O Senado recebeu no último dia 17 de abril o anteprojeto de Lei elaborado por comissão de juristas, que visa a reformar as disposições contidas na Lei 10.406/2002 (Código Civil). A comissão afirma que as alterações propostas têm o enfoque de melhor adequar a normativa à nova realidade dos brasileiros, bem como refletir as decisões acolhidas pelos principais tribunais do país nos últimos anos, incluindo questões relacionadas ao direito digital e à ampliação do conceito de família, por exemplo.
Dentre as principais modificações apresentadas na revisão legal, destaca-se a nova redação proposta para o artigo 977 do Código Civil, que trata especificamente sobre as restrições atreladas à participação de cônjuges em quadro societário de mesma empresa.[
A redação aprovada em 2002 determina que cônjuges apenas podem ser sócios entre si, em sociedade contratual, se estiverem casados em regimes de comunhão parcial, separação convencional de bens e participação final dos aquestos. Assim, veda-se a constituição de sociedade entre cônjuges casados sob o regime de comunhão universal ou separação obrigatória de bens.
Destaca-se que o dispositivo legal já não era aplicável às sociedades anônimas de capital aberto e às cooperativas, uma vez que a jurisprudência pátria consolidou o entendimento de que a expressão “contratar sociedade”, contida na redação, esclarecia que a restrição se aplicaria apenas às sociedades de pessoas, sendo estas as sociedades simples, em nome coletivo, em comandita simples e limitada, que são formadas em função das pessoas dos sócios.
Conforme entendimento, nas sociedades de capitais (sociedade anônima e sociedade de comandita por ações), por inexistirem relações pessoais entre os sócios e por se formarem em razão da reunião do capital, não estariam sujeitas à referida vedação, uma vez que os acionistas se limitam a adquirir parcelas representativas do capital. No caso das sociedades cooperativas, a entrada de sócios deve ser livre, não havendo proibição similar na legislação específica.
A nova redação proposta, todavia, estabelece a possibilidade de que cônjuges ou conviventes em união estável possam contratar sociedades, entre si ou terceiros, “independentemente do regime de bens adotados”. Ou seja, a restrição aplicável apenas às sociedades de pessoas seria extinta, adotando-se a mesma dinâmica já praticada pelas sociedades de capital aberto e cooperativas, como forma harmonização da legislação às atuais práticas aplicáveis aos demais tipos societários.
O novo posicionamento busca adequar a redação legal às diversas medidas jurídicas atualmente existentes, que possibilitam a fiscalização célere das sociedades formadas por cônjuges casados sob quaisquer regimes de bens, afastando a possibilidade de práticas ilegais. Além disso, a proibição anterior visava a evitar fraudes na separação obrigatória de bens, prevista no artigo 1.641 do Código Civil. No entanto, a hipótese de separação mencionada foi revogada pelo anteprojeto, a qual não será mais praticada caso a revisão seja aprovada.
Planejamento patrimonial
Com a adequação do ordenamento jurídico à realidade brasileira, é necessário considerar as atuais práticas adotadas pelas famílias para o planejamento patrimonial e sucessório. O planejamento patrimonial é criado especialmente para a administração dos bens adquiridos pelos membros e permite a sua distribuição, delimitando os critérios e condições relativas ao patrimônio de forma mais célere e menos custosa.
No que tange ao planejamento patrimonial por meio de holdings, destaca-se que a mudança apresentada assegura a constituição de uma sociedade com a participação de todos os membros e bens da família, independentemente do regime de bens adotado.
Embora seja compreensível a vedação prevista no Código Civil, com o intuito de evitar confusões entre o patrimônio dos cônjuges e da sociedade, a regra é considerada defasada. Nesse sentido, a alteração deve ser vista como um marco para o planejamento patrimonial e sucessório das famílias, permitindo que o casal, instituidor do patrimônio familiar, tenha liberdade na escolha do regime a ser adotado, sem empecilhos no planejamento patrimonial.
Do ponto de vista societário, se o argumento para a manutenção da redação vigente seria a pluralidade de patrimônios para responder pelas obrigações da sociedade, com a atualização do ordenamento jurídico e a criação da sociedade unipessoal, o tratamento se torna assimétrico na legislação.
A esse respeito, a Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), que instituiu a sociedade unipessoal, visa a promover a liberdade econômica no exercício das atividades empresariais e, por isso, em caso de manutenção das restrições com base no regime de bens adotado pelo casal, ensejaria violação ao princípio da igualdade, haja vista que não há qualquer relação direta com as atividades econômicas exercidas na sociedade.
Tendo em vista que muitos cônjuges optam pela mudança do regime de bens com o exclusivo intuito de formalizar o planejamento patrimonial, por meio de holdings, é possível dizer que, com a dispensa dessa formalidade, o planejamento patrimonial se tornaria menos burocrático e, portanto, mais acessível.
Por ora, o anteprojeto de lei passará por apreciação das comissões específicas do Senado, que emitirá parecer conclusivo sobre a redação sugerida e proporá eventuais modificações que entender necessárias. Posteriormente, a proposta deverá seguir trâmite habitual e ser submetida à apreciação pela Câmara dos Deputados.
Fonte: Conjur
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