O futuro da governança da internet está sendo reconfigurado por políticas globais, que buscam equilibrar a liberdade digital com os desafios trazidos pelo poder das redes sociais e das grandes plataformas tecnológicas. As mudanças nessas políticas têm impacto direto na forma como nos relacionamos com a tecnologia e nas oportunidades de expressão e comunicação digital, alterando não só os direitos de liberdade que podemos exercer, mas também o potencial da internet para fomentar diálogos significativos.
Essa rede virtual se consolidou como uma das colunas mestras da sociedade moderna, mas também impôs novos desafios, particularmente no que tange à sua governança e à responsabilidade das plataformas digitais. No Brasil, por exemplo, a remoção de conteúdos online depende exclusivamente de uma decisão judicial. Embora essa medida vise proteger a liberdade de expressão, ela frequentemente resulta na manutenção de conteúdos prejudiciais, dificultando a reparação de danos. Esse modelo precisa ser reavaliado.
As inovações tecnológicas impactam profundamente nossa percepção do que significa ser humano, especialmente no que diz respeito à escolha de como utilizá-las. A forma como nos apropriamos dessas tecnologias — de modo autônomo e ético, ou de maneira arbitrária e influenciada por interesses comerciais — reflete a manifestação de nossa liberdade em ação.
Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web, apontou um grande desafio para o futuro da internet: gerenciá-la de maneira aberta, livre de burocracia e influências políticas e comerciais. Apesar da crença inicial de que a internet seria imune ao controle, a realidade revelou-se diferente, com a crescente intervenção de governos e corporações, que ameaçam essa liberdade.
O domínio das grandes empresas de tecnologia sobre a economia digital tornou-se um tema controverso. No entanto, a ideia de uma internet livre e aberta foi, durante muito tempo, uma bandeira defendida pela maioria dos governos. A crença era de que esse modelo liberaria as sociedades, o que justificava a condenação de políticas autoritárias de países como China e Irã.
Essa visão otimista da internet como ferramenta de liberdade está se desfazendo. A lição de Karl Popper, que destacou a natureza imprevisível da narrativa humana, foi muitas vezes ignorada, gerando uma confiança excessiva na autonomia digital. Agora, o otimismo pós-Guerra Fria está sendo substituído por uma crescente desilusão com o poder da internet para promover a liberdade. As políticas restritivas estão se tornando a norma.
É fundamental que o Direito estabeleça limites claros para o uso das tecnologias emergentes, distinguindo entre o que é eticamente aceitável e o que não é. O sistema jurídico deve ser capaz de integrar a evolução científica e as questões éticas, criando um marco legal que regule eficazmente as novas realidades geradas por esses avanços.
Governos em todo o mundo estão intensificando os esforços para controlar e limitar o fluxo de dados pessoais. Entre 2020 e 2024, o número de regulamentações que exigem armazenamento local de dados mais que dobrou, o que levanta preocupações sobre o isolamento digital e a fragmentação da internet.
Essas políticas, embora muitas vezes justifiquem preocupações com o poder das grandes corporações tecnológicas, podem ser excessivamente restritivas, prejudicando tanto empresas quanto cidadãos. O conceito de “cortinas de ferro digitais” representa uma tentativa de segmentar a internet, o que pode reduzir sua capacidade de conectar pessoas e violar direitos fundamentais.
A regulamentação de dados deve priorizar a segurança cibernética e a proteção da privacidade, sem criar novos riscos. A chave para um sistema equilibrado é uma abordagem colaborativa, envolvendo governos, empresas e a sociedade civil, para garantir que a internet continue a ser um espaço de inovação e liberdade.
Código da Internet
Por outro lado, as plataformas digitais, que utilizam algoritmos sofisticados para maximizar lucros, devem ser responsabilizadas por garantir um ambiente digital seguro. A autorregulação também é essencial, mas precisa ser acompanhada de uma supervisão robusta, envolvendo não apenas as corporações, mas também as autoridades públicas e a sociedade civil.
No Brasil, o modelo de exigência de decisão judicial para remoção de conteúdos online é insuficiente diante do poder crescente das plataformas. As empresas precisam ser incentivadas a desenvolver mecanismos de autorregulação, com a supervisão do governo e da sociedade, garantindo que seus algoritmos também atendam aos princípios de responsabilidade social.
Logo, a responsabilidade proativa e objetiva é indispensável. Se as grandes plataformas digitais podem criar algoritmos complexos para maximizar lucros, também devem desenvolver sistemas que promovam a autorregulação de suas redes. A famosa frase “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” é geralmente atribuída ao Tio Ben, do Homem-Aranha, mas, na verdade, é de Voltaire. Esse singelo erro revela como as fake news moldam nossa visão da realidade. Como Goebbels afirmou, “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”. Em tempos de desinformação, essas distorções tornam ainda mais urgente a implementação de uma governança digital eficaz e responsável.
O caminho para uma governança digital efetiva passa pela criação de um Código da Internet, que deve ser debatido amplamente, envolvendo toda a comunidade jurídica. É essencial que as discussões sobre as normas digitais sejam acessíveis ao público em geral, para que as transformações tecnológicas sejam aplicadas de maneira ética e respeitosa à dignidade humana, assegurando que o avanço científico não comprometa os direitos individuais e o bem-estar coletivo.
Ao estudarmos o filósofo grego Parmênides, lembramos de sua célebre lei de identidade: “o que é, é; e o que não é, não é”. Diante das dificuldades em definir o que é “real”, o melhor critério é precisamente a “realidade”, ou seja, “o que realmente acontece”. E essa realidade, por mais que tentemos distorcê-la, é única e inegável. A regulação digital é urgente, antes que nos percamos em um mundo fictício, como no multiverso do Homem-Aranha, onde a verdade se fragmenta em inúmeras realidades paralelas.
Fonte: Conjur
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