Apelação n° 1043106-65.2024.8.26.0224
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1043106-65.2024.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1043106-65.2024.8.26.0224
Registro: 2025.0000701730
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1043106-65.2024.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante PROVINCIA CARMELITANA DE SANTO ELIAS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 3 de julho de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1043106-65.2024.8.26.0224
Apelante: Provincia Carmelitana de Santo Elias
Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos
VOTO Nº 43.841
Direito registral – Procedimento de dúvida – Apelação – Escritura pública de doação – Ofensa aos princípios da disponibilidade, da especialidade objetiva, da especialidade subjetiva e da continuidade – Ausentes informações que permitam a individuação do bem e a identificação das partes com a segurança necessária – Documento que não indica o valor do imóvel – Recurso não provido.
I. Caso em exame
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo os óbices ao registro de escritura pública de doação. O Oficial apontou que o título não atende aos princípios registrais da especialidade objetiva e subjetiva, da disponibilidade e da continuidade, sendo que ausente indicação do valor atribuído ao objeto do negócio jurídico.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se escritura pública de doação lavrada em 1781 pode ser registrada tendo em vista os princípios registrais e a legislação vigente à época de sua apresentação.
III. Razões de decidir
3. O princípio da legalidade estrita rege o sistema registral, permitindo o ingresso apenas de títulos que atendam os ditames legais. 4. A escritura pública objeto da qualificação não atende os princípios da especialidade objetiva e subjetiva, da continuidade e da disponibilidade, bem como não indica o valor de seu objeto. 5. A flexibilização dos requisitos registrais só é permitida quando há segurança quanto à localização e à identificação do imóvel, bem como quanto à identificação das partes, o que não ocorre no caso em exame.
IV. Dispositivo e Tese
6. Recurso não provido.
Tese de julgamento: “1. O título deve atender os princípios e as normas vigentes ao tempo de sua apresentação. 2. A ausência de elementos essenciais impede o registro do título por ofensa aos princípios da continuidade, da disponibilidade e da especialidade objetiva e subjetiva”.
Legislação Citada:
– CF, art. 145, II; NSCG, Cap. XX, itens 61, 62 e 117; Lei n. 8.935/1994, art. 28; Lei n. 6.015/73, arts. 176, 222, 225; Lei 10.705/2000, arts. 7º e 9º.
Trata-se de apelação interposta por Província Carmelitana de Santo Elias contra a r. sentença de fls.406/409, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarulhos, que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo os óbices ao registro do título apresentado (escritura pública de doação).
Em nota devolutiva, o Oficial apontou que o título não atende os princípios registrais da especialidade objetiva, da especialidade subjetiva, da disponibilidade e da continuidade, bem como não indica o valor de seu objeto (prenotação n.413.993 – fls.05/07).
A parte apelante aduz que Francysca da Sylva do Rosario doou em seu favor, por meio de escritura pública lavrada perante o 1º Tabelionato de Notas da Comarca de São Paulo em 1781, a propriedade rural denominada Fazenda Sant’Anna; que os documentos que acompanham o título não foram considerados; que exigir o cumprimento dos requisitos impostos pela Lei de Registros Públicos a documento lavrado antes de sua vigência representa grave afronta à segurança jurídica e ao ato jurídico perfeito; que não há qualquer violação aos princípios registrais (fls.417/429).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.448/451).
É o relatório.
De proêmio, é importante ressaltar que o Registrador, titular ou interino, dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.
Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
A apelação, contudo, não comporta provimento. Vejamos os motivos.
Vê-se que o título apresentado a registro trata-se de escritura pública de doação lavrada em 1781 pelo 1º Tabelionato de Notas da Comarca de São Paulo (fls.86/87 e 182/185), a qual envolve Francysca da Sylva do Rosário (doadora) e Convento do Abençoado Monte do Carmo (donatária) e tem por objeto o imóvel descrito como “citio junto da Fazenda de Santa Anna”.
Tal documento veio acompanhado da transcrição n.72 do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que descreve áreas adquiridas por Julio Castello Branco e Empreza de Terrenos Cabussu de Bibiano Pinto Barbosa, ou Bibiano Pinto da Silva, seu cônjuge Ida Filippelli, Julia Pinto Barbosa, Luísa Pinto Barbosa, Gabriella Pinto Barbosa, Emília Pinto Barbosa e Benedicto Pinto Barbosa, onde estaria inserido o imóvel objeto da doação (fls.188/197).
Apresentou-se, também, escritura de composição amigável, lavrada pelo 7º Tabelião de Notas da Comarca da Capital em 11 de fevereiro de 1966, a qual, segundo a parte apelante, convalidou a aquisição da área objeto da doação (fls.210/214) e foi objeto da prenotação n.414.991, originando a dúvida suscitada no processo de autos n.1043098-88.2024.8.26.0224.
Insta observar que tal instrumento dispõe que “tanto a gleba de nº 1 (hum) como a gleba nº 2 (dois) ambas objeto da presente transação sobre as quais a Empresa de Terrenos Cabuçu Sociedade Civil exerce a posse mansa e pacífica, desde o ano 1929 (mil novecentos e vinte e nove) está compreendida também, em área maior, adquirida pelo convento de Nossa Senhora do Carmo antecessor da Província Carmelitana Santo Elias, de acordo com doação que lhe foi feita por dona Francisca da Silva Rosário (…)”, ou seja, os imóveis objeto da transcrição n.72 estariam inseridos dentro de área maior correspondente ao bem doado, mas com este não se confundem.
Por fim, produziu-se cópia de ações judiciais que supostamente envolvem o imóvel e em que se reconheceram direitos da parte apelante sobre ele (processo de autos n. 0069173-07.2012.8.26.0224 e 0007814-32.2007.8.26.0224), bem como de levantamento feito pela Prefeitura de Guarulhos, o qual indica a sua localização na rua Diogo Alvarez, 113, Jardim Munhoz, CEP 07042-250, Guarulhos/SP (fls. 10/154).
A qualificação foi negativa pelos seguintes motivos:
“I) OFENSA AOS PRINCIPIOS REGISTRÁRIOS DA ESPECIALIDADE OBJETIVA, DA DISPONIBILIDADE E DA CONTINUIDADE
Buscas realizadas pela subscritora, revelaram que nesta Serventia, não existe registro pelo qual a doadora FRANCYSCA DA SYLVA DO ROZARIO tenha adquirido qualquer imóvel, situado na base territorial que é de atribuição deste 1º SRI de Guarulhos.
Ademais, a escritura ora em exame, sequer indica qual registro aquisitivo da doadora. Desatendendo, portando, a exigência legal contida no art.222 da Lei n.6015/73 (Lei dos Registros Públicos), cujo teor é o seguinte:
(…)
Além disso, a escritura ora qualificada negativamente padece de deficiência (no que diz respeito à especialidade objetiva), vez que dela não consta a descrição do imóvel doado.
A deficiência da descrição do imóvel, contida na escritura, é de tamanha magnitude, que nem sequer permite aferir se o seu objeto está situado na base territorial que é de atribuição deste 1º Oficial de Registro de Imóveis.
Assim, a escritura desatende o princípio registrário da especialidade objetiva, como exige a Lei dos Registros Públicos, em seu art.225, §2º, cujo teor é o seguinte:
(…)
II) – QUANTO À ESPECIALIDADE SUBJETIVA
A escritura, ora qualificada negativamente, padece de deficiência quanto à especialidade subjetiva, vez que não consta a qualificação da doadora e da donatária, conforme exige a Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), em seu art.176, cujos requisitos estão sintetizados no item 61 do Cap. XX do Prov. 56/2019 da E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, cujo teor é o seguinte:
(…)
Assim, o acesso da escritura ao registro significaria afronta ao princípio registrário da especialidade subjetiva.
III) – QUANTO AO VALOR ATRIBUIDO AO IMÓVEL
A escritura, ora qualificada negativamente, não consigna o valor atribuído ao bem objeto da doação, como exige o art. 176, inciso III, nº 5, da Lei nº 6.015/73 de Registros Públicos, cujo teor é o seguinte: (…)”.
A qualificação registral, como se sabe, se destina a apurar se o registro de determinado título pode ser promovido em conformidade com os princípios e as normas aplicáveis na data em que apresentado:
“A apresentação do título e a sua prenotação no protocolo marcam o início do processo do registro, que prossegue com o exame de sua legalidade, que incumbe ao registrador empreender para verificar se pode ou não ser inscrito. A inscrição não é, portanto, automática, mas seletiva, porque depende da verificação prévia de estar o título em ordem. Além de a qualificação do título constituir um dever de ofício, o registrador tem interesse em efetuá-la com cuidado, porquanto, se lançar uma inscrição ilegal, fica sujeito à responsabilidade civil” (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, Rio de Janeiro: editora Forense, 4ª ed., 1998, p. 276).
Logo, não importa o momento da lavratura do ato notarial.
É na data de seu protocolo que será analisado em atenção ao princípio “tempus regit actum”: o título submete-se à lei vigente ao tempo de sua apresentação perante a serventia imobiliária.
No caso concreto, verifica-se que, após pesquisa, o Oficial não encontrou imóvel de propriedade da doadora registrado na circunscrição de sua serventia.
Nesse aspecto, oportuno destacar a lição de Narciso Orlandi Neto:
“No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios” (Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, p. 56).
Desta forma, não havendo registro anterior que comprove a aquisição por Francysca do bem doado, há risco de que seja transmitido à donatária mais direitos do que aquela possuía ou de que se crie lacuna no encadeamento de transferências da propriedade, tudo em violação aos princípios registrais da disponibilidade e da continuidade.
Quanto às informações relativas ao imóvel, a escritura o descreve apenas como “citio de Francysca da Sylva do Rozario area da Fazenda De Santa Anna distante da cidade de São Paulo rua lagoa”, restando silente em relação à sua área, às suas confrontações e à sua localização exata, o que não permite individuação de maneira segura.
Também não se encontra identificação entre o conteúdo da escritura pública de doação e aquele objeto da escritura pública de composição amigável, que é objeto de prenotação outra, de n.414.991 (processo de autos n. 1043098-88.2024.8.26.0224), nem muito menos ligação entre os imóveis em questão e o levantamento feito pela Prefeitura Municipal de Guarulhos (fls. 144/154).
Note-se que o laudo pericial produzido na ação de usucapião de autos n.0069173-07.2012.8.26.0224 teve por objeto imóvel com “origem numa área de 40.000m², que foi destacada de gleba maior registrada sob a transcrição nº 72 do 2º Registro de Imóveis de São Paulo, propriedade de Empresa de Terrenos Cabuçu Ltda, por meio de doação feita à Província Carmelita Santo Elias, no ano de 1966 (…)”, pelo que não pode ser utilizado para complementar a descrição do bem doado por Francysca. Como já observado, não há qualquer evidência segura de correspondência entre os imóveis e a escritura pública de composição amigável foi apresentada como título autônomo perante a serventia imobiliária, sendo objeto de prenotação outra.
Não se desconhece o disposto no § 15 do artigo 176 da Lei n. 6.015/73, segundo o qual:
“ainda que ausentes alguns elementos de especialidade objetiva ou subjetiva, desde que haja segurança quanto à localização e à identificação do imóvel, a critério do oficial, e que constem os dados do registro anterior, a matrícula poderá ser aberta nos termos do § 14 deste artigo”.
Contudo, a flexibilização legal somente se opera quando há segurança quanto à localização e à identificação do imóvel, sob pena de ofensa à segurança jurídica que se espera do sistema.
Nesse sentido, em razão da completa ausência de elementos que possam permitir a segura identificação do bem e suas delimitações, a afronta ao princípio da especialidade objetiva é nítida.
Relativamente ao princípio da especialidade subjetiva, o artigo 176, § 1º, III, item 2, alínea “a”, da LRP, exige a completa qualificação do transmitente e do adquirente no registro do imóvel, com indicação do número no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou no Registro Geral de Identidade ou, à falta deste, de sua filiação:
“O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.
§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas
(…)
III – são requisitos do registro no Livro nº 2: (…)
2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como:
a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação.
b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda”.
Assim também preveem os itens 61 e 62 do Cap. XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:
“61. A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977.
62. Quando se tratar de pessoa jurídica, além do nome empresarial, serão mencionados a sede social, o número de inscrição do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do Ministério da Fazenda e o NIRE atribuído pela Junta Comercial ou os dados do registro constitutivo no Oficial de Registro Civil de Pessoa Jurídica ou na Ordem dos Advogados do Brasil ou, ainda, o número do ato legislativo de criação, conforme o caso, ou registro na forma legal do país de origem no caso de Pessoa Jurídica Estrangeira”.
Não se ignora que a escritura pública foi lavrada em 1781, época em que não havia o rigor legal de hoje quanto à precisão de seu conteúdo, o que explica o motivo das omissões levantadas.
Não se ignora, ainda, o disposto no § 17 do artigo 176 da Lei n. 6.015/73, segundo o qual:
“§ 17. Os elementos de especialidade objetiva ou subjetiva que não alterarem elementos essenciais do ato ou negócio jurídico praticado, quando não constantes do título ou do acervo registral, poderão ser complementados por outros documentos ou, quando se tratar de manifestação de vontade, por declarações dos proprietários ou dos interessados, sob sua responsabilidade”.
Ademais, para casos de dificuldade na obtenção de dados personalíssimos das partes, como no caso em tela, a regra do artigo 176, § 1º, inciso III, item 2, alínea “a”, da Lei de Registros Públicos, traz um abrandamento da interpretação do princípio da especialidade subjetiva ao admitir que, na falta dos números de RG e CPF, a pessoa física seja qualificada por sua filiação.
A filiação, por sua vez, é provada pela certidão do assento de nascimento registrado no Registro Civil, podendo-se admitir certidões de casamento e óbito, cujos registros são integrados ao de nascimento, conforme dispõem os artigos 1.603 do Código Civil e 106 da Lei de Registros Públicos.
Porém, diante da singela qualificação da parte doadora na escritura, bem como pela ausência de qualquer documentação complementar que comprove sua filiação ou levantamento de registro anterior em seu nome, a manutenção do óbice se mostra acertada.
Nota-se, ainda, como bem apontado pelo Oficial, que não há indicação na escritura de doação de qualquer valor referente ao bem doado.
Tal informação é necessária quando da apresentação do título para que seja possível tanto a fiscalização de recolhimento do imposto incidente (Lei 10.705/2000 – ITCMD)[1], quanto o cálculo dos emolumentos devidos pelo ato registral a ser praticado[2].
Como é sabido, a Constituição Federal traz hipóteses de imunidades tributárias, dentre elas:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
VI – instituir impostos sobre: (…)
b) entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes”.
Considerando que a donatária é entidade religiosa, estaria, em tese, imune ao recolhimento de ITCMD.
Por outro lado, a melhor doutrina ensina que os emolumentos notariais e registrais possuem natureza jurídica de taxa (artigo 145, inciso II, da Constituição Federal):
“(…) perante a realidade instituída pelo direito positivo atual, parece-me indiscutível a tese segundo a qual a remuneração dos serviços notariais e de registro, também denominada emolumentos, apresenta natureza específica de taxa. O presente tributo se caracteriza por apresentar, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de atividade estatal (prestação de serviços notariais e de registros públicos), direta e especificamente dirigida ao contribuinte; além disso, a análise de sua base de cálculo exibe a medida da intensidade da participação do Estado, confirmando tratar-se da espécie taxa…” (Carvalho, Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 05.06.2007, a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG).
As taxas não estão abarcadas pela imunidade, como os emolumentos, de modo que devem ser recolhidos caso não haja incidência de hipótese legal de isenção.
Por isso mesmo, o óbice em questão se sustenta.
Por fim, e, neste ponto, como bem observado pelo Ministério Público, há via adequada para regularização da propriedade (usucapião), inclusive com garantia de contraditório e ampla defesa, o que é evidentemente necessário à vista da falta de segurança quanto à identificação do objeto do negócio jurídico e da litigiosidade em seu entorno (fls. 10/82).
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
NOTA:
[1] “Artigo 9° – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).
§ 1° – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.
§ 2° – Nos casos a seguir, a base de cálculo é equivalente a:
1. 1/3 (um terço) do valor do bem, na transmissão não onerosa do domínio útil;
2. 2/3 (dois terços) do valor do bem, na transmissão não onerosa do domínio direto;
3. 1/3 (um terço) do valor do bem, na instituição do usufruto, por ato não oneroso;
4. 2/3 (dois terços) do valor do bem, na transmissão não onerosa da nua-propriedade”.
[2] “Artigo 7° – O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadramento nas tabelas de que trata o artigo 4°, relativamente aos atos classificados na alínea “b” do inciso III do artigo 5°, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a seguir, prevalecendo o que for maior:
I – preço ou valor econômico da transação ou do negócio jurídico declarado pelas partes;
II – valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias;
III – base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis”.
Fonte: DJE


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