O setor imobiliário deve integrar práticas de privacidade, capacitar profissionais e garantir transparência, atendendo às exigências da LGPD

 

Engana-se quem pensa que privacidade, proteção de dados pessoais e segurança da informação se restringem a ambientes tecnológicos bem estruturados.

 

Um efetivo sistema de gestão em privacidade, proteção de dados pessoais e segurança da informação envolve muito mais do que apenas tecnologia, abrange temas como: i) conscientização do board, ii) recrutamento e seleção de pessoas que sejam capazes de compreender e internalizar em suas operações e áreas de negócio conceitos básicos de privacidade e segurança da Informação, iii) avaliação e gestão de risco de terceiros, o que pressupõe uma análise crítica daqueles que fazem parte da jornada e operação de uma empresa, iv) desenvolvimento de políticas e diretrizes que sejam capazes de alinhar a estratégia da organização às práticas de privacidade, proteção de dados pessoais e segurança, v) campanhas de conscientização e capacitação interna sobre tais diretrizes, vi) definição de planos de continuidade de negócio, em especial e com ênfase em segurança da informação, o plano de recuperação de desastres tecnológicos, vii) definição de mecanismos de monitoramento de indicadores de performance do sistema de gestão, dentre outros.

 

É neste cenário que surge um grande desafio para aquelas empresas que dependem de terceiros para efetivar os seus negócios. No setor de incorporação imobiliária, onde se lida com um grande volume de informações pessoais de clientes esses desafios são amplificados pela complexidade das relações comerciais envolvidas. A necessidade de adaptação às exigências legais vai além da teoria e exige a implementação de práticas eficazes de privacidade, proteção de dados pessoais e segurança da informação. Essa realidade impõe uma reflexão profunda sobre as dificuldades enfrentadas por esse setor para implementar um sistema de gestão eficaz frente aos controles de privacidade e de segurança da informação.

 

Um dos primeiros desafios a serem superados é garantir a transparência no tratamento de dados pessoais. Para incorporadoras, é fundamental que os clientes compreendam claramente como suas informações serão coletadas, utilizadas e armazenadas. Isso é especialmente relevante no contexto de lançamentos de empreendimentos imobiliários e stands de vendas, onde os dados dos clientes são frequentemente coletados de maneira pouco clara. Tornar essas práticas mais transparentes demanda o uso de estratégias que facilitem o acesso à informação, como a disponibilização de avisos de privacidade em locais visíveis. É imprescindível, portanto, esclarecer o papel dos parceiros de negócio no processo de vendas, isto é garantir informações sobre corretores e imobiliárias, que atuam como controladores independentes de dados e detém as suas próprias responsabilidades no uso da informação pessoal do cliente, o que reforça a necessidade de uma comunicação mais eficaz.

 

Além da questão da transparência, outro aspecto crítico está relacionado à gestão de sistemas internos de vendas, como as plataformas de gestão de empreendimentos. Esses sistemas, essenciais para o desenvolvimento comercial do negócio, bem como acompanhamento e gestão de vendas, precisam estar em conformidade com as exigências de segurança da informação. O tratamento de dados pessoais nesses ambientes deve ser conduzido com rigor técnico, o que inclui a implementação de políticas de controle de acesso, segregação de bases de dados e registro de logs de atividades, pois, na maioria das vezes, corretores e imobiliárias detém acesso aos sistemas e aos clientes/leads que abriram oportunidades. Aqui surge um outro desafio: conscientizar corretores autônomos e imobiliárias sobre a importância de apenas utilizar dados de pessoas que efetivamente tenham demonstrado interesse em um determinado empreendimento, visando garantir que não extrapole nenhuma expectativa do titular de dados, no caso, o cliente.

 

Pensando nisto, a capacitação dos atores envolvidos no setor imobiliário também se mostra fundamental para garantir a conformidade com a LGPD. Corretores, imobiliárias e equipes de recepção em um novo lançamento de empreendimento frequentemente lidam diretamente com informações pessoais, o que exige uma educação contínua sobre suas responsabilidades no tratamento de dados pessoais. No entanto, a falta de treinamento adequado ainda é um obstáculo significativo. Conforme já mencionado, corretores, que frequentemente trabalham para múltiplas construtoras e empreendimentos, têm o dever de atuar como controladores independentes de dados, sendo fundamental que estejam cientes de suas obrigações legais. Da mesma forma, as equipes que atuam em stands de vendas e eventos de lançamento de empreendimentos, que precisam ser orientadas sobre como manusear essas informações com segurança e sobre a importância de prestar esclarecimentos claros em caso de questionamentos relacionados à proteção de dados pessoais.

 

Imprescindível dizer que construtoras frequentemente dependem de fornecedores, prestadores de serviços e outros parceiros que têm acesso a dados pessoais. Nesse cenário, a realização de due diligence na contratação de fornecedores e a inclusão de cláusulas contratuais que estabeleçam responsabilidades claras quanto à segurança da informação são medidas básicas e que devem ser implementadas. Porém, o monitoramento contínuo de tais medidas é igualmente crucial. Afinal, o terceiro também faz parte da organização.

 

E quando trazemos a questão dos terceiros, podemos falar em parcerias estratégicas, comuns no setor imobiliário, e que também apresentam desafios relacionados ao compartilhamento de dados pessoais. Parcerias com empresas de móveis planejados, por exemplo, são frequentes e agregam valor ao negócio, mas é necessário garantir que o compartilhamento de informações pessoais com essas empresas seja realizado de maneira transparente e em conformidade com a LGPD. Isso significa que os clientes devem ser informados sobre esse compartilhamento desde o início da relação e que seus direitos sejam garantidos, como o de solicitar a oposição à tal compartilhamento ou de não ser contatado, devem ser respeitados. O sucesso das parcerias no setor está diretamente relacionado à cooperação entre os agentes de tratamento de dados e ao comprometimento de todos com a transparência e a proteção dos direitos dos titulares.

 

Portanto, a gestão da privacidade e da proteção de dados no setor de incorporação imobiliária exige uma abordagem integrada e contínua. A conformidade com a LGPD não pode ser vista apenas como uma obrigação legal, mas como uma oportunidade de fortalecer a confiança dos clientes e melhorar a reputação das empresas no mercado. Para isso, é necessário investir em práticas de transparência, no uso seguro de sistemas, na capacitação de todos os envolvidos e na criação de processos robustos de avaliação de terceiros e parcerias estratégicas. A implementação de um sistema de governança eficaz não só garante a proteção dos dados pessoais, mas também contribui para a sustentabilidade do negócio a longo prazo.

 

Fonte: Migalhas

 

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