O artigo desmistifica o inventário e revela o planejamento sucessório como estratégia essencial para evitar desgastes, custos e conflitos entre herdeiros

Poucos institutos jurídicos geram tantas reações emocionais negativas quanto o inventário. Basta mencionar o tema em uma roda de conversa para emergirem relatos de famílias em conflito, imóveis bloqueados, custos astronômicos e processos que se arrastam por anos.

A narrativa é sempre a mesma:

“O advogado ficou com metade da herança.”

“O inventário destruiu a família.”

“Paguei R$ 200 mil para um papel.”

Mas é justamente essa simplificação equivocada que precisa ser enfrentada com técnica e responsabilidade.

Neste artigo, propomos um olhar mais realista – e menos reativo – sobre o inventário. Não apenas para explicá-lo, mas para desmistificá-lo, recolocá-lo no seu devido lugar e, sobretudo, revelar o verdadeiro salva – vidas desse processo: o planejamento sucessório.

O que é, de fato, o inventário? E por que ele existe?

O inventário é o procedimento legal por meio do qual se apura o patrimônio deixado por uma pessoa falecida, identifica-se quem são seus herdeiros e formaliza-se a transferência desses bens. É exigência jurídica incontornável – não é uma “opção”, mas uma obrigação legal prevista nos arts. 610 a 673 do CPC.

Existem duas modalidades principais:

Inventário extrajudicial

Previsto pela lei 11.441/2007 e regulamentado pelo provimento 35/2007 do CNJ, permite a realização do inventário em cartório, desde que:

  • Todos os herdeiros sejam maiores e capazes;
  • Não haja testamento válido;
  • Haja consenso quanto à partilha;
  • Conte com a presença de advogado.

Trata-se de um procedimento célere, eficiente e menos oneroso – mas que depende, essencialmente, da harmonia prévia entre os herdeiros e da organização documental do espólio.

Inventário judicial

É o caminho necessário quando há conflitos entre herdeiros, testamento a ser aberto, existência de menores de idade ou pendências na documentação. Embora sua tramitação possa ser mais morosa, a atuação estratégica e a mediação qualificada podem reduzir drasticamente seus prazos e desgastes.

O custo real do inventário: o que poucos explicam

O inventário não é caro por culpa do advogado.

Ele é caro porque envolve uma série de despesas obrigatórias, definidas por lei – e muitas vezes ignoradas ou desconhecidas por quem nunca passou por esse processo.

Veja o quadro real dos custos de um inventário no Brasil:

Despesa
Valor Estimado
Observação
ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis)
4% a 8% (e certamente vai aumentar com a Reforma Tributária)
Imposto estadual obrigatório sobre o valor total dos bens transmitidos. É, disparado, a parte mais onerosa de um inventário.
Taxas do Cartório de Notas
Entre 1% a 1,5% do valor dos bens partilhados (com valores mínimos a partir de R$ 3.000,00)
Incidem sobre o valor declarado do patrimônio no inventário extrajudicial (feito em cartório). Percentuais e mínimos variam por estado.
Taxas do Cartório de Registro de Imóveis
Variável (por imóvel)
Custo para registrar a transferência da propriedade dos imóveis aos herdeiros. Valor depende da tabela de emolumentos do estado e do valor venal ou de mercado do imóvel.
Avaliação de Bens
Variável
Inclui custos com laudos de avaliação de imóveis, avaliação de quotas empresariais, veículos, aplicações financeiras e outros ativos patrimoniais.
Regularização Documental
Variável
Gastos com obtenção de certidões, retificação de registros, atualização de matrículas, e outros documentos necessários à conclusão do inventário.
Honorários Advocatícios
3% a 10% do valor do espólio (conforme tabela da OAB e grau de complexidade)
Remuneração pelo trabalho técnico, estratégico e de mediação realizado pelo advogado. É o custo pela condução jurídica segura do processo.

A ideia de que o advogado é o grande “vilão” financeiro do inventário é, na maioria das vezes, infundada.

Portanto, quando alguém diz ter “pago R$ 200 mil” por um inventário, o mais provável é que esse valor inclua tributação, despesas cartorárias, regularização patrimonial e honorários profissionais. O advogado, aqui, é gestor jurídico – não cobrador de pedágio.

A verdadeira solução: O planejamento sucessório como blindagem jurídica e emocional

Se o inventário é inevitável, o planejamento sucessório é o antídoto.

O planejamento sucessório consiste em um conjunto de estratégias legais que permitem antecipar, organizar e direcionar a transmissão patrimonial – muitas vezes eliminando a necessidade de um inventário tradicional ou, ao menos, reduzindo exponencialmente seu impacto financeiro e emocional.

Entre os instrumentos mais utilizados estão:

  • Doações em vida com cláusulas de proteção (inalienabilidade, impenhorabilidade, reversão);
  • Holding familiar para centralização patrimonial e blindagem tributária;
  • Testamentos estruturados, com orientações claras e mecanismos de controle;
  • Pactos antenupciais e acordos familiares para proteger o acervo;
  • Planejamento tributário sucessório com análise do ITCMD e da valorização de ativos.

Mais do que um conjunto de atos isolados, o planejamento sucessório é uma mudança de cultura jurídica, que coloca o controle nas mãos do titular, evita conflitos futuros e garante um luto mais sereno aos herdeiros.

Inventário planejado: O melhor inventário é o que não se repete

Inventário não precisa ser traumático.

Ele se torna traumático quando ocorre no improviso, no desamparo e no desconhecimento.

Famílias que planejam não apenas evitam novos inventários, como também constroem relações patrimoniais mais saudáveis.

Na nossa atuação prática, é comum aproveitarmos o próprio inventário como ponto de partida para o planejamento do que fica:

  • Regulariza-se o passado e estrutura-se o futuro;
  • Elabora-se o inventário e, ao mesmo tempo, previne-se o próximo.

Essa é a verdadeira advocacia contemporânea: resolutiva, preventiva e com escuta estratégica.

Conclusão: O advogado não é o vilão. É o elo entre o luto e a reconstrução.

A missão do advogado no inventário não é apenas “fazer a partilha”.

É conduzir famílias fragilizadas por um momento de perda com técnica, empatia e estratégia.

Por isso, desonerar o inventário do seu estigma é urgente.

O processo em si não é o inimigo.

Inimiga é a ausência de conversa, a cultura do “depois a gente vê”, o tabu da morte e a procrastinação do essencial.

Planejar é cuidar – de si, dos bens e da família.

E, ao contrário do que se diz por aí:

O advogado não levou sua herança.

O que levou sua herança foi a falta de planejamento.

Fonte: Migalhas

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