que a existência de disposições legais expressas que, ao autorizarem a revisão judicial ou arbitral, tragam balizas rígidas (desde que factíveis) a serem observadas pelo julgador.

 

Daí porque não basta, para a segurança jurídica das relações contratuais, que o sistema contenha uma regra a autorizar a resolução do contrato, sem se referir à revisão, como ocorre com o atual art. 478 do Código Civil. A insuficiência textual dessa regra frente aos comandos já existentes no próprio sistema acaba por impor a ela uma interpretação expandida, de modo a admiti-la, também, para fins de revisão contratual.

 

A existência de uma norma a admitir expressamente a revisão contratual por fatos supervenientes, com parâmetros seguros, que garantam a sua excepcionalidade, é uma demanda da realidade.

 

Na Itália, em que existe apenas regra a autorizar a resolução por onerosidade excessiva – norma na qual se baseia a atual redação do art. 478 do Código Civil Brasileiro – há doutrina criticando de modo acerbo a ausência de comando no Código Civil que permita a revisão contratual, especialmente diante do contexto excepcional da pandemia da COVID 19.4

 

A França, após mais de dois séculos de resistência, incorporou ao Código Civil novo comando ao artigo 1195 do Code. Segundo a regra, decorrente da reforma das Obrigações de 2016, diante de imprevisível alteração de circunstâncias que gere onerosidade excessiva para uma das partes, haverá para parte onerada o direito de pedir uma renegociação à outra parte. Se esta não resultar exitosa – seja por recusa em negociar, seja por ausência de acordo -, pode-se pedir ao juiz a revisão ou a resolução do contrato.5

 

A Alemanha, por sua vez, incorporou ao BGB, na reforma vigente desde o início do século XXI, regra (§ 313) que permite a revisão do contrato por fatos supervenientes que perturbem a base objetiva do negócio, admitindo-se a resolução apenas quando a revisão não for possível ou exigível para uma das partes.

 

Os princípios UNIDROIT para Contratos Comerciais Internacionais também admitem, como soft law, a revisão dos contratos por fatos supervenientes, em seu artigo 6.2.3. (4) “b”, ainda que sujeitando a parte onerada ao atendimento de um prévio dever de renegociar.

 

Diga-se, por oportuno, que essa regra é dirigida especificamente a contratos comerciais, em um diploma de soft law destinado a oferecer diretrizes para uniformizar o Direito Privado. Trata-se de relevante demonstração de que os contratos empresariais não são infensos à revisão contratual, ainda que, reitere-se, de modo excepcional, haja vista a necessária prevalência, em regra, da força obrigatória do pactuado.

 

A proposta legislativa de alteração do artigo 478 no Anteprojeto de Reforma do Código Civil

 

Sem prejuízo da possibilidade de as partes estabelecerem critérios próprios para a revisão contratual, sejam eles mais restritivos, sejam eles mais flexíveis (conforme a regra do art. 421-A, I vigente, reprisada no projetado 421-D, I), o Anteprojeto de Reforma do Código Civil propõe a seguinte redação ao caput do artigo 478 do Código Civil6:

 

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, havendo alteração superveniente das circunstâncias objetivas que serviram de fundamento para a celebração do contrato, em decorrência de eventos imprevisíveis que gerem onerosidade excessiva para um dos contratantes e que excedam os riscos normais da contratação, o devedor poderá pedir a sua revisão ou a sua resolução.

 

Adota-se o conceito de Geschäftsgrundlage (base/fundamento do negócio), que não se confunde com a adoção pura de teoria alienígena sobre o tema.

 

A teorização não é papel da lei. Esta recolhe, é certo, conceitos técnicos, sem se sujeitar, porém, à pureza teórica da concepção de um ou de outro autor, uma vez que se destina à solução de problemas concretos.

 

O conceito técnico de base/fundamento do negócio não é exclusivo da Teoria da Base Objetiva do Negócio de Karl Larenz. Antes dele, Paul Oertmann já versava a respeito do conceito, ao lado da base subjetiva do negócio.

 

O que se adota na regra projetada, pois, é um conceito técnico, conhecido de longa data, ao qual se acresce, de modo fiel à tradição do sistema brasileiro, a exigência de que o evento superveniente (ou seus efeitos) seja imprevisível.

 

Trata-se, ainda, de conceito que é congruente com a estabilidade esperada pelo sistema pátrio, pois não é qualquer alteração de circunstâncias que autorizará a revisão contratual, sendo indispensável, conforme Canaris, que os fundamentos do negócio sejam substancialmente alterados, e que uma das partes seja excessivamente onerada pelos termos originalmente contratados.7

 

Além disso, como exposto anteriormente, a proposta legislativa constante do Anteprojeto apresentado ao Senado exige que essa perturbação dos fundamentos do contrato seja imprevisível.

 

Nem mesmo em Larenz, cabe dizer, a imprevisão é de todo excluída. O autor se refere expressamente à imprevisão que, todavia, em seu pensamento, se pauta no que excede os riscos ordinários do negócio (que, a seu turno, residem na própria base objetiva).8 Foi essa a orientação adotada pelo BGB, na reforma capitaneada por Canaris.

 

Na regra proposta no Anteprojeto, diversamente, os conceitos de imprevisibilidade e riscos normais são estremados.

 

Cuida o anteprojeto de definir a imprevisibilidade para fins de aplicação da norma. É evidente que não se poderia partir de um conceito de imprevisibilidade absoluta, pois ele seria estéril, ante a inviabilidade prática de sua aferição.

 

Assume a proposta legislativa, assim, no parágrafo 2º do art. 478, um conceito de imprevisibilidade contextualizado à condição do contratante, desde que pautado em juízos de razoabilidade e diligência. Tem-se por imprevisível o evento, assim, quando a alteração superveniente das circunstâncias ou dos seus efeitos não poderia ser razoavelmente prevista por pessoa de diligência normal, considerando-se, para esse fim, a qualificação da parte prejudicada pela onerosidade excessiva e as circunstâncias presentes no momento da contratação.

 

A manutenção da imprevisibilidade como requisito autônomo é congruente com a necessidade de estabelecer limites à intervenção jurisdicional nos contratos paritários civis e empresariais. Trata-se de opção claramente distinta da norma do art. 6º do CDC, que não tem a imprevisibilidade entre os seus requisitos. Com efeito, se a revisão contratual, no sistema do CDC, é direito básico do consumidor, nos contratos paritários civis e empresariais, diversamente, ela é excepcional, diante do comando da intervenção mínima.

 

Além de imprevisível, o evento superveniente que ensejar a perturbação das circunstâncias objetivas que serviram de fundamento para a celebração do contrato deve exceder os riscos normais da contratação. Eventos que gerem efeitos que não excedam os riscos normais do contrato não autorizam a revisão contratual.

 

Na aferição dos riscos normais, contemplando a autonomia privada e a intervenção mínima, o parágrafo 1º dispõe que se deve considerar a alocação de riscos originalmente pactuada pelas partes.

 

É necessário que o evento que enseja a alteração de circunstâncias seja dotado de generalidade, não se admitindo, para fins de revisão ou resolução, “a mera impossibilidade econômica de adimplemento decorrente de fato pertinente à esfera pessoal ou subjetiva de um dos contratantes”, conforme o parágrafo 4º.

 

O caráter excepcional e limitado da revisão, a determinar a contenção da intervenção heterônoma do julgador, é assegurado pelo disposto no parágrafo 3º, o qual dispõe que “a revisão se limitará ao necessário para eliminar ou mitigar a onerosidade excessiva, observadas a boa-fé, a alocação de riscos originalmente pactuada pelas partes e a ausência de sacrifício excessivo às partes”. Mais uma vez, avulta o respeito à autonomia privada, mediante a observância da alocação de riscos determinada pelos contratantes.

 

Atendidos aos requisitos do caput, viável será pleitear a revisão ou a resolução contratual. Não há hierarquia entre elas, cabendo a escolha à parte prejudicada pela onerosidade excessiva – tendo o Anteprojeto eliminado o requisito da manifesta vantagem para a outra parte, ainda presente na legislação vigente, e mitigado pela jurisprudência.9

 

Outros ordenamentos jurídicos (além dos princípios UNIDROIT) admitem as alternativas entre resolução e revisão, tais como Alemanha, França e Argentina. Na França, porém, a opção sobre resolver ou revisar cabe ao juiz, sem parâmetros legais explícitos sobre quando haverá a prevalência de uma ou de outra solução10.

 

Entendeu a Comissão de Reforma do Código Civil que caberia ao autor escolher o provimento que melhor atenda ao seu interesse (resolução ou revisão), sem discricionariedade judicial, admitindo, porém, decisão diversa do pedido inicial em casos previstos na própria lei, de modo a atender ao sentido da intervenção mínima e da própria excepcionalidade da revisão contratual.

 

Nesse sentido, vem a regra do art. 479, constante do Anteprojeto:

 

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

 

Parágrafo único. Na hipótese em que o devedor tenha optado por pedir a revisão do contrato, nos termos deste artigo, poderá a outra parte, em resposta ao pedido, requerer a sua resolução, cabendo-lhe demonstrar, nesse caso, que, nos termos do artigo antecedente, a revisão:

 

I – não é possível ou não é razoável a sua imposição em razão das funções social e econômica do contrato;

 

II – viola a boa-fé;

 

III – acarreta sacrifício excessivo;

 

IV – não é eficaz, pois, a alteração superveniente das circunstâncias frustrou a finalidade do contrato.

 

A regra do caput não altera o sentido da norma hoje vigente, autorizando o credor a oferecer proposta de modificação do contrato, visando a evitar a resolução, quando esta é requerida pelo devedor.

 

A novidade está no parágrafo único, que se destina às hipóteses nas quais o devedor pede a revisão do contrato. Nesses casos, o credor poderá opor exceções que conduzam à resolução do contrato, afastando, assim, a adaptação dos termos pelo juiz ou pelo árbitro.

 

Há circunstâncias nas quais, a toda evidência, o credor não haveria celebrado a avença em termos diversos dos pactuados, pois isso frustraria o atendimento da função econômica do contrato (aferível a partir da realidade da operação econômica que recebe vestes jurídicas). Nesses casos, a revisão contratual seria incongruente com o efeito concreto pretendido pelas partes no atendimento de necessidades/utilidades econômicas promovidas pelo contrato. Outra alternativa não restará senão a resolução da avença.

 

O mesmo se diga quando o pleito revisional é desleal, frustrando a confiança legítima despertada no credor – e, portanto, quando ofender a boa-fé. Mesmo atendidos os requisitos legais para a incidência do art. 478, a revisão, nesses casos, não será possível. Se a boa-fé objetiva pode ser vista como princípio que serve de alicerce para a própria revisão contratual, seria contraditório admitir revisão quando o pleito contrariar o sentido da boa-fé.

 

Também não é cabível a revisão quando esta gerar excessivo sacrifício para as partes (notadamente, para o credor). Não faria sentido revisar o contrato para afastar a onerosidade excessiva do devedor e, ao mesmo tempo, criar despesas ou ônus desproporcionais ao credor. Também aqui, a solução será a resolução.

 

A resolução também será a única alternativa quando a própria alteração das circunstâncias constituir frustração do fim do contrato. A revisão contratual somente faz sentido quando há a perturbação (Störung) da base objetiva do contrato, mas é imprestável quando há a sua aniquilação.11 Portanto, verificando-se que os fundamentos sobre os quais se assentou a contratação não mais subsistem, pela cabal frustração de sua finalidade, não cabe revisá-lo, mas, apenas, resolvê-lo.

 

Daí a proposta, no Anteprojeto, não apenas do inciso IV do parágrafo único do art. 479, mas, também, do art. 480-A, que prevê a resolução do contrato quando frustrada a finalidade contratual.

 

Por fim, de modo coerente com a desjudicialização e com a busca por soluções que contemplem a autonomia privada, o Anteprojeto propõe a seguinte redação para o art. 480:

 

Art. 480. As partes podem estabelecer que, na hipótese de eventos supervenientes que alterem a base objetiva do contrato, negociarão a sua repactuação.

 

Parágrafo único. O disposto no caput não afasta eventual direito à revisão ou resolução do contrato no caso de frustração da negociação, desde que atendidos aos requisitos legais

 

Trata-se de regra que reforça o sentido do disposto no vigente do art. 421-A, I (reprisada no projetado 421-D, I), ao permitir às partes o estabelecimento da cláusula de hardship.

 

A cláusula tem o objetivo de obrigar as partes a encetar negociações, com a “finalidade de adaptar o contrato se a sua execução se tornar muito onerosa para uma delas em razão de uma alteração de circunstâncias imprevisível e posterior à conclusão do contrato”.12

 

Não se trata de imposição legal de dever de renegociar, prevista nos princípios UNIDROIT e no Código Civil Francês, mas, sim, de uma obrigação contratual, desde que pactuada pelas partes.

 

Optou a Comissão de Reforma por não impor às partes um dever genérico de renegociação, mas, diversamente, por incentivar a celebração da cláusula de hardship, em uma espécie de nugde, como um corolário da autonomia privada.

 

Se a cláusula for pactuada, haverá, por escolha prévia das partes (e não da lei), dever de renegociar, que não se confunde com um dever de obter uma renegociação exitosa, revisando contrato. Caso não se obtenha êxito na renegociação, salvo disposição contratual em contrário, a revisão judicial ou arbitral somente será possível na hipótese de serem atendidos aos requisitos do artigo 478.

 

__________

 

1 TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula Greco. Fundamentos do direito civil. Volume 3: Contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 143. Eis a redação original da regra do art. 315, no Projeto do Código Civil de 1975, que, após adaptações no Congresso, resultou no atual art. 317: “Art. 315. Quando, pela desvalorização da moeda, ocorrer desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento da execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que preserve, quanto possível, a equivalência das prestações”.

 

2 FRITZ, Karina Nunes. Revisão contratual e quebra da base do negócio. Direito UNIFACS – Debate Virtual, n. 247, 2021.

 

3 Não por acaso, o Anteprojeto de Reforma do Código Civil propõe sua modificação, de modo a não permitir a redução equitativa do valor da cláusula penal nos contratos paritários e simétricos: “Art. 413. (…)Parágrafo único. Em contratos paritários e simétricos, o juiz não poderá reduzir o valor da cláusula penal sob o fundamento de ser manifestamente excessiva, mas as partes, contudo, podem estabelecer critérios para a redução da cláusula penal”.

 

4 Nesse sentido, colhe-se da doutrina italiana: “L’art. 1467 c.c. è sicuramente un’espressione di inadeguatezza degli strumenti preordinati alla soluzione della problematica delle sopravvenienze, dal momento che riconosce la possibilità di richiedere la revisione del contratto divenuto iniquo solo alla parte che, in teoria, avrebbe meno interesse al riequilibrio, in quanto da esso avvantaggiata. Ciononostante, sempre la norma in parola è dimostrativa di come l’ordinamento privilegi la conservazione del contratto mediante revisione, rispetto alla caducazione del rapporto negoziale. Non è accidentale, infatti, che la richiesta di riconduzione ad equità del contratto abbia l’effetto di vanificare la domanda di risoluzione eventualmente proposta dalla parte onerata da sopravvenienze. È da dire che la preferenza accordata alla revisione e, dunque, anche alla rinegoziazione quale rimedio ideale, in grado di realizzare un interesse meritevole di tutela secondo l’ordinamento giuridico, non si rinviene soltanto nell’art. 1467 c.c.: essa trova conferma generalmente nella disciplina speciale delle fattispecie contrattuali necessariamente o funzionalmente influenzate dal fattore tempo”. LEUZZI, S. Novità normative sostanziali del diritto “emergenziale” anti-Covid 19 in ambito contrattuale e concorsuale. Relazione tematica n. 56/2020 dell’Ufficio del Massimario e del Ruolo – Corte Suprema di Cassazione.

 

5 LARROUMET, Chistian; BROS, Sarah. Les Obligations. Le Contrat. 8e. ed. Paris: Economica, 2016, p. 413-415.

 

6 O art. 317 do Anteprojeto, como norma geral aplicável também a obrigações derivadas de atos ou negócios de natureza não contratual, é espelho do constante do artigo 478, prevendo os mesmos requisitos: “Art. 317. Se, em decorrência de eventos imprevisíveis, houver alteração superveniente das circunstâncias objetivas que serviram de fundamento para a constituição da obrigação e que isto gere onerosidade excessiva, excedendo os riscos normais da obrigação, para qualquer das partes, poderá o juiz, a pedido do prejudicado, corrigi-la, de modo que assegure, tanto quanto possível, o valor real da prestação.

 

Parágrafo único. Para os fins deste artigo devem ser também considerados os eventos previsíveis, mas de resultados imprevisíveis”.

 

7 CANARIS, Claus-Wilhelm. O novo direito das obrigações na Alemanha. Revista da EMERJ. V. 7, n. 27, 2004, p. 115.

 

8 LARENZ, Karl. Base del Negocio Juridico e cumplimiento de los contratos. Trad. Carlos Fernandez Rodriguez. Madrid: Editorial Revista de derecho Privado, 1956, p. 226.

 

9 RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRORROGAÇÃO DO VENCIMENTO DE PARCELAS DE CONTRATO DE MÚTUO PARA FOMENTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E COLETIVO DE PASSAGEIROS. MEDIDA DETERMINADA POR ENTES FEDERATIVOS PARA CONTER O AVANÇO DO CORONAVÍRUS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSENTE. CONTRATO DE CAPITAL DE GIRO. INAPLICABILIDADE DO CDC. PRECEDENTES. CONTRATOS PARITÁRIOS. REGRA GERAL. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. PREVISÃO DO ART. 317 DO CÓDIGO CIVIL. TEORIA DA IMPREVISÃO. ART. 478 DO CÓDIGO CIVIL. TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA. PANDEMIA DA COVID-19 QUE CONFIGURA, EM TESE, EVENTO IMPREVISÍVEL E EXTRAORDINÁRIO APTO A POSSIBILITAR A REVISÃO DO CONTRATO, DESDE QUE PREENCHIDOS OS DEMAIS REQUISITOS LEGAIS. HIPÓTESE DOS AUTOS.

 

(…) 7. Do mesmo modo, a interpretação sistêmica e teleológica dos arts.

478, 479 e 480 pode conduzir à revisão judicial do pactuado, não se limitando à resolução contratual. A Teoria da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC), de origem italiana, pressupõe (I) contratos de execução continuada ou diferida; (II) superveniência de acontecimento extraordinário e imprevisível; (III) que acarrete prestação excessivamente onerosa para uma das partes; (IV) extrema vantagem para a outra; e (V) inimputabilidade da excessiva onerosidade da prestação ao lesado. Possibilidade de flexibilização da “extrema vantagem”. (REsp n. 2.070.354/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023.)

 

10 Article 1195. Si un changement de circonstances imprévisible lors de la conclusion du contrat rend l’exécution excessivement onéreuse pour une partie qui n’avait pas accepté d’en assumer le risque, celle-ci peut demander une renégociation du contrat à son cocontractant. Elle continue à exécuter ses obligations durant la renégociation. En cas de refus ou d’échec de la renégociation, les parties peuvent convenir de la résolution du contrat, à la date et aux conditions qu’elles déterminent, ou demander d’un commun accord au juge de procéder à son adaptation. A défaut d’accord dans un délai raisonnable, le juge peut, à la demande d’une partie, réviser le contrat ou y mettre fin, à la date et aux conditions qu’il fixe.

 

11 Conforme a doutrina: “Nessa linha de raciocínio, é a razão concreta do contrato que permite aferir o seu fim, a qual, todavia, assume fisionomia objetiva. Diz Pontes de Miranda que o instituto se materializa quando não se pode obter a finalidade objetiva do negócio jurídico, ainda que possível a prestação, entendendo-se que a finalidade de um dos figurantes que o outro admitiu é objetiva (= subjetiva comum). A impossibilidade de alcançar o fim só afeta a subsistência do contrato se relacionada não à finalidade de apenas uma parte, mas à finalidade comum e, neste sentido, finalidade objetiva do contrato”. (NANNI, Giovanni Ettore, Frustração do fim do contrato, análise do seu perfil conceitual. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 23, p. 39-56, jan./mar. 2020).

 

12 Guillaume Lacroix. L’adaptation du contrat aux changements de circonstances. Droit. 2015. ffdumas01317150f. “La clause de hardship oblige les parties à engager les négociations afin d’adapter le contrat si l’exécution de ce dernier devient trop onéreuse pour l’une d’elle en raison d’un changement de circonstances imprévisible et postérieur à la conclusion du contrat”.

 

Fonte: Migalhas

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