Uma dúvida recorrente nos planejamentos sucessórios é sobre o destino dos imóveis que não possuem Escritura definitiva ou registro no Cartório de Registro de Imóveis (RGI), como exemplificam bem os chamados “imóveis de posse”, apenas ocupados pelo falecido e sua família, na maioria das vezes, mas sem escritura e registro. A resposta, amparada pela legislação e pela prática notarial, é direta: SIM, os direitos possessórios não só podem como devem ser incluídos na partilha de bens, inclusive na VIA EXTRAJUDICIAL. A “posse”, embora não se confunda com a “propriedade” plena, é um direito com inegável expressão econômica, previsão e proteção legal e, como tal, integra o acervo hereditário (o espólio) deixado pelo falecido, sendo, portanto, transmissível aos seus herdeiros como HERANÇA, conforme preceitua o art. 1.784 do CCB:

“Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

A Lei nº 11.441/2007, que descortinou o inventário extrajudicial, visou desburocratizar e agilizar a transmissão de patrimônio, desde que haja consenso entre todos os herdeiros, com a assistência obrigatória de um Advogado, direto no Cartório, dispensando a necessidade de um moroso e litúrgico PROCESSO JUDICIAL. A norma não proíbe sua realização quando o falecido deixa “imóveis de posse”. Assim, a partilha de direitos possessórios por meio de uma escritura pública de inventário é um ato perfeitamente válido, que formaliza a sucessão na posse, conferindo aos herdeiros a legitimidade para continuá-la. Importa salientar que, inclusive o Código de Normas Extrajudiciais do Estado do Rio de Janeiro traz uma louvável disposição:

“Art. 445. Podem ser objeto de inventário bens e direitos, incluindo imóveis pendentes de regularização junto ao Poder Público, assim como DIREITOS POSSESSÓRIOS sobre imóveis, devendo constar do ato a ciência dos interessados de que o registro de propriedade ficará condicionado à sua efetiva regularização.

Parágrafo único. O INVENTÁRIO DE DIREITO POSSESSÓRIO, por si só, não confere direito subjetivo aos herdeiros quanto à futura usucapião, cabendo ao tabelião aferir os elementos para lavratura da ata notarial e ao oficial registrador a viabilidade do seu registro”.

Como se vê, o procedimento de Inventário Extrajudicial é também realizado em um Tabelionato de Notas, como qualquer outro Inventário Extrajudicial que trate de outros tipos de bens. O Advogado das partes irá descrever detalhadamente na minuta da Escritura o imóvel objeto da posse, suas características, localização, a origem e o tempo da posse exercida pelo falecido, sendo oportuno destacar, como já informa a norma do Rio de Janeiro, que a posse, no caso, precisará ser regularizada no futuro caso os interessados desejam a formalização/conversão da posse em propriedade plena. Ao final, a Escritura de Inventário e Partilha irá atribuir a um ou mais herdeiros a titularidade daqueles direitos possessórios. Este documento público se torna a prova formal e inequívoca de que os herdeiros são os legítimos sucessores da posse que antes pertencia ao autor da herança.

Repisando o que já consta no referido Código de Normas Estaduais, é importante compreender que a Escritura de inventário, por si só, não transfere a propriedade registral do imóvel, e nem poderia mesmo já que o falecido não tinha propriedade plena. O referido inventário, pelo menos no que diz respeito aos Direitos Possessórios não pode ser levado a registro no RGI visando a transferência dos bens. A importância deste ato notarial está no fato de ser o instrumento que habilita os herdeiros a darem o passo seguinte: a REGULARIZAÇÃO definitiva. Com a Escritura em mãos, os herdeiros podem, posteriormente, buscar a conversão da posse em propriedade, sendo a USUCAPIÃO o principal mecanismo para tal. Como já sabemos a grande vantagem é que, para fins de contagem do tempo de posse exigido por lei, os herdeiros podem somar o seu tempo de posse ao tempo de posse que era exercido pelo falecido, conforme o instituto da “accessio possessionis” (art. 1.243 do Código Civil), conforme a modalidade de Usucapião pretendida.

Atualmente este caminho de regularização pode, inclusive, ser percorrido integralmente na VIA EXTRAJUDICIAL. Assim como o inventário, a usucapião também pode ser processada diretamente no Cartório, observados os requisitos legais. Nesse cenário, a Escritura de Inventário que partilhou os direitos possessórios se torna uma peça documental de enorme importância facilitando e fortalecendo o pedido de reconhecimento da propriedade perante o Oficial do Registro de Imóveis.

Diante das particularidades e dos desdobramentos do ato, é evidente que a consulta a um Advogado Especialista em Direito Sucessório e Imobiliário é indispensável. É o profissional quem irá analisar a qualidade da posse do falecido, orientar sobre os riscos, redigir a minuta da Escritura de Inventário de forma tecnicamente correta caso a escolha seja pela via extrajudicial e, principalmente, traçar a estratégia mais segura e eficiente para a futura regularização do imóvel de acordo com as minúcias do caso. A assessoria jurídica qualificada é o que transforma a partilha de um “imóvel de posse” de um problema em uma solução, garantindo que o procedimento transcorra de forma suave e segura para toda a família.

POR FIM, a acertada decisão do TJRJ que, amparada em precedentes do Egrégio STJ, ratifica a possibilidade da partilha de direitos possessórios e reforma a decisão da primeira instância:

“TJRJ. 00464445720218190000. J. em: 31/08/2023. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. PRIMEIRAS DECLARAÇÕES. DIREITOS POSSESSÓRIOS. CONTEÚDO ECONÔMICO. PARTILHA. Trata-se de agravo de instrumento interposto em desfavor da decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível de Belford Roxo, em autos de ação de inventário, que indeferiu o pedido de inclusão, a partilha, de imóveis possuídos pelo obituado. Acorde ao disposto na alínea g, do inciso IV, do art. 620, do Código de Processo Civil, nas primeiras declarações devem constar, dentre outros, “a relação completa e individualizada de todos os bens do espólio, inclusive aqueles que devem ser conferidos à colação, e dos bens alheios que nele forem encontrados, descrevendo-se: (…) os direitos e ações”. Além disto, o art. 1.206, do Código Civil prevê, in verbis: “a posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres” . Nesta toada, devem compor o acervo hereditário não apenas a propriedade formalmente constituída, mas os bens e direitos, que possuam expressão econômica e, por alguma razão, não foram legalmente regularizados. Precedentes do e. Superior Tribunal de Justiça. Recurso a que se dá provimento”.

Fonte: Julio Martins

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