Sonho de muita gente – inclusive de muitos clientes meus – a possibilidade de renunciar “previamente” ao direito de concorrer na herança de um quanto ao outro e também ao direito real de habitação a que faz jus o cônjuge sobrevivente (e também o(a) companheiro(a) sobrevivente) não parece estar nem tão próxima da sua validade no ordenamento jurídico brasileiro – não pelo menos sob a égide do atual que vigora enquanto esboçamos esse ensaio. Pode ser que no futuro – especialmente por conta do PL que tramita no Senado atualmente e busca atualizar as regras do Código Civil Brasileiro – essa seja uma realidade mas no momento outras soluções devem ser buscadas pelos interessados, com base no seu caso concreto, sob a orientação de um Advogado Especialista.

No direito brasileiro, a possibilidade de um casal firmar um pacto antenupcial (ou qualquer outro instrumento, público ou particular) para “renunciar” a determinados direitos sucessórios, como o direito de concorrência na herança (art. 1.829 do CCB) e o direito real de habitação (art. 1.831), é um tema que pode despertar intensos debates jurídicos. O atual Código Civil brasileiro, estabelece normas específicas sobre os direitos dos cônjuges em matéria sucessória, e qualquer pacto que vise alterar essas disposições deve ser cuidadosamente analisado à luz dessas normas, sendo certo que massivamente a Jurisprudência considera como NULAS as disposições em pactos ou quaisquer outros instrumentos que busquem afastar a validade dessas normas de ordem pública (vide par. único do art. 2.035 do CCB). Não por outra razão o mantra do artigo 426 do mesmo Código deve ser aqui recordado:

“Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.
Importa destacar que o “direito de concorrência na herança” é um direito garantido pelo Código Civil aos cônjuges que lhes permite participar da sucessão do outro, concorrendo com descendentes ou ascendentes do falecido. Este direito é uma ratificação da comunhão de vida e interesses que caracterizam o casamento (e também a União Estável, que não pode ter tratamento distinto do tratamento conferido ao Casamento nas questões sucessórias, como muito bem sabemos), e sua renúncia pode ser vista como uma forma de desvirtuar o propósito do matrimônio. A respeito da concorrência à herança confiram-se os incisos I e II do atual e polêmico art. 1.829.

Doutro turno, o “direito real de habitação”, que também tem previsão expressa no atual Código Civil – e é sempre bom lembrar, é VITALÍCIO e assegurado ao sobrevivente mesmo que case novamente ou constitua união estável posteriormente ao falecimento do “de cujus” – garante ao sobrevivente o direito de residir, enquanto viver, no imóvel destinado à residência da família, independentemente do regime de bens adotado no casamento. Este importante direito visa proteger o sobrevivente de eventuais dificuldades financeiras que possam surgir com o falecimento do outro cônjuge, assegurando-lhe um mínimo de ESTABILIDADE e SEGURANÇA – ainda que eventualmente não seja bem visto pelos herdeiros exclusivos do falecido(a).

A possibilidade de renúncia a esses direitos por meio de pacto é extremanente controversa e podemos até encontrar tímidos e isolados julgados acolhendo teses inovadoras que defendem sua possibilidade, ao arrepio da Lei. Alguns juristas defendem que, por serem direitos de ordem pública, sua renúncia seria NULA, uma vez que contraria disposições legais imperativas. Outros, no entanto, argumentam que, em respeito a uma alegada “autonomia privada”, os cônjuges poderiam, sim, pactuar a renúncia a tais direitos, desde que o façam de forma expressa e inequívoca, e que tal renúncia não prejudique direitos de terceiros. Como já citamos em outros ensaios, curiosamente o CÓDIGO DE NORMAS EXTRAJUDICIAIS do Estado do Rio de Janeiro autoriza a lavratura de Escritura contendo disposição (art. 390, §3º) sobre a suposta renúncia antecipada ao direito concorrencial – o que nem de longe recomendamos. Confira-se:

“§3º. A cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia”.
É necessário considerar que, mesmo que tal pacto seja celebrado, ele poderá facilmente ser objeto de questionamento judicial e a jurisprudência se alinha pela sua nulidade. Os interessados na sucessão poderão alegar a nulidade do pacto, com base na violação de normas de ordem pública, com toda certeza.

Por fim, o tratamento para esse tipo de situação, seja com a elaboração de um pacto dessa natureza ou a adoção de qualquer outra medida, deve ser feita com extrema cautela e sob a orientação de um Advogado Especializado em direito de Família e Sucessões. É essencial que o pacto seja redigido de forma clara e precisa, e que todas as implicações legais sejam devidamente esclarecidas aos cônjuges, a fim de garantir que a vontade das partes seja respeitada e de evitar litígios e problemas futuros, como o apurado na acertada decisão do CONSELHO DA MAGISTRATURA DO TJSP que negou o registro de ESCRITURA PÚBLICA contendo disposições sobre renúncia prévia ao direito real de habitação e à renúncia ao direito concorrencial pelo casal:

“TJSP. 1007525-42.2022.8.26.0132. J. em: 22/09/2023. REGISTRO DE IMÓVEIS – dúvida julgada procedente – Escritura pública de pacto de convivência em união estável – Regime convencional da separação total de bens – Existência de disposições no pacto estabelecido que, segundo o Oficial, não comportam ingresso no Registro de Imóveis porque ilegais – Renúncia à postulação de comunicação patrimonial, embasada na Súmula 377 do STF, que apenas reforça a incomunicabilidade de bens na vigência da união estável – Nulidade não configurada – Renúncia ao direito real de habitação – Renúncia TAMBÉM ao direito concorrencial pelos conviventes – Artigo 426 do Código Civil que veda o pacto sucessório – Sistema dos registros públicos em que impera o princípio da legalidade estrita – Título que, tal como se apresenta, não comporta registro – APELAÇÃO NÃO PROVIDA”.

Fonte: Julio Martins

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