Assim como acontece com IMÓVEIS é plenamente factível a negociação relativa a bens MÓVEIS (como veículos, por exemplo) e a ocorrência do falecimento do vendedor antes da formalização da transferência, porém alguns detalhes precisam ser considerados para tentarmos alcançar a solução para essa situação, como por exemplo, como efetivamente se dá a transferência/transmissão de bens móveis e imóveis à luz das regras do Direito Civil brasileiro. Será mesmo que nesses casos, vendido, quitado e entregue o bem móvel, com o falecimento do vendedor e não realizada a transferência ele precisa mesmo ser arrolado e partilhado através de Inventário, seja ele judicial ou extrajudicial?

É importante compreender que de acordo com nossas regras atuais a propriedade dos BENS MÓVEIS, entre os quais se incluem os veículos automotores, não se transfere automaticamente com o pagamento ou celebração do contrato de compra e venda. Nosso Código Civil, em seu artigo 1.267, estabelece que a transferência da propriedade dos bens móveis se dá mediante TRADIÇÃO, que, no caso dos veículos, consiste na entrega acompanhada da transferência do registro no órgão competente, nos termos do artigo 123 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). O reconhecimento de firma do vendedor no documento apropriado deve ser feito inclusive por AUTENTICIDADE o que impossibilidade sua execução depois do seu falecimento, como sabemos. Assim, enquanto não houver a regularização do registro, o vendedor mantém a titularidade do bem perante terceiros. Regra nesse mesmo sentido é aquela do louvável art. 1.245 do Código Civil para BENS IMÓVEIS que reza:

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.
Pode-se afirmar com base na leitura destas regras que, com a superveniência do falecimento do vendedor antes da efetiva transferência do automóvel, o bem ainda integra o seu patrimônio, devendo ser incluído no inventário para fins de partilha, sendo inclusive considerado para fins de cotação das CUSTAS PROCESSUAIS ou dos EMOLUMENTOS, de acordo com a via adotada para a solução dos bens, seja ela judicial ou extrajudicial. É óbvio que a ausência da transferência registral impede o reconhecimento da propriedade do comprador, que, apesar de ter efetuado o pagamento, não possui o domínio legalmente consolidado sobre o veículo.

Um ponto importante que deve ser considerado é que, reiterada jurisprudência – da qual nos filiamos inclusive – considera que no caso dos imóveis vendidos, quitados e não transferidos em vida a solução – que nos parece muito óbvia – não deve ser pela sua inclusão no inventário do vendedor falecido mas sim pela sua regularização em favor do comprador já que nesse contexto (vendido e quitado) o bem já não gravitava na órbita da propriedade do então vendedor. Nesse sentido ilustra muito bem decisão do TJPI:

“TJPI. 0817458-55.2021.8.18.0140. J. em: 06/11/2023. APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. VENDA DE IMÓVEL EM VIDA PELO DE CUJUS. OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA . REGULARIZAÇÃO. PAGAMENTO INTEGRAL ANTERIOR AO FALECIMENTO. BEM QUE NÃO MAIS INTEGRA O PATRIMÔNIO DO ESPÓLIO. ABERTURA DE INVENTÁRIO. DESNECESSIDADE. ITCMD. NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA 590 DO STF. CAUSA MADURA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Os bens vendidos e recebidos integralmente em vida pelo autor da herança não mais compõem seu acervo hereditário, sendo plenamente possível a transferência do imóvel por alvará judicial, dispensando o ajuizamento do inventário e o pagamento de ITCMD (Súmula 590 do STF). 2. Recurso conhecido e provido”.
No caso dos bens móveis entendemos que se realizada a tradição efetiva do bem com a ENTREGA ao comprador e com a quitação do preço, a formalidade da transferência (por exemplo no caso de automóveis, perante o órgão de trânsito) pode ser resolvida através de Alvará Judicial, se tornando claramente desnecessário (e até mesmo impossível) que o referido bem seja arrolado e partilhado em Inventário já que, como visto acima, o bem já não mais integrava o patrimônio do defunto. Decisão nesse exato e acertado sentido já foi proferida pelo TJMG, senão vejamos:

“TJMG. 50073798020198130525. J. em: 10/11/2023. APELAÇÃO CÍVEL – ALVARÁ JUDICIAL – AUTORIZAÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULO – VENDA OCORRIDA ANTES DO FALECIMENTO – INVENTÁRIO JUDICIAL – DESNECESSIDADE. I. É possível a expedição de alvará judicial autorizando o Detran a realizar transferência de veículo cuja tradição já se operou antes do falecimento do vendedor, sendo desnecessária a abertura de inventário para isso, haja vista não se tratar de transmissão de bem do espólio”.
POR FIM, entendemos que, pelo menos no Estado do Rio de Janeiro a regra do art. 457 do Código de Normas Extrajudiciais pode ser perfeitamente aplicável não só para bens imóveis mas também para bens móveis vendidos mas não regularizados pelo vendedor falecido, o que abre a possibilidade para solução do caso extrajudicialmente:

“Art. 457. Prescinde de alvará judicial o cumprimento de obrigações celebradas em vida pelo falecido, como promessas de compra e venda ou cessão de direitos, desde que comprovada a autenticidade e preexistência do negócio jurídico.
§1º. A autenticidade e a preexistência exigem prova inequívoca, como o informe de bens à Receita Federal, instrumento particular com reconhecimento de firma, registro público do ato ou documento equivalente.
§2º. Caso o negócio não tenha sido integralmente quitado até óbito, deverá ser recolhido o imposto de transmissão sobre o saldo credor (Súmula nº 590 do STF)”.
Em conclusão, tendo sido entregue o bem móvel (como o automóvel) ao adquirente, pago o preço, mas pendente a transferência perante o órgão de trânsito consideramos que o mesmo não deve integrar o patrimônio a ser inventariado e partilhado entre os herdeiros, restando apenas a necessidade da regularização da transferência – o que por óbvio não deverá ser feita pelo morto mas sim através da medida judicial (ou extrajudicial) cabível, como indicam os precendentes citados.

Fonte: Julio Martins

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