O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM enviou ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ pedido de providências para autorizar o registro de crianças concebidas por meio de inseminação caseira diretamente no Cartório de Registro Civil, sem a exigência da declaração do diretor de uma clínica de reprodução assistida. O requerimento pede a complementação do artigo 513 do Provimento 149/2023.
O Instituto já havia protocolado pedido no mesmo sentido, porém o CNJ não admitiu a possibilidade. O novo pedido tem como base recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que garantiu a possibilidade.
No caso em questão, a Terceira Turma do Tribunal reconheceu a presunção de maternidade de mãe não biológica em caso de inseminação artificial caseira realizada no contexto de união estável homoafetiva.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, esclareceu que não há no ordenamento jurídico brasileiro vedação explícita ao registro de filiação realizada por inseminação caseira. “A interpretação do artigo 1.597, inciso V, à luz dos princípios que norteiam o livre planejamento familiar e o melhor interesse da criança, indica que a inseminação artificial caseira é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro”, explicou.
Argumento
No novo pedido de providências, o IBDFAM argumenta que impedir o registro direto no cartório perpetua discriminações históricas, como as que antes rotulavam filhos gerados fora do casamento como “ilegítimos”.
Além disso, a prática vai contra a tendência moderna de desjudicializar procedimentos que não demandam decisões judiciais complexas. Essa limitação acarreta prejuízos significativos, como a privação do direito à identidade, a inclusão em planos de saúde e a licença parental para quem exerce a função de pai ou mãe.
O texto também destaca que os registradores civis têm capacidade para verificar a existência de um projeto parental, enquanto a via judicial, muitas vezes, limita-se à chancela de pedidos sem investigação aprofundada.
O IBDFAM ainda defende que qualquer restrição ao registro de crianças concebidas por inseminação caseira afronta preceitos constitucionais, como a proteção especial a crianças e adolescentes, a igualdade de filiação e o princípio da paternidade responsável.
Ao final, o Instituto pede que a regra reguladora seja ajustada para que os registradores civis possam verificar elementos concretos e viabilizar o registro diretamente, garantindo a cidadania plena às crianças desde o nascimento.
Atuação
Em declaração durante o julgamento no STJ, no qual o IBDFAM atuou como amicus curiae, Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto, afirmou: “A possibilidade de registro, independentemente de qualquer formalidade, está sendo admitida pela Justiça, quando a pretensão já formulada junto ao CNJ visa garantir que o registro possa ser feito diretamente no cartório de registro civil, sem a exigência do documento firmado pela clínica de reprodução assistida”, afirmou.
A jurista pontuou que a exigência documental não pode ser levada ao Judiciário sempre que uma criança gerada por inseminação caseira nascer. De acordo com ela, a exigência de documentação leva a situações como a que chegou ao STJ, que poderiam ter sido resolvidas de forma extrajudicial.
“Neste caso, por exemplo, a criança já tem dois anos e ainda não possui o registro de nascimento com o nome da sua mãe. Essa exigência é absolutamente dispensável. O que ocorre é que o oficial de registro não faz a verificação para confirmar se a criança é fruto de um projeto de família. Quando esse tipo de caso chega ao Poder Judiciário, muitas vezes o juiz não ouve testemunhas, não colhe depoimentos das partes, não realiza instrução adequada. Simplesmente o juiz acaba homologando a possibilidade, mas pode levar muito tempo para que isso aconteça — como neste caso, em que já se passaram dois anos para que essa decisão fosse obtida”, apontou.
Para ela, a exigência documental não deve ser aplicada para a efetivação do registro civil no nascimento. “A questão envolve o direito à licença-maternidade, ao auxílio-maternidade, ao direito à identidade da criança e ao acesso ao plano de saúde de uma das mães ou dos pais. Quando o registro não é feito no momento do nascimento, surgem muitas dificuldades”, manifestou-se a jurista.
Após o julgamento, a jurista também participou de uma reunião a convite da Defensoria Pública-Geral da União, gabinete da Defensoria Nacional de Direitos Humanos – DNDH, para tratar do assunto.
No encontro, conduzido pela Defensora Nacional de Direitos Humanos, Carolina Soares Castelliano Lucena de Castro, as entidades concordaram em unir esforços para garantir e facilitar o registro de crianças geradas por inseminação caseira ou autoinseminação na seara extrajudicial.
Fonte: INR
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