STJ reafirma a natureza personalíssima de stock options, negando sua penhora por preservar os princípios contratuais e societários.

No dia 5/11/24, foi noticiado o julgamento do recurso especial 1.841.466/SP pela 3ª turma do STJ. O recurso especial foi interposto contra acórdão do TJ/SP que deu provimento a agravo de instrumento para reformar decisão da primeira instância, a qual havia permitido a penhora de “direito decorrente do contrato de stock option” de ex-diretor da companhia aérea Gol, no âmbito de execução de título extrajudicial movida contra ele.

A Terceira Turma negou provimento ao recurso especial e, por unanimidade1, manteve o acórdão do TJ/SP, a partir do voto do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. O acórdão reconheceu que a opção de compra possui natureza de direito personalíssimo, na medida em que os planos de compra de ações oferecidos aos colaboradores pelas companhias são convencionados contratualmente, para permitir uma participação na valorização futura da companhia, e a sua constituição possibilita a outorga exclusiva de tal direito em razão da pessoa dos administradores, empregados e pessoas naturais prestadoras de serviço.

O acórdão destacou que no contrato de stock option é feita uma avaliação de custos e riscos pela sociedade empresária para instituição do plano de opção de compra, porque a emissão e compra de novas ações pode impactar nos direitos dos acionistas originais, e que “possibilitar o exercício do direito de opção de compra por terceiro desconhecido significa não apenas impor que a sociedade empresária estabeleça relação negocial compulsória com pessoa estranha, fato que isoladamente já se mostra contraditório, mas também retira da companhia a vantagem que buscou alcançar ao constituir o instrumento de gestão originário do direito em discussão”.

A opção de compra de ações é um ato unilateral da companhia, de natureza contratual, para outorgar a administradores, empregados ou terceiros prestadores de serviços o direito de subscrever participações societárias emitidas pela companhia2. Trata-se da outorga do direito de adquirir a condição de acionista, mediante aumento do capital social com emissão de ações ou entrega de ações existentes em tesouraria, como forma de remuneração indireta do trabalho dos funcionários e colaboradores3. Essa modalidade de opção de compra está prevista no art. 168, §3º, da lei das S.A., a qual estabelece que o estatuto social pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado e mediante aprovação do plano pela assembleia geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores, empregados, ou pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedades sob seu controle.

A doutrina entende que a opção de compra tem natureza contratual e personalíssima4, inclusive conforme trechos de Nelson Eizirik e José Waldecy Lucena transcritos no acórdão, e não pode ser cedida a terceiros5. De fato, a admissão da penhora do direito de opção de compra parece subverter o intuito das stock options (estimular o desempenho de administradores e colaboradores) e o seu caráter personalíssimo – a companhia delibera por atribuir a opção a uma pessoa determinada, em razão de suas características pessoais e sua relação particular com a empresa. A posição do STJ, assim, confere segurança jurídica à empresa que oferece as stock options e aos seus acionistas.

Chama a atenção, contudo, o fundamento utilizado pelo acórdão para rejeitar a penhora, no sentido de que a sua admissão acabaria por impor à sociedade empresária uma relação negocial compulsória com pessoa estranha (aspecto mencionado no voto do ministro relator e destacado novamente no voto-vista da ministra Nancy Andrighi). Isso porque a penhora de quotas ou ações é pacificamente admitida pela legislação e pela jurisprudência do STJ, que entende ser viável tal constrição por dívida particular contraída pelo sócio, sem que isso abale a affectio societatis6.

A penhora de quotas e ações e a penhora de direito de opção de compra recaem sobre objetos de naturezas distintas. Além disso, a penhora de quotas e ações, ao contrário da penhora de stock options, está expressamente prevista na legislação (art. 861 do CPC). Assim, não há qualquer óbice à sua realização para satisfação de dívidas pessoais dos sócios. No entanto, a disciplina do referido dispositivo legal é bastante criticada pela doutrina, justamente por acarretar o estabelecimento de relações compulsórias da sociedade com terceiros estranhos ao seu quadro social e às suas atividades, além de afetar os demais sócios e credores da própria sociedade por dívida contraída por um sócio em específico.

Eduardo Munhoz e José Edwaldo Tavares Borba, apenas para citar alguns autores, destacam, respectivamente, que (i) o art. 861 do CPC causa perplexidade por permitir a interpretação de que o Direito Brasileiro criou uma nova hipótese de dissolução parcial da sociedade ou desconsideração reversa da personalidade jurídica, e por permitir que sociedades dotadas de personalidade jurídica (e seus sócios e credores) possam ser afetadas por dívidas contraídas pelos sócios7; e (ii) o art. 861 invade uma seara que não lhe cabe e a penhora de quotas e ações por dívidas particulares dos sócios tumultua as relações societárias de forma indevida8.

A análise detalhada das peculiaridades do art. 861 foge ao escopo deste breve comentário ao julgamento do recurso especial em referência, mas é interessante notar os paralelos entre o fundamento utilizado pelo acórdão do recente julgamento do recurso especial 1.841.466/SP e as diversas críticas que são tecidas pela doutrina há anos a respeito da penhora de quotas e ações por dívidas particulares de sócios.

1 Preliminarmente, houve divergência da Ministra Nancy Andrighi para não conhecimento do recurso. Superada a questão da admissibilidade, o julgamento foi unânime no mérito.

2 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 2º volume: artigos 75 a 137. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 59

3 LAMY FILHO, Alfredo. PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1008; BORBA, José Edwaldo de Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Atlas, 2024, p. 247.

4 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 2º volume: artigos 75 a 137. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 59; EIRIZIK, Nelson. A Lei das S.A. comentada: artigos 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 483; BRITTO, Felipe Lorenzi de; FIGUEIREDO, Fernanda B.; BUENO, Iva Maria S. Stock options: Os Planos de Opção de Compra de Ações. São Paulo: Almedina Brasil, 2018, e-book, p. 86; BORBA, José Edwaldo de Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Atlas, 2024, p. 248.

5 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S.A. comentada: artigos 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 483.

6 Nesse sentido, para citar apenas alguns julgados: “SOCIETÁRIO E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA DE QUOTAS DE SOCIEDADE LIMITADA. AFFECTIO SOCIETATIS. HARMONIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. É cabível a penhora de cotas de sociedade empresária limitada, não importando essa constrição ofensa ao princípio da affectio societatis. Precedentes. 2. Agravo interno desprovido.” (STJ, AgInt no AREsp 1619789/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 20.09.2021); “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. SÓCIO. PENHORA DE QUOTAS. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a penhora de quotas sociais não encontra vedação legal e nem afronta o princípio da affectio societatis, já que não enseja, necessariamente, a inclusão de novo sócio. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, AgRg no REsp 1221579/MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 01.03.2016); ” (…) 5. Encontrando-se o aresto hostilizado em harmonia com o entendimento desta Corte de que a penhora de quotas sociais não encontra vedação legal nem afronta o princípio da affectio societatis, de rigor a incidência do enunciado n. 83 da Súmula desta Casa. (…)” (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 2398452/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 29.04.2024); “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. ARTIGO 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PENHORA. QUOTAS SOCIETÁRIAS. POSSIBILIDADE. MENOR ONEROSIDADE. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. (…) 2. É possível a penhora de quota social, inclusive quando há previsão contratual de proibição à livre alienação. (…)” (STJ, AgRg no AREsp 636875/MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 13.06.2017).

7 MUNHOZ, Eduardo Secchi. “Penhora de quotas ou ações: interpretação do artigo 861 do Código de Processo Civil”. In: YARSHELL, Flávio Luiz. PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coords.). Processo societário – volume III. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 88.

8 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. São Paulo: Atlas, 2019, p. 85.

Fonte: Migalhas

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