Não incide ITCMD na extinção de usufruto, no entanto, se o contribuinte optar pelo diferimento do pagamento do imposto deverá, neste momento, recolher o imposto diferido

A doação com reserva de usufruto é uma prática amplamente utilizada no planejamento sucessório, permitindo ao doador antecipar a transmissão de bens aos seus sucessores sem abrir mão do direito de uso e fruição. No Estado de São Paulo, a incidência do ITCMD sobre essas operações é regida pela lei 10.705/00 e pelo decreto 46.655/02, que disciplinam a base de cálculo, os prazos de pagamento e as hipóteses de incidência. O imposto incide no momento da doação, ainda que o usufruto permaneça com o doador, sendo possível, por força do art. 31 do decreto 46.655/02, optar por uma das seguintes opções:

Pagamento à vista, sobre o valor total do bem, no momento da doação (art. 9º, §2º, itens 3 e 4 da lei 10.705/00, e art. 31º, II, c, do decreto 46.655/02, combinado com §3º, item 1, do art. 31º do mesmo decreto);
Pagamento parcelado (com diferimento de 1/3), com incidência sobre 2/3 da base de cálculo no momento da doação e diferimento do 1/3 restante para o momento da consolidação da propriedade plena, quando então deverá ser recolhido com atualização pela UFESP (art. 9º, §2º, itens 3 e 4 da lei 10.705/00, e art. 31º, II, c, do decreto 46.655/02, combinado com §3º, itens 2 e 3, do art. 31º do mesmo decreto/atualização pela UFESP prevista no art. 15 da lei 10.705/00)1
A decisão normativa CAT-03/10 esclarece que a extinção do usufruto, por morte ou renúncia do usufrutuário, não é fato gerador do ITCMD. No entanto, nos casos em que o imposto não tenha sido recolhido integralmente no momento da doação, permanece a obrigatoriedade de pagamento da parcela correspondente ao usufruto quando a propriedade plena se consolida. Alguns contribuintes, porém, têm interpretado de forma isolada essa obrigação de recolhimento e alegado a ilegalidade de sua exigência, desconsiderando que a exigência do pagamento decorre da escolha inicial de diferimento parcial do tributo e não de um novo fato gerador.

A jurisprudência recente, principalmente em decisões de primeira instância, tem refletido essa controvérsia, sendo possível identificar decisões que acolhem a tese dos contribuintes de que o decreto 46.655/00 inovou indevidamente ao estabelecer a exigência do ITCMD sobre a parcela correspondente ao usufruto. A tese se fundamenta no princípio da legalidade tributária, segundo o qual somente a lei pode instituir tributos e definir seus elementos essenciais, como fato gerador e base de cálculo. No entanto, a exigência prevista no decreto não cria nova obrigação tributária, mas apenas estabelece a forma e o momento de pagamento de um tributo já instituído pela legislação estadual, o que se encontra dentro dos limites do poder regulamentar da administração tributária.

O TJ/SP, em suas decisões recentes, tem mantido a exigência do pagamento do tributo, convalidando a interpretação da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, manifestada na decisão normativa CAT 03/10:

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO. EXTINÇÃO DO USUFRUTO POR MORTE DO DOADOR USUFRUTUÁRIO. DIFERIMENTO. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR NÃO AFERIDOS. Recurso tirado contra decisão que negou pedido liminar para afastar cobrança de 1/3 do ITCMD sobre o valor de imóvel anteriormente doado com cláusula de reserva de usufruto, o qual restou extinto pela morte da usufrutuária. Desacolhimento. Art. 31, II, c, e §3º, do Decreto Estadual 46.655/2002, prevê a possibilidade de fracionamento e postergação no recolhimento do tributo incidente sobre a doação quando instituída com cláusula de reserva de usufruto pelo próprio doador do imóvel. Aparente conclusão no sentido de que o pagamento do tributo ao tempo do ato próprio de doação é parcial, não sendo desarrazoada a exigência do saldo remanescente ao tempo da consolidação da propriedade. Exegese conjunta ao art. 9º, caput e §2º, 4, da Lei Estadual 10.705/2000. Hipótese que não se confunde com a extinção do usufruto por transmissão causa mortis, vez que tem seu supedâneo fático (fato imponível) no negócio jurídico inter vivos da doação. Plausibilidade do direito não aferida. Ausência de motivo relevante que autorize o provimento liminar, nos termos do art. 7, III, da lei 12.016/2009. Decisão de origem mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2335138-81.2024.8.26.0000; Relator (a): Marcio Kammer de Lima; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Data do Julgamento: 31/01/2025)

APELAÇÃO MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD Autora que, após o falecimento de seu genitor, recolheu as quantias tributárias devidas A Fazenda Estadual, no entanto, lavrou auto de infração, sob o fundamento de ausência de pagamento Alegação de que o imposto já foi recolhido Sentença de improcedência Irresignação Descabimento Inteligência do art. 155, I, da Constituição e art. 2º, Lei Estadual nº 10.705/2000 Doação, com reserva de usufruto, da nua-propriedade de bem imóvel – O referido auto de infração não diz respeito ao imposto incidente pela transmissão causa mortis, o qual foi regularmente pago pela impetrante, visto que o ITCMD em discussão nos presentes autos é decorrente do ato de doação inter vivos. São dois fatos jurídicos tributários distintos e que, portanto, servem de fundamento para duas cobranças diferentes Art. 9º da Lei Estadual nº 10.705/2000 No caso de transferência da nuapropriedade, a base de cálculo do ITCMD corresponde a 2/3 do valor venal do imóvel Impetrante que, no ato de declaração de doação extrajudicial, informou quantia inferior Cobrança que, portanto, mostra-se devida Ausência de ilegalidade Sentença mantida Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1024890-55.2022.8.26.0053; Relator (a): Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Data do Julgamento: 08/10/2024)

RECURSO DE APELAÇÃO MANDADO DE SEGURANÇA DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO “CAUSA MORTIS” E DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS OU DIREITOS ITCMD EXTINÇÃO DE USUFRUTO CONSOLIDAÇÃO DA PLENA PROPRIEDADE PRETENSÃO À INEXIGIBILIDADE DO REFERIDO TRIBUTO IMPOSSIBILIDADE – PRETENSÃO RECURSAL DA PARTE IMPETRANTE À EXCLUSÃO DA PENALIDADE POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – POSSIBILIDADE. 1. Irregularidade, ilegalidade ou nulidade manifesta no ato administrativo ora impugnado, não demonstradas. 2. Hipótese de diferimento de tributação, não podendo ser confundida com a ocorrência de novo fato gerador. 3. Legislação tributária, facultando ao contribuinte o seguinte: a) recolhimento integral do imposto sobre o valor do bem, por ocasião da doação; b) recolhimento parcial da exação, no valor correspondente a 2/3, sobre o montante do bem, em relação à nua propriedade, com o diferimento para o adimplemento do remanescente, no momento da consolidação da plena propriedade, mediante a extinção do usufruto. 4. Inteligência dos artigos 9º da Lei Estadual nº 10.705/00 e 31, § 3º, do Decreto Estadual nº 46.665/02. 5. Inexigibilidade do imposto, no valor correspondente a 1/3, sobre o montante do bem, não reconhecida. 6. Precedentes da jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça. 7. Ofensa a direito líquido e certo, passível de reconhecimento e correção, não caracterizada. 8. Litigância de má-fé, não reconhecida. 9. Em Primeiro Grau de Jurisdição: a) ordem impetrada em mandado de segurança, denegada; b) reconhecimento e condenação da parte impetrante à penalidade por litigância de má-fé. 10. Sentença, recorrida, parcialmente reformada, excluindo-se, apenas e tão somente, o reconhecimento e a imposição de penalidade por litigância de má-fé. 11. Ficam mantidos o resultado inicial da lide, os demais termos, ônus e encargos constantes da r. sentença proferida na origem. 12. Recurso de apelação, apresentado pela parte impetrante, parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1023622-29.2023.8.26.0053; Relator (a): Francisco Bianco; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Data do Julgamento: 15/07/2024)

A correta compreensão do regime tributário aplicável às doações com reserva de usufruto exige atenção às disposições normativas e às escolhas feitas pelo contribuinte no momento da doação. Ao optar pelo pagamento integral no ato da transmissão, não há qualquer questionamento sobre a exigência do imposto. Já aqueles que preferem recolher o ITCMD em dois momentos devem estar cientes de que, no segundo evento, será necessário quitar a parcela restante do tributo, devidamente atualizada. Ignorar esse aspecto pode resultar em litígios tributários e questionamentos administrativos, especialmente quando há resistência ao pagamento na consolidação da propriedade plena.

A segurança jurídica no planejamento sucessório depende da correta aplicação das normas tributárias e da interpretação sistemática dos dispositivos legais e regulamentares. O ITCMD incide integralmente no momento da doação, e a possibilidade de diferimento parcial do pagamento não afasta a exigibilidade do tributo remanescente. A administração tributária paulista já consolidou esse entendimento e os precedentes normativos e jurisprudenciais reforçam que a escolha pelo pagamento em duas etapas não exime o donatário da obrigação tributária na consolidação da propriedade plena. Assim, ao avaliar as melhores estratégias para minimizar encargos fiscais em transmissões patrimoniais, é essencial que os contribuintes considerem não apenas a literalidade da norma, mas também os precedentes administrativos e judiciais que garantem a efetividade da tributação incidente sobre as doações com reserva de usufruto.

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1 ULLMANN, Igor Moisés. Doação com reserva de usufruto – recolhimento do ITCMD no Estado de São Paulo. In: VALENTIN, Jefferson (Org.). Estudos Fiscais sobre ITCMD. São Paulo: Max Limonad, 2024.

Fonte: Migalhas

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