Apelação Cível nº 1039088-53.2022.8.26.0100

 

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1039088-53.2022.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

 

PODER JUDICIÁRIO

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

 

Apelação Cível nº 1039088-53.2022.8.26.0100

 

Registro: 2023.0000575238

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1039088-53.2022.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes CHEN HSIN HSU e HUANG SI CHENG, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

 

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

 

São Paulo, 29 de junho de 2023.

 

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

 

Corregedor Geral da Justiça e Relator

 

APELAÇÃO CÍVEL nº 1039088-53.2022.8.26.0100

 

APELANTES: Chen Hsin Hsu e Huang Si Cheng

 

APELADO: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

 

VOTO Nº 39.041 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

 

Registro de imóveis – Escritura Pública de doação – Doadores não domiciliados no Brasil – CPF e CNPJ desconhecidos – Exigência afastada – Impossibilidade de cumprimento pelos apresentantes – Mitigação do princípio da especialidade subjetiva – Dúvida improcedente – Recurso provido.

 

Trata-se de apelação interposta por Chen Hsin Hsu e Huang Si Cheng em face da r. sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa do registro da escritura pública de doação lavrada no 10º Tabelião de Notas da Comarca de São Paulo, aos 13 de setembro de 1984, no livro 1.446, fls. 272/275, referente ao imóvel matriculado sob nº 98.890 (fls. 56/60).

 

Afirmaram os apelantes, em síntese, que não têm como cumprir a exigência registrária, pois, apesar das diligências realizadas, não lograram êxito em descobrir se os doadores, pessoas física e jurídica, domiciliados no exterior, fizeram as inscrições nos respectivos cadastros (CPF e CNPJ). O princípio da especialidade subjetiva deve ser mitigado e, por conseguinte, autorizado o ingresso do título no fólio real (fls. 66/74).

 

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 105/107).

 

É o relatório.

 

O acesso do título à tábua registral acabou obstado devido à deficitária qualificação daqueles que figuram como doadores na escritura pública de doação lavrada aos 13 de setembro de 1984, pelo 10º Tabelião de Notas da Comarca de São Paulo, referente ao imóvel objeto da matrícula nº 98.890 do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo.

 

A nota devolutiva descreve (fls. 34/35):

 

“1) o título é omisso quanto ao CNPJ de ETABLISSEMENT SUDIM. Sanar omissão, nos termos do artigo 176, §1º, inciso III, item 2, alínea a e b c/c artigo 167, inciso II, item 5, c/c artigo 246, §1º, todos da Lei n. 6.015/73.

 

2) Apresentar cópias autenticadas do RG e CPF (ou comprovante de inscrição e situação cadastral no CPF, impresso pelo portal da Receita Federal do Brasil) de ELISA BRUNETTI, (artigo 176, §1º, inciso III, item 2, alínea a, c/c artigo 167, inciso II, item 5, c/c artigo 246, §1º, todos da Lei n. 6.015/73).

 

(…)”

 

O título foi apresentado pelos arrematantes Chen Hsin Hsu e Huang Si Cheng, que foram obrigados a buscar o registro da escritura pública de doação celebrada por Etablissement Sudim e Elisa Brunetti (doadores), representadas por Elda Listanti Paparoni, Alessandra Lugli Ometto, Andrea Lugli e Adriano Lugli (donatários) e Alberto Lugli e Maria Luisa Paparoni Lugli (usufrutuários), para atender à exigência posta para o ingresso do título judicial que lhes beneficia (carta de arrematação expedida nos autos nº 0032710-69.2020.8.26.0100) no álbum imobiliário em atenção ao princípio da continuidade registrária.

 

E os arrematantes afirmam que não têm à sua disposição, apesar de todos os esforços encetados, os dados de qualificação exigidos dos doadores, de sorte que pugnaram pela relativização do princípio da especialidade subjetiva.

 

Pois bem.

 

Analisada a escritura pública de doação (fls. 05/09), os doadores estão assim qualificados: a) Elisa Brunetti, italiana, viúva, portadora de Passaporte Italiano nº 6174986/P, expedido em Trento, Itália, em 10 de julho de 1968, residente na Itália, na cidade Ala, Província de Trento, foi representada por Elda Listanti Paparoni, italiana, viúva, do lar, R.G. 3.089.069-SP e do C.I.C. 035.443.468-34, residente e domiciliada nesta Capital à Av. Higienópolis, 111, apto. 144 (procuração lavrada no 10º Tabelionato de Notas da Comarca de São Paulo, livro 556, fls. 241); e Etablissement Sudim, estabelecida em Vaduz, Principado de Liechtenstein, com personalidade jurídica, de acordo com o arts. 534 e seguintes do C. Civil do referido país, registrado sob nº H-314/25, em 18 de janeiro de 1973, também representada por Elda Listanti Paparoni.

 

Como sabido, a norma vigente ao tempo da apresentação do título a registro (tempus regit actum) é a que deve ser observada, sendo obrigatória a inscrição da pessoa física ou jurídica, não domiciliada no Brasil, no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) para aquelas que sejam titulares de direitos sobre bens imóveis (Instruções Normativas RFB nºs 1.548/2015 e 1.863/2018; subitens 61.3 e 62.1, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça), daí o óbice oposto ao registro para que sejam informados e comprovados os respectivos números de inscrição.

 

Mas, no caso concreto, a exigência registrária deve ser afastada, porquanto não se alcançou descobrir se tais inscrições (CPF e CNPJ) chegaram a ser feitas, sem que se possa impor esse dever de inscrição nesta oportunidade, tanto mais aos arrematantes que não ostentam qualquer relação com os doadores.

 

Frise-se que o ato notarial foi lavrado no ano de 1984 e, ao que consta, os doadores nunca foram domiciliados no Brasil. À época da lavratura da escritura pública, foram feitas as referências ao passaporte, que é o documento de identificação do estrangeiro, e aos atos constitutivos da pessoa jurídica em conformidade com a legislação do país em que sediada, lembrando ainda que eles foram representados.

 

Outro não foi o entendimento deste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

 

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação – Promitente vendedor falecido CPF/MF inexistente – Exigência afastada – Impossibilidade de cumprimento pelo apresentante – Princípio da segurança jurídica – Princípio da razoabilidade – Dúvida improcedente – Recurso provido.” (Apelação n° 0039080-79.2011.8.26.0100, CSM, Rel. DES. JOSÉ RENATO NALINI, 20/09/2012).

 

Relevante destacar o seguinte trecho do v. acórdão:

 

“(…) Assim, para não sacrificar a segurança jurídica e a publicidade, é de rigor flexibilizar, in concreto, a severidade do princípio da especialidade subjetiva, dispensado a informação sobre o número do CPF/MF de Henri Marie Octave Sannejouand, cujo número de inscrição do Registro Geral é, de mais a mais, conhecido e consta da matrícula do imóvel (RG n.º 75.149 – mod. 19 – fls. 07), em sintonia com a carta de arrematação (fls. 23). A especialidade subjetiva, se, na hipótese, valorada com excessivo rigor, levará, em desprestígio da razoabilidade, até porque a exigência não pode ser satisfeita pela interessada, ao enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, o que é um contrassenso. Com a exigência, o que se perde, confrontado com o ganho, tem maior importância, de sorte a justificar a reforma da sentença: a garantia registaria é instrumento, não finalidade em si, preordenando-se a abrigar valores cuja consistência jurídica supera o formalismo (…)”.

 

Em suma, diante da suficiência de elementos aptos à identificação dos doadores e a ausência de prejuízos a terceiros, de rigor a mitigação do princípio da especialidade subjetiva, afastando-se, pois, o óbice registrário.

 

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, para julgar improcedente a dúvida.

 

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

 

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 28.08.2023 – SP)

 

Fonte: TJ/SP

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