A importância da fundamentação das decisões judiciais no Brasil, especialmente após a promulgação do CPC de 2015, que reforçou essa exigência por meio do art. 489
Em 2025, o CPC completará dez anos desde a sua promulgação. Este marco oferece uma oportunidade valiosa para reflexões sobre a eficácia da aplicação de diversos dispositivos fundamentais, entre eles, a ampliação da exigência de fundamentação das decisões judiciais, trazida no parágrafo primeiro do art.489.
O princípio da motivação das decisões judiciais não é novidade. Há exatos 20 anos, a Emenda 45 incluía o inciso IX no art. 93 da CF/88, que dispõe que deverão ser “fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (…).”. Tal inciso é replicado no art. 11 do CPC. Ou seja, é nítida a intenção do legislador pela sua observância e concretização.
Também, em no âmbito constitucional, é possível fazer uma correlação com os princípios do acesso à justiça1, devido processo legal2, efetividade de prestação jurisdicional3 e à própria segurança jurídica, em sentido amplo.
Sabe-se, portanto, que o CPC de 2015 buscou aprofundar essa determinação constitucional, listando exemplos de hipóteses em que não se considera fundamentada a decisão nos incisos do parágrafo primeiro do art. 489, de forma a garantir o direito das partes à compreensão do raciocínio jurídico que embasou a decisão.
Entretanto, passados nove anos, observa-se que, na prática, tal previsão normativa nem sempre tem sido rigorosamente observada. Seja por excesso de demanda ou por outros motivos, que precisam ser levantados pelo Judiciário, muitas decisões ainda se limitam a acolher ou rejeitar as pretensões das partes de forma muito sucinta, sem fazer menção aos fundamentos que acolhe, ou que o levaram a rejeitá-la no caso concreto.
O citado artigo processual exige que a argumentação aborde, com precisão, as questões controvertidas, e veda o uso de motivos genéricos ou abstratos que não expliquem o raciocínio adotado pelo juiz. Segundo os incisos do parágrafo primeiro, a mera citação de ato normativo ou a simples referência a precedentes não constitui embasamento suficiente.
O texto legal, portanto, impõe ao julgador o dever de examinar minuciosamente os elementos do processo e de justificar de forma clara e coerente o seu convencimento.
Esse cenário gera desafios significativos para o Judiciário. A falta de motivação adequada pode acarretar insegurança jurídica, dificultar o controle das decisões pelos tribunais superiores e prolongar ainda mais os processos, já que geram a tendência de serem alvo de recursos, como os Embargos de Declaração, que visam o esclarecimento de obscuridades na fundamentação ou eliminação de contradições, por exemplo, aumentando a litigiosidade e o tempo de resolução dos conflitos.
Essa questão é tão crucial quanto o dever das partes, em sede recursal, de impugnar de forma especificada os pontos que pretendem discutir. No processo civil, a observância ao princípio da dialeticidade recursal é requisito de admissibilidade para que os recursos sejam recebidos, devendo a parte recorrente identificar maneira clara e precisa os aspectos da decisão que considera incorretos ou inadequados ao caso, apontando as razões jurídicas que sustentam seu inconformismo.
Esse requisito de especificidade é vital para que os tribunais possam revisar a decisão com foco nos pontos realmente controvertidos, evitando delongas desnecessárias e promovendo uma maior eficiência na prestação jurisdicional.
Entretanto, sem uma fundamentação adequada na decisão recorrida, torna-se dificultoso para a parte prejudicada cumprir esse dever de impugnação especificada.
Quando o magistrado não expõe de forma clara as razões que o levaram a decidir, a parte recorre “às cegas”, sem compreender plenamente os motivos da sentença ou acórdão, o que pode levar a recursos mal embasados ou até mesmo à preclusão de determinadas matérias.
Nesse âmbito, esclarece o ministro Marco Aurélio:
“A exigência da fundamentação dos pronunciamentos judiciais nada mais é do que o enfrentamento das causas de pedir veiculadas pelas partes. Cabe o julgamento do conflito e não a simples decisão deste, lançando-se, no cenário jurídico, verdadeiro ato de inteligência. O juiz é um perito na arte de proceder e julgar, devendo responder aos questionamentos das partes. Eis a síntese da atuação mais consentânea com a ordem instrumental no que, em última análise, encerra liberdade em seu sentido maior, podendo o cidadão saber o que se mostra passível de acontecer na tramitação processual. Implica ato de força deixar sem análise causa de pedir apresentada quer pelo autor, quer pelo réu.”4
No mesmo sentido, também ilustra a jurisprudência do TRF da 4ª Região:
“Importa destacar que a obediência ao princípio da motivação não se reveste de questão de mera formalidade, tratando-se, sim, de mandamento imprescindível à concretização de outras garantias fundamentais, já que é a exposição dos motivos informadores da convicção judicial que possibilita às partes exercer plenamente seu direito de defesa. Isto é, além de evitar arbitrariedade na entrega da prestação jurisdicional, a apresentação dos motivos que sustentam a conclusão do julgador permite às partes entender as razões da decisão para, querendo, impugná-las. Portanto, para que se considere que a decisão preencheu o requisito da fundamentação, não basta que a sentença traga sua conclusão sobre os fatos objetos da controvérsia, sendo necessário que demonstre às partes envolvidas o modo pelo qual chegou àquela solução.”5
No mesmo julgado, também é citado o entendimento doutrinário de Nelson Nery:
“Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão. Não se consideram ‘substancialmente’ fundamentadas as decisões que afirmam que ‘segundo os documentos e testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo por que julgou procedente o pedido’. Essa decisão é nula porque lhe falta fundamentação.”
Desse modo, é clara a importância da motivação das decisões judiciais que pode se traduzir como o efetivo esforço para que se alcance a melhor resolução possível e, até mesmo, aproximar-se do conceito de justiça. Enquanto a falta do alicerce adequado, portanto, compromete não somente o direito à ampla defesa, mas também a efetividade do próprio sistema processual.
Portanto, é inegável que o fortalecimento do compromisso com a fundamentação das decisões é um caminho imprescindível para que a prestação jurisdicional seja eficaz, transparente e justa, como exige a Constituição Federal e, acima de tudo, como as partes esperam
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1 Art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal
2 Art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal.
3 Art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.
4 Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 435.256-7/RJ. Relator: Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. 1ª turma. Brasília, 26.05.2009. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico 157 em 21.08.09. Ementário nº 2370-6.
5 Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível 5027805-06.2015.4.04.7100/RS. Relator: Desembargador Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle. 4ª turma. Porto Alegre, 14.12.16. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 10.01.17.
Fonte: Migalhas

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