Recentemente, a Corregedoria Nacional de Justiça, em resposta à consulta formulada no Procedimento nº 0002301-41.2023.2.00.0000, concluiu pela necessidade de reconhecimento de firma nas autorizações de viagem de menores, tendo como argumento central assegurar a autenticidade do consentimento dos pais ou responsáveis, garantindo maior proteção às crianças e adolescentes.

A decisão reconhece a validade jurídica das assinaturas eletrônicas via certificado digital gov.br. Entretanto, ressalta que ela não tem como suprir a exigência legal do reconhecimento de firma notarial para as autorizações de viagem de menores.

É correta e merecedora de aplausos a decisão da Corregedoria Nacional de Justiça, pois reforça a importância da intervenção do notário em determinados atos que requerem maior atenção e cautela, a exemplo da autorização de viagem de menores, deixando claro que, apesar da nova era de eletronização dos atos e possibilidade de assinatura eletrônica de documentos, a chancela do notário ainda é de extrema relevância para a segurança e validade de certos atos e negócios considerando-se suas especificidades.

E isso se justifica em razão de dois eixos centrais da atividade notarial e registral: a fé pública e o caráter profilático e de prevenção de conflitos.

Fé pública e veracidade

Primeiramente, a fé pública diz respeito à presunção de veracidade dos atos que o tabelião pratica ou certifica. De acordo com Vitor Frederico Kumpel e Carla Modina Ferrari (2023, P. 110):

“A fé pública ou publica fides deriva diretamente da confiança que todos depositam na verdade ou legitimidade do ato emanado de autoridade pública. A confiança inter-relaciona-se diretamente com a boa-fé e a aparência, tendo em vista o prisma histórico romano canônico, ademais a relação de confiança decorre da boa-fé.”

Logo, atos praticados por notários possuem presunção de veracidade, de forma que, se os pais assinam um documento autorizando o filho menor a viajar na companhia de terceiro ou desacompanhado de um adulto e o tabelião reconhece a firma deste documento, presume-se que ele foi assinado por estes pais.

Prevenção de conflitos

De outro lado, tem-se o caráter profilático ou de prevenção de conflitos nos atos praticados pelos notários, haja vista que, em razão da cautelaridade e da própria fé pública, os atos notariais detém a característica de evitar possíveis futuras discussões.

Especificamente com relação à autorização eletrônica de viagem de menores, é importante registrar que se trata de ato de extrema relevância jurídica e acerca do qual a legislação impõe uma série de requisitos para sua validade, dentre os quais o reconhecimento de firma por semelhança ou autenticidade.

A exigência de formalidades nessa espécie de documento se dá visando evitar fraudes e para identificar sinais de coerção, tráfico de crianças ou outras irregularidades. A própria decisão destaca que:

A autorização de viagem para menores de 16 anos desacompanhados é medida que visa resguardar a segurança e o bem-estar desses indivíduos, prevenindo situações de risco, como tráfico de pessoas, desaparecimento de menores e outras práticas ilícitas.

E isso porque a venda e negociação de crianças no Brasil é uma mazela que ainda ocorre em diversas partes do país, especialmente em regiões mais vulneráveis, como o Norte e Nordeste, de forma que permitir que a autorização de viagem seja feita sem a intermediação de um profissional que possa analisar a autenticidade do pedido e das intenções dos responsáveis aumenta os riscos de fraudes e irregularidades em tais atos.

Proteção da infância

A decisão da Corregedoria Nacional de Justiça, assim, reforça a preponderância da proteção da infância e o interesse do menor, haja vista que o princípio do melhor interesse da criança deve sempre prevalecer, conforme estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em tratados internacionais assinados pelo Brasil.

Desta forma, acertada a decisão em exame, pois a assinatura gov.br, apesar de se tratar de uma ferramenta digital válida para diversos documentos, não possui mecanismos eficazes para verificar a veracidade das assinatura e a real intenção dos signatários, não havendo, quando utilizada, a análise situacional feita por um profissional com experiência e treinamento para identificar possíveis riscos e fraudes.

E não há razão para se sustentar a burocratização do ato na exigência de reconhecimento de firma presencial ou à distância por um serviço de notas, pois é possível que o documento seja assinado eletronicamente por meio da plataforma de atos notariais, o e-notariado, o qual, considerando a importância e peculiaridade das autorizações de viagens de menores, possui módulo específico para a prática destes atos, de forma que, para a coleta das assinaturas eletrônicas é realizada prévia videoconferência para a coleta de manifestação de vontades, garantindo uma maior segurança e confiabilidade na prática do ato.

Segurança de crianças e adolescentes

Concluindo, a autorização de viagem para menores desacompanhados é um instrumento jurídico essencial para garantir a segurança das crianças e adolescentes em deslocamentos nacionais e internacionais. No entanto, a falta de um controle mais rigoroso sobre esse ato pode facilitar fraudes e práticas ilícitas, como o tráfico de crianças e a concessão indevida de autorizações para terceiros sem vínculo legítimo com o menor.

Nesse sentido, o grande diferencial da autorização eletrônica de viagem realizada perante um tabelionato de notas está na exigência da videoconferência com o tabelião ou seu preposto, um procedimento essencial para garantir a autenticidade da assinatura, a capacidade dos pais ou responsáveis e a real intenção da viagem. Esse contato direto permite uma verificação rigorosa da situação concreta, possibilitando ao notário identificar eventuais sinais de coação, fraude ou até mesmo indícios de tráfico de menores, uma preocupação real e alarmante.

Portanto, a intervenção de um tabelião de notas ou de seu preposto, por meio da autorização eletrônica notarial com videoconferência, torna-se um mecanismo imprescindível de controle e verificação da autenticidade do consentimento dos pais ou responsáveis legais. A presença de um profissional com fé pública permite não apenas a identificação inequívoca dos signatários, mas também uma análise situacional do pedido, possibilitando a detecção de eventuais indícios de coação, fraude ou risco à integridade do menor.

Diferentemente da assinatura eletrônica pelo gov.br, que não prevê qualquer interação humana qualificada, a presença do notário nesse processo oferece uma camada indispensável de segurança jurídica e proteção à criança ou adolescente. A videoconferência não apenas valida formalmente o ato, mas também atua como um importante mecanismo de prevenção, assegurando que a autorização não seja utilizada para fins ilícitos, como casos de sequestro ou exploração infantil. Em situações que envolvem menores, essa verificação não é apenas um detalhe burocrático, mas sim um requisito fundamental para a garantia dos direitos e da segurança da criança e da família.

Risco de fraudes

Diante desse cenário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se manifestou no sentido de que a assinatura eletrônica gov.br não é adequada para autorizações de viagem de menores, justamente por sua vulnerabilidade a fraudes e pela impossibilidade de aferição da real intenção dos responsáveis.

Portanto, a autorização eletrônica notarial, que tem como etapa fundamental uma videoconferência, se mostra uma medida imprescindível para garantir a autenticidade do ato e, nesse caso, especialmente a proteção do menor, assegurando que a autorização concedida pelos pais ou responsáveis seja legítima e livre de qualquer vício de consentimento.

Esse modelo de controle preventivo alinha-se ao princípio do melhor interesse da criança, consagrado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

Fonte: Conjur

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