Processo 1095567-61.2025.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 1095567-61.2025.8.26.0100
Processo 1095567-61.2025.8.26.0100 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Pedido de Providências – Expedição de alvará judicial – E.L.S. – Juiz(a) de Direito: Marcelo Benacchio VISTOS, Cuida-se de pedido de providências formulado por E. L. D. S., solicitando, em suma, a “recuperação” de Escritura Pública da lavra do (…) Tabelionato de Notas desta Capital, que se encontra bloqueada em razão de indícios de falsidade, bem como o “cancelamento” de Escritura Pública lavrada perante o (…) Tabelionato de Notas desta Capital. Consta dos autos que a Escritura Pública lavrada perante o (…) Tabelionato de Notas desta Capital é datada de 30.01.1976, na qual figura como outorgante-vendedora a empresa Comercial Brasil Rural Ltda. e como outorgado-comprador o Senhor Interessado (fls. 52/57). A seu turno, a Escritura Pública inscrita perante o (…) Tabelionato de Notas é datada de 27.12.2002 e traz como outorgantes-vendedores os Espólios de A. G. F. e L. C. G., representados pela inventariante M. L. L. G.. Deste ato consta ordem de proibição de expedição de certidões prolatada por este Juízo Corregedor Permanente no bojo dos autos de nº 000.03.033510-8, de 15.04.2003, em razão da comunicação de diversas irregularidades em alvarás judiciais. Os autos foram inicialmente instruídos com os documentos de fls. 03/18. O Senhor (…) Tabelião de Notas confirmou o bloqueio determinado sobre a Escritura Pública de sua lavra, datado de 15.04.2003, por ordem desta 2ª Vara de Registros Públicos (fls. 23/24 e 152/156). O Senhor (…) Tabelião de Notas desta Capital noticiou que a referida Escritura Pública figura de seus livros, nada havendo que impeça a expedição de certidões do ato (fls. 25/26 e 51/57). O Senhor Interessado tornou aos autos para reiterar os temos de seu pedido inicial (fls. 39/40). Sem prejuízo, noticiou que não requereu, judicialmente, a anulação da Escritura Pública lavrada perante o (…) Tabelionato de Notas desta Capital, bem como que na atualidade o imóvel pertence à circunscrição do (…) Registro de Imóveis, que apresentou nota de exigência ao pedido de registro (fls. 58/151). O Ministério Público acompanhou o feito e pugnou, ao final, pelo arquivamento dos autos perante esta via administrativa (fls. 160/161). É o relatório. Decido. Trata-se de pedido de providências formulado por E. L. D. S., que requer a “recuperação” de Escritura Pública da lavra do (…) Tabelionato de Notas desta Capital, que se encontra bloqueada em razão de indícios de falsidade, bem como o “cancelamento” de Escritura Pública lavrada perante o (…) Tabelionato de Notas desta Capital. Sustenta o interessado ter adquirido o bem por meio de Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda, datado de 1974, outorgado por Comercial Brasil Rural Ltda.. Contudo, consta da matrícula do referido imóvel, às fls. 14/16, que o proprietário tabular é A. G. F.. Relata que, quitado o compromisso, a empresa vendedora fez lavrar perante o (…) Tabelionato de Notas desta Capital, aos 30.01.1976, a Escritura de Compra e Venda. Aponta que, à época, não logrou êxito em obter o registro da Escritura Pública, pela diferença de proprietário tabular. Posteriormente, na tentativa de regularização do bem, em 30.12.2002, foi lavrada nova Escritura Pública, perante o (…) Tabelionato de Notas da Capital. Todavia, os alvarás apresentados foram posteriormente contestados como sendo falsos, razão pela qual o ato encontra- se bloqueado. Na mesma senda, houve o bloqueio da matrícula imobiliária. Não menos, consta do fólio real a ordem de desbloqueio, prolatada pelo MM. Juízo Corregedor Permanente da Vara de Registros Públicos, datada de 28.01.2025. Por fim, informa o Interessado que requereu a expedição de alvará para registro do imóvel ao MM. Juízo da 8ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central Cível desta Capital, que concluiu que, pese embora a anuência da inventariante do espólio proprietário do bem, o pedido deveria ser analisado em sede própria, perante a serventia extrajudicial ou ao MM. Juízo Corregedor Permanente. Destaque-se que, entretanto, foi deferida a expedição de alvará à inventariante do espólio, para que possa outorgar a escritura definitiva do bem, requerer o desbloqueio da matrícula e a “recuperação” de eventual escritura pública. Em síntese, as dificuldades enfrentadas pelo interessado residem no fato de que o proprietário tabular do imóvel é diferente daquele que lhe outorgou a Escritura Pública válida (do (…) Tabelionato de Notas da Capital). Pois bem. Primeiramente, não há que se falar em anulação de Escritura Pública perante esta estreita via administrativa. Cabe apontar que as nulidades passíveis de reconhecimento na estreita via administrativa, consoante dispõe o art. 214 da Lei de Registros Públicos, restringem-se aos elementos extrínsecos do ato registral, vale dizer, àqueles aspectos de natureza meramente formal. Não se incluem nesse espectro, portanto, vícios atinentes ao conteúdo das declarações de vontade ou à substância do negócio jurídico celebrado. Com efeito, a pretensão de invalidação de ato notarial regularmente praticado e já aperfeiçoado ultrapassa os limites da atuação deste Juízo Corregedor, que não possui atribuição jurisdicional para apreciar ou desconstituir a eficácia de negócios jurídicos já entabulados. Tal exame, por envolver discussão sobre a validade e subsistência do próprio pacto negocial, insere-se no campo reservado à jurisdição contenciosa, a quem compete decidir sobre eventual nulidade ou anulabilidade do negócio praticado, materializado, apenas, por meio da referida Escritura Pública. No âmbito estritamente administrativo, a atuação deste Juízo encontra-se adstrita à análise de aspectos ligados à regularidade do serviço extrajudicial e ao cumprimento, pelos delegatários, dos deveres funcionais decorrentes da delegação recebida. Ou seja, compete ao Juízo Corregedor tão somente verificar se houve falha procedimental, irregularidade funcional ou descumprimento de normas que regem a atividade notarial e registral, sem, contudo, adentrar na validade intrínseca do ato notarial praticado. Assim, a apreciação do pedido restringe-se à apuração de eventuais desvios ou falhas na atuação dos responsáveis pela serventia, dentro da esfera correicional administrativa, não se prestando esta via para a anulação de atos já formalmente consumados. E nesse aspecto, não há nos autos qualquer elemento que evidencie falha procedimental ou ilícito funcional por parte da serventia. Ao contrário, a própria parte interessada reconhece que a lavratura da escritura deu-se em atenção à quitação de compromisso de compra e venda, situação que, por si só, reforça a higidez do ato praticado. A eventual irregularidade atinente à propriedade tabular, portanto, não pode ser apreciada nesta estreita via administrativa, porquanto envolve questão de direito material que escapa à competência correicional. A sua análise demanda a utilização dos instrumentos próprios da via jurisdicional, única capaz de propiciar completa instrução probatória, com a adequada produção de provas, bem como com a observância do contraditório e da ampla defesa, caso necessário. Nesse sentido, ensina Narciso Orlandi Neto: É preciso distinguir nulidade direta do registro e nulidade do título, com reflexo no registro. O registro não pode ser cancelado por nulidade do título, salvo em processo contencioso de que participe o titular do direito inscrito. Em outras palavras, o art. 214 da Lei nº 6.015/73 é exceção. E como se sabe se o registro é ou não nulo de pleno direito? Sabe-se que o registro é ou não nulo de pleno direito examinando-o separadamente do título que lhe deu causa, apenas à luz dos princípios que regem o registro, a saber se foram cumpridos os requisitos formais. A indagação da nulidade do registro deve ficar restrita aos defeitos formais do assento, ligados à inobservância de formalidades essenciais da inscrição (Código Civil, arts. 130 e 145, III). (in: Registros públicos / coordenação Alberto Gentil. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Método, 2023) Destaco, ainda, que o tema é fortemente assentado perante a E. Corregedoria Geral da Justiça, quanto à impossibilidade de anulação de Escritura Pública, por vício intrínseco, perante a via administrativa (grifos meus): Divórcio – Escritura Pública. Retificação. Certidão Estrangeira. Falsidade Ideológica. Nulidade. Bloqueio. 2VRPSP – Pedido de Providências: 1140242-46.2024.8.26.0100. Localidade: São Paulo Data de Julgamento: 15/10/2024 Data DJ: 15/10/2024 (…) Quanto à escritura, constatou-se a impossibilidade de anulação ou retificação administrativa, em razão da possível nulidade do ato por vício de vontade e da falsidade da declaração prestada pelos requerentes. Determinou-se o bloqueio da escritura, o encaminhamento de peças à Central de Inquéritos Policiais e o arquivamento dos autos. (Ementa gerada por IA – KollGEN) CGJSP – Recurso Administrativo: 1011317- 30.2021.8.26.0361 Localidade: Mogi das Cruzes Data de Julgamento: 04/11/2022 Data DJ: 04/11/2022 Relator: Fernando Antônio Torres Garcia Registro de imóveis – Pedido de providências – Recurso administrativo – pedidos de anulação de escritura pública de inventário e adjudicação e do registro dela decorrente, por erro – impossibilidade na via administrativa – nota de esclarecimento do tabelião, passada contra seu próprio ato – necessidade de apuração do significado disso – parecer pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo não provimento, e pela remessa de cópias para a instauração de apuração preliminar parecer, ainda, pela extinção dos autos CPA 2022/50546. TABELIÃO DE NOTAS. ESCRITURA PÚBLICA – CONFISSÃO DE DÍVIDA – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NULIDADE DE PLENO DIREITO. VÍCIO INTRÍNSECO. CGJSP – Recurso Administrativo: 1033439-70.2019.8.26.0114 Localidade: Campinas Data de Julgamento: 27/02/2024 Data DJ: 29/02/2024 Relator: Francisco Loureiro Pedido de providências – tabelião de notas – nulidade de escritura pública – ausência de vício extrínseco – ato notarial lavrado em consonância com a lei e com as normas de serviço da Corregedoria Geral da Justiça – inadequação da via administrativa para análise da regularidade do negócio jurídico celebrado – recurso não provido. Dessa forma, a análise da validade intrínseca do pacto negocial escapam à competência administrativa, demandando, quando suscitada, a apreciação jurisdicional competente, não encontrando guarida nesta estreita via correicional. Em segundo lugar, não há que se cogitar em recuperação da Escritura Pública (do (…) Tabelionato de Notas desta Capital) que foi objeto de bloqueio em razão dos indícios de falsidade constatados em autos dedicados. A natureza de tal falta compromete a própria formação do negócio jurídico, o que afasta a possibilidade de qualquer medida administrativa de simples restabelecimento do ato. Com efeito, o defeito identificado decorre da ausência absoluta da manifestação de vontade, ante a falsidade dos alvarás, circunstância que atinge a própria essência e existência do instrumento público materializador do pacto. Nessas condições, não se trata de mera irregularidade sanável ou de vício de menor repercussão, mas de nulidade absoluta que somente pode ser enfrentada pela via jurisdicional adequada, com a necessária instrução probatória e observância do contraditório e da ampla defesa. Assim, não há espaço para se falar em recuperação, convalidação ou ratificação da Escritura, uma vez que o defeito que a macula apresenta-se, ao menos em tese, insanável, subsistindo a necessidade de apreciação pela esfera judicial própria, a quem compete, com exclusividade, dirimir a controvérsia. Sem prejuízo, a solução da questão, na via extrajudicial, que requer a concordância das partes, já foi proposta pelo Senhor (…) Tabelião de Notas desta Capital, ao referir que a solução consiste na outorga de nova Escritura pelo proprietário tabular com base no alvará já expedido. Alternativamente, como mencionou o referido Culto Tabelião, competiria adequar o registro imobiliário à escritura já lavrada, com seu registro. Na eventual discordância ou impossibilidade de anuência das partes negociais, o pedido deve ser levado às vias ordinárias, onde é possível eventual suprimento de vontade ou constituição de propriedade, por meio diverso. Enfim, não cabe a esta Corregedoria Permanente: Expedição de alvarás; “Revalidação” de escritura pública lavrada com alvarás com suspeita de falsidade; Declaração de nulidade de escritura pública por motivos intrínsecos e sem participação dos interessados juridicamente no ato. Nessa ordem de ideias, indefiro o pedido inicial, em sua integralidade, perante esta estreita via administrativa, devendo a parte interessada valer-se das vias próprias para a obtenção da pretensão. Por fim, à míngua de quaisquer outras providências a serem adotadas, determino o arquivamento dos autos. Encaminhe-se cópia das principais peças dos autos, por e-mail, à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, servindo a presente sentença como ofício. Ciência aos Senhores Tabeliães e ao Ministério Público. P.I.C. – ADV: (…) (Acervo INR – DJEN de 07.10.2025 – SP)
Fonte: DJE


Deixe um comentário