Acabou-se estabelecendo, firmando-se tendência que já se vinha fortalecendo ao longo do tempo, a identidade da eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade e daquelas dadas para resolver recursos extraordinários avulsos, entre A e B, julgados no regime da repercussão geral. A palavra equivalência é fraca: O que existe é absoluta identidade.
Durante um bom espaço de tempo, o Direito Positivo brasileiro usava a expressão eficácia erga omnes, para qualificar a eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade.
Isto nunca foi suficiente para que os demais órgãos do Poder Judiciário se sentissem obrigados a respeitar essas decisões. Sempre foi frequente e inexplicável a resistência dos demais órgãos do Poder Judiciário em aceitar a ideia de que teriam de curvar-se às decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade pelo STF. Com o advento da emenda constitucional 3/93, que criou a ação declaratória de constitucionalidade da lei, usou-se a expressão efeito vinculante.
A intenção do legislador muito provavelmente foi a de reforçar a ideia de que, obviamente, essas decisões teriam que ser respeitadas por todos os demais órgãos do Poder Judiciário e, de rigor, por toda a população.
A partir daí, o controle concentrado geraria decisões vinculantes e com efeitos erga omnes.
A expressão eficácia erga omnes liga-se ao dispositivo da decisão. Assim, se há uma determinada lei estadual que atribui a possibilidade de procuradores do Estado portarem armas de fogo, que é declarada inconstitucional, todas as decisões proferidas nesse Estado devem respeitar esta declaração, ficando inteiramente vedada a possibilidade de haver o controle difuso. Assim como todos os procuradores devem obedecê-la, isto é, não poderão portar armas de fogo.
Mas as decisões de controle concentrado também têm efeito vinculante: e o que vincula neste tipo de efeito é a ratio.
Portanto, também será inconstitucional a lei estadual que permita aos procuradores do Estado o uso de armas de fogo.
Voltaremos a essa problemática logo em seguida.
A vinculação dos precedentes – embora as ações de controle concentrado não gerem propriamente “precedentes” – dá-se tipicamente pela ratio. A ratio pode-se dizer, com o objetivo de simplificar a discussão, extrai-se da fundamentação.
Um bom exemplo diz respeito à inconstitucionalidade/impossibilidade de lei estabelecer a obrigatoriedade de inscrição em órgão de classe e de pagamento de anuidade para que músicos possam exercer a sua profissão.
Qual seria a fundamentação desta decisão? A seguinte: A liberdade de expressão é garantia constitucional.
Como chegamos à ratio? Se formularmos a fundamentação de uma maneira mais abstrata e, portanto, mais abrangente, teremos um enunciado correspondente à ratio: O exercício de garantias constitucionais não pode ficar vinculado a qualquer tipo de ônus.
Vê se, portanto, que a parte decisória se aplica a todos os músicos, como se fosse um efeito erga omnes.
Enquanto que a fundamentação, de onde se extrai a ratio, é mais abrangente e se aplica também às bailarinas, aos escultores.
É de se perceber a existência de uma certa simetria entre os conceitos de ratio e de decisum, e os efeitos vinculantes e erga omnes; assim, a ratio está para os efeitos vinculantes, assim como o decisum está para os efeitos erga omnes. Isso nos remete a um problema bastante grave no Direito brasileiro atual: O endeusamento das teses. As teses só podem (só devem) conter a parte decisória do acórdão. Estendem seus efeitos, i. e., “vinculam” casos idênticos. Não podem ser “interpretadas” por outros juízos. Na verdade, as teses devem descrever um caso específico de aplicação da ratio.
Os juízes podem e devem, para decidir o mérito, proferindo sentença ou julgando uma apelação, interpretar o acórdão que deu origem à tese. Devem fazê-lo para encontrar a ratio e aplicar o precedente – como base da decisão – a casos que não são idênticos aos julgados.
Essa distinção, como se verá, tem especial relevância no campo tributário.
Principalmente quando se pensa na vinculatividade horizontal dos precedentes: Os tribunais devem respeitar os seus próprios precedentes! Se isso for desconsiderado pelos Tribunais Superiores, podemos todos desistir. Pois o sistema de precedentes trazido pelo novo código jamais funcionará!
Existem pressupostos específicos que autorizam a superação, e esta não está autorizada pelo sistema se eles não forem preenchidos.
Mas vamos adiante tratar de exemplos de Direito Tributário:
Em 2017 (Tema 69), o STF reconheceu que o ICMS destacado nas notas fiscais não pode compor as bases de cálculo do PIS e da Cofins, pois não se molda aos conceitos constitucionais de faturamento ou receita bruta. Embora o valor do ICMS seja repassado economicamente ao consumidor por meio do preço, este repasse representa mero reembolso do tributo que a empresa, como contribuinte de direito, deve recolher aos cofres públicos estaduais. Assim, o ICMS não se incorpora ao patrimônio do particular, configurando apenas um ingresso transitório de caixa que será destinado a um terceiro (neste caso, o fisco). Esta é a ratio da decisão.
O mesmo tribunal, em 2019, decidiu, agora no âmbito penal, que a conduta do contribuinte de direito (empresa) de não repassar ao fisco o ICMS que foi destacado nas notas fiscais e cujo custo econômico foi reembolsado pelo consumidor no preço, configura crime de apropriação indébita. Não é difícil perceber que, embora não se trate de um caso idêntico, é imperativo que a decisão seja tomada – como de fato foi – com base na mesma ratio.
Assim como é imprescindível reconhecer que PIS e Cofins não podem incidir sobre valores que são cobrados pelas empresas de turismo, mas são destinados ao pagamento de hotéis e companhias aéreas. Estes valores representam meros ingressos transitórios de caixa que serão repassados aos prestadores finais dos serviços, não se incorporando ao patrimônio da agência de turismo como receita própria ou faturamento. Caso análogo deve ser resolvido com base na mesma ratio: valores recebidos que pertencem a terceiros não constituem base de cálculo para PIS e Cofins.
Precedentes e decisões proferidas em controle concentrado vinculam desta forma.
E as teses? As teses só podem ser aplicadas a casos iguais. Quando isto acontece, o próprio código prevê um sistema muito ágil e quase automático de aplicação de precedentes! Basta lermos o art. 1.030 do CPC para percebermos que tudo aquilo pode ser feito apenas se se trata de casos idênticos.
A eficácia das teses se limita a casos iguais – o que, de certo modo, pode ser comparado à eficácia erga omnes das decisões preferidas em controle concentrado de constitucionalidade. Por exemplo, quando o STF declara que uma lei não está de acordo com a CF/88 e, portanto, não “vale”.
Entretanto, as razões em virtude das quais essa lei foi considerada em desacordo com a CF/88 valem para casos análogos, em que essas razões também possam e devam ser aplicadas, isto é, usadas como a base da decisão.
A conclusão é otimista: O CPC traz um sistema, concebido a partir de mecanismos interessantes e eficientes, que, em conjunto com a disciplina das ações de controle concentrado de constitucionalidade, podem criar um país mais seguro, mais previsível, um Judiciário menos assoberbado de trabalho. Mas, para isso, é imperioso que esta “engrenagem” seja bem compreendida, bem aplicada, e que não se pense que as teses são uma figura nova, com efeitos mágicos, e que seu uso vai diminuir a carga de trabalho dos Tribunais Superiores pela metade.
Fonte: Migalhas
Deixe um comentário