A morte de um ente querido, além do luto, desencadeia um processo sucessório complexo, que muitas vezes se arrasta por anos. Nesse ínterim, um herdeiro pode necessitar de liquidez financeira e considerar a venda de sua parte na herança. Surge, então, a questão: é permitido ceder os direitos hereditários para alguém que não faz parte da família do falecido, um “estranho” à sucessão? A resposta é afirmativa, a legislação brasileira permite a cessão de direitos hereditários (Art. 1.793 do Código Civil), mas essa transação está envolta em particularidades e riscos que devem ser meticulosamente avaliados por todas as partes envolvidas.
A cessão de direitos hereditários é um negócio jurídico pelo qual o herdeiro (cedente) transfere sua quota-parte na herança a um terceiro (cessionário), que pode ser outro herdeiro ou um estranho. Contudo, essa liberdade não é absoluta. O Código Civil, em seu Art. 1.794, estabelece o direito de preferência dos co-herdeiros. Isso significa que, antes de oferecer sua parte a um terceiro, o herdeiro deve notificar os demais herdeiros da sua intenção de vender, informando as condições do negócio (preço e forma de pagamento). Caso um co-herdeiro manifeste interesse em adquirir a quota-parte nas mesmas condições, ele terá prioridade. A inobservância desse direito de preferência pode levar à anulação da venda ao terceiro, com o co-herdeiro preterido depositando o valor e sub-rogando-se na compra.
É crucial compreender que a cessão de direitos hereditários, enquanto o inventário não for finalizado e a partilha homologada, refere-se à quota-parte ideal e abstrata da herança, e não a um bem específico. A herança é considerada uma universalidade de bens (Art. 1.791 do Código Civil). Embora um herdeiro possa, em tese, ceder seu direito sobre um bem singular (como “a casa da praia” ou “o carro”) isoladamente antes da partilha, o Art. 1.793, § 2º, do Código Civil estabelece que tal cessão é ineficaz em relação ao espólio e aos demais co-herdeiros. Isso significa que, embora o negócio jurídico possa ser válido entre o cedente e o cessionário, ele não produzirá efeitos plenos perante os demais herdeiros e o patrimônio da herança até que a partilha seja realizada e o bem específico seja atribuído ao herdeiro cedente. Para que um bem específico seja objeto de venda antes da partilha com plena eficácia, seria necessária a concordância de todos os herdeiros e, em muitos casos, autorização judicial.
Para o cessionário, ou seja, aquele que adquire os direitos hereditários, a situação exige proatividade, especialmente se o inventário ainda não foi iniciado ou se arrasta por tempo excessivo. O cessionário, ao adquirir a quota-parte, sub-roga-se na posição do herdeiro cedente e, portanto, passa a ter legitimidade para requerer a abertura do inventário (Art. 616, V, do Código de Processo Civil) ou para impulsionar o andamento do processo já existente. É fundamental que o cessionário acompanhe de perto o inventário, pois somente com sua conclusão e a efetiva partilha é que sua quota-parte se materializará em bens específicos, permitindo o registro da propriedade em seu nome.
Os riscos para o cessionário são consideráveis e devem ser meticulosamente avaliados. O principal deles reside no princípio de que a herança responde pelas dívidas do morto (Art. 1.997 do Código Civil). Isso significa que, antes de qualquer partilha, o patrimônio do falecido será utilizado para quitar suas obrigações. Se o de cujus deixou dívidas substanciais ou era réu em processos judiciais que possam comprometer a herança, o cessionário poderá receber um valor muito inferior ao esperado, ou até mesmo nada, caso as dívidas consumam a totalidade do espólio. A cessão de direitos hereditários é, portanto, um negócio aleatório, onde o comprador assume o risco da incerteza sobre o valor final do que será efetivamente recebido.
Além das dívidas, outros fatores podem impactar negativamente o valor da herança, como a descoberta de novos herdeiros, litígios entre os herdeiros existentes, a desvalorização dos bens do espólio ou a morosidade do processo de inventário. O cessionário está comprando uma expectativa de direito, não um bem certo e determinado. A ausência de um inventário iniciado ou a demora na sua finalização amplificam esses riscos, pois a real situação patrimonial e as obrigações do falecido podem não estar totalmente claras no momento da cessão.
Diante da complexidade e dos riscos inerentes à cessão de direitos hereditários, a assessoria de um Advogado Especialista em Direito Sucessório e Imobiliário é não apenas recomendável, mas indispensável. O profissional realizará uma due diligence completa, analisando a situação do falecido (dívidas, processos), a composição da herança, a existência de outros herdeiros e a viabilidade do inventário. Para o cedente, o advogado garantirá o cumprimento do direito de preferência. Para o cessionário, o especialista avaliará os riscos, auxiliará na negociação do preço, redigirá o instrumento público de cessão e o orientará em todas as etapas do inventário, transformando um negócio potencialmente arriscado em uma transação segura e juridicamente sólida.
Fonte: Julio Martins


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