A discussão acerca da possibilidade da escolha entre a USUCAPIÃO e a ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA é tema de relevante interesse no âmbito do direito imobiliário, especialmente diante das possibilidades atuais de regularização fundiária, onde a via extrajudicial se revela de grande importância diante da sua celeridade. A Usucapião, como sabemos, é um instituto jurídico que legitima a aquisição da propriedade pela posse prolongada e contínua, encontra-se disciplinada nos artigos 1.238 a 1.244 do Código Civil e em legislações específicas, apresentando requisitos próprios, de acordo com a ESPÉCIE escolhida, que, uma vez preenchidos e comprovados, autorizam a pretensão possessória do interessado. A aquisição via Usucapião é originária, diferentemente do que ocorre na aquisição via Adjudicação Compulsória, que é derivada. Essa última, tem sua origem no direito obrigacional e imobiliário, sendo cabível quando há promessa de compra e venda registrada, mas o adquirente não consegue receber a escritura definitiva das mãos do vendedor.
É importante destacar que na atualidade a VIA EXTRAJUDICIAL para a regularização imobiliária, inclusive para a Usucapião, tem ganhado destaque e força, conforme previsto no Código de Processo Civil (artigos 216-A). Sua regulamentação data de 2017 com o Provimento CNJ 65/2017, hoje substituído pelo Provimento CNJ 149/2023. A possibilidade de reconhecimento da Usucapião em Cartório, mediante procedimento administrativo, representa um significativo avanço para a desburocratização e a celeridade da regularização da propriedade imobiliária, conferindo ao posseiro muito mais rapidamente o REGISTRO em Cartório em seu nome. Assim, o interessado que atende aos requisitos legais da Usucapião pode, com assistência de ADVOGADO, buscar diretamente essa via extrajudicial, evitando a morosidade e os custos do processo judicial tradicional.
Relativamente à coexistência do instituto da Adjudicação Compulsória – que como se viu acima, se destina a dar cumprimento a um contrato preliminar não resolvido com a outorga da necessária Escritura Pública (contrato definitivo), é imperioso ressaltar que esta depende da existência prévia de um contrato de Promessa de Compra e venda válido, que não foi cumprida pelo alienante. Em contrapartida, a Usucapião, em algumas de suas espécies não exige a demonstração de justo título ou boa-fé, como é o exemplo da Usucapião Extraordinária (que também pode ser manejada em Cartório) prevista no artigo 1.238 do Código Civil. Portanto, nos filiamos à tese de que quando os requisitos da usucapião estiverem plenamente preenchidos e comprovados, não se pode impõe à parte a necessidade de buscar a regularização do seu imóvel apenas através da Adjudicação Compulsória, pois a posse qualificada é fundamento suficiente, juntamente com os demais requisitos da espécie de Usucapião pretendida, para a aquisição da propriedade – sendo importante lembrar que a sentença de procedência na ação de Usucapião tem natureza meramente declaratória.
É cediço que a jurisprudência pátria consolida o entendimento de que, uma vez satisfeitos os pressupostos da usucapião, a parte detentora da posse mansa, pacífica e ininterrupta não pode ser compelida a ingressar por via diversa para obter a propriedade, como a Adjudicação Compulsória, seja ela judicial ou extrajudicial. Tal posicionamento respeita o princípio da autonomia da vontade e da escolha do meio adequado para a tutela do direito, evitando imposições processuais que possam redundar em prejuízo ou em burocracia desnecessária ao titular da posse. Nesse sentido, apenas para ilustrar:
“TJSP. 1011794-45.2022.8.26.0320. J. em: 05/06/2024. APELAÇÃO – AÇÃO DE USUCAPIÃO – Sentença de extinção sem resolução do mérito – Insurgência dos autores – Inadequação da via eleita que não se verifica no caso – Possibilidade de manejo de adjudicação compulsória que não impede reconhecimento de usucapião, quando for o caso – Comprovação de sucessão de posses desde 1984 – Contrato de cessão quitado no ato – Posse com ânimo de dono, prolongada pela accessio possessionis – Necessidade de seguimento da demanda – Sentença anulada– Recurso provido”.
“TJSP. 0341054-49-2009.8.26.0100. J. em: 10/03/2025. APELAÇÃO. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA . INCONFORMISMO DOS AUTORES. POSSE MANSA, PACÍFICA E CONTÍNUA. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. Sentença que extinguiu o processo sob o fundamento de inadequação da via eleita e ausência de interesse processual . Extinção prematura do feito afastada. Aplicação do artigo 1.013, § 3º, I, do CPC. Causa madura para julgamento. A possibilidade abstrata de ajuizamento de ação de adjudicação compulsória não afasta o interesse processual concreto no uso da ação de usucapião, especialmente quando os requisitos legais estão preenchidos. Posse exercida há mais de 60 anos, de forma mansa, pacífica e ininterrupta, com justo título e animus domini. Documentação que comprova a estabilidade da posse, o pagamento regular de tributos e a ausência de oposição de terceiros. Direito constitucional de acesso à jurisdição que impede a limitação indevida da via eleita. Precedentes jurisprudenciais. Sentença reformada para julgar procedente a ação. Recurso dos autores a que se DÁ PROVIMENTO”.
Cumpre também salientar que a Adjudicação Compulsória naturalmente tem sua aplicação aos casos em que se molda, com evidente importância e aplicabilidade específicas, sobretudo para resguardar direitos daqueles que firmaram compromisso contratual, mas são obstados na formalização da escritura definitiva. Entretanto, sua utilização quando a usucapião é viável e plenamente comprovada revela-se desnecessária e inadequada, podendo até gerar duplicidade de demandas e insegurança jurídica, não havendo nem mesmo que se falar em alegado “prejuízo ao erário” quando efetivamente prejuízo se tem (não só ao erário mas a toda a sociedade como um todo) quando um imóvel permanece irregular ad eternum. Justamente a Usucapião é também um remédio reconhecido para extipar a situação de irregularidade imobiliária. Dessa forma, recomenda-se que o operador do direito avalie detidamente o contexto fático e jurídico antes de optar pelo remédio jurídico cabível, sempre privilegiando a regularização eficaz e célere da propriedade imobiliária.
POR FIM, importante decisão do TJDFT também ilustrando o caso ora tratado:
“TJDFT. 00092064920178070009. J. em: 06/09/2023. APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. CIVIL. USUCAPIÃO DE IMÓVEL . AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DE PROPRIEDADE. AJUDICAÇÃO DE IMÓVEL. AQUISIÇÃO DERIVADA DE PROPRIEDADE. REQUISITOS . DISTINÇÃO. 1. Pode-se buscar propriedade de bem pela via originária (usucapião) ou derivada (adjudicação compulsória): a via adotada depende do atendimento dos respectivos pressupostos, que são distintos. 2. Na hipótese em discussão, atendidos os requisitos pela autora para aquisição originária (usucapião) na respectiva ação de usucapião. Além de não se poder falar em dar preferência para a aquisição derivada (adjudicação compulsória), é discutível a regularidade integral da cadeia sucessória apresentada nos autos. Logo, não se pode extinguir o processo para exigir o ajuizamento de ação de adjudicação compulsória controversa se já foram atendidos os requisitos da usucapião, tampouco de exigir a anulação prévia de título anterior, pois usucapião já é modo originário de aquisição contra todo proprietário antecedente. 3 . Apelação conhecida e provida”.
Fonte: Julio Martins


Deixe um comentário